DOE RJ 08/07/2014
ICMS. A inaplicabilidade do diferimento de que trata o §6º do artigo 3º da Lei nº 4.529/05 sobre a energia elétrica adquirida para ser consumida em processo industrial não afasta a possibilidade de fruição do diferimento previsto no Art. 3º do Decreto nº 40.442/06. Inexigibilidade de estorno de crédito do imposto incidente sobre a energia elétrica consumida em processo industrial para produção de mercadoria (gases industriais) cuja operação subsequente de saída seja amparada pelo diferimento previsto no art. 3º do Decreto nº 40.442/06, tendo em vista tratar-se de operação tributada para efeitos do ICMS deste Estado, condicionando-se a fruição deste diferimento a que a mercadoria seja produzida e consumida dentro do complexo siderúrgico, por estabelecimentos de pessoas jurídicas que se enquadrem no disposto no art. 1º da Lei nº 4.529/05.
I – RELATÓRIO
Trata-se de consulta interna, submetida pela SAF – Subsecretaria Adjunta de Fiscalização, objetivando confirmar o entendimento apresentado pelo “AFRE responsável pelo curso da ação fiscal”, “da IRF 64.17-Oeste”, no sentido de que “as saídas das mercadorias (gases industriais), produzidos a partir de insumos (energia elétrica) tributados, não deveriam estar sob alcance do benefício fiscal previsto pela Lei nº 4.529/05, pois afrontariam a condição prevista na Lei para o encadeamento das operações de entrada e saída com diferimento do ICMS, sendo cabível, portanto, a cobrança do ICMS nas saídas dos gases produzidos pela demandante”.
À fl. 93 do Processo E-04/008/1126/2013, o Auditor da IRF 64.17-Oeste, em alusão à resposta proferida por esta Coordenação à consulta formulada por White Martins Steel Gases Industriais Ltda [empresa consulente] nos autos do Processo E-04/062.202/11 (cópia às fls. 119/121), apresenta o seu posicionamento nos seguintes termos:
O entendimento manifestado pelo órgão competente a respeito do direito ao creditamento do ICMS na aquisição da energia elétrica adquirida de terceiros, torna necessário indagar se, estando esta “qualidade” de operação – agora submetida ao regime especial de tributação – em confronto com a previsão do §6º do artigo 3º da Lei 4.529/05, ainda estaríamos sob as condições que a lei estabeleceu como necessárias à existência do benefício do diferimento do ICMS na saída das mercadorias, as quais passaram a ser produzidas como insumos tributados. Dispõe o §6º do artigo 3º da Lei 4529/05:
‘O diferimento do inciso III deste artigo aplica-se para a aquisição de energia elétrica, produzida pela geradora mencionada no parágrafo único do artigo 1º, utilizando insumos advindos da operação do Complexo Siderúrgico’.
Em outras palavras, o contribuinte cujo contrato social (fls. 09 a 117) prevê em seu objeto as operações de fornecimento de gases industriais para o Complexo Siderúrgico já descrito, adquiriu energia elétrica de forma diversa da previsão do §6º do artigo 3º da Lei 4.529/05 e, ainda que tenha direito ao crédito sobre estas operações, parece razoável questionar se estas operações de entrada não provocam uma ‘ruptura’ com a estrutura do Benefício Fiscal, quanto às mercadorias produzidas a partir desses insumos tributados, uma vez que, no espírito da lei, as saídas dos gases produzidos pela [consulente] White Martins Steel Gases Industriais Ltda para o Complexo Siderúrgico, somente estariam amparadas com o diferimento do ICMS caso a energia elétrica utilizada na produção desses gases também o tivesse sido.
Em face do exposto, a SAF sintetiza o questionamento nos seguintes termos:
Poderia haver cobrança de ICMS nas saídas dos gases produzidos pela postulante, considerando-se a situação levantada pela IRF 64-17-Oeste de que as saídas de mercadorias (gases industriais) produzidas pela postulante a partir de insumos (energia elétrica) tributados não devem estar sob o alcance do benefício fiscal previsto pela Lei nº 4.529/04?
II – ANÁLISE E FUNDAMENTAÇÃO
Preliminarmente, cumpre destacar, conforme previsto no inciso I do art. 83 da Resolução SEFAZ nº 45/07, norma que institui o Regimento Interno desta Secretaria, que a competência da Superintendência de Tributação, e, como decorrência, desta Coordenação de Consultas Jurídico-Tributárias, alcança tão somente a orientação normativa e a interpretação de legislação em tese, não cabendo, portanto, a análise de caso concreto. Isto porque, a análise da subsunção do caso concreto à norma é de atribuição privativa do Auditor Fiscal, que praticará o ato administrativo, no caso de verificação de (des)cumprimento dos requisitos para fruição de benefício fiscal e/ou ação fiscal que porventura se apresente como necessária. Caso contrário, haveria, ao meu sentir, verdadeira usurpação de competência.
Deve-se, ressaltar, ainda, que, quando há litígio administrativo-tributário, tendo em vista as disposições do Decreto-lei nº 5/75, que aprova o Código Tributário Estadual, a competência para a análise do caso concreto é exclusiva, em primeira instância administrativa, dos Auditores Tributários designados para o exercício da função na Junta de Revisão Fiscal e, em segunda instância administrativa, aos membros do E. Conselho de Contribuintes.
Nessa linha, cumpre salientar que o entendimento acima exposto encontra-se em consonância com o expressamente disposto na Circular ST nº 002, de 31 de janeiro de 2014, que, em seu item 4 prevê seguinte:
4 – a verificação da adequação da norma ao caso concreto cabe exclusivamente à autoridade fiscal competente para a prática do ato;
Pelo exposto, a análise a seguir apresentada acerca do sentido e alcance do disposto no Decreto n.º 40.442/06, em face do modelo de benefícios criados pela citada Lei nº 4.529/05, cinge-se ao exame in abstrato da legislação tributária, a partir de premissas formuladas hipoteticamente acerca do conteúdo problemático, objetivando-se perquirir se há, em tese, vinculação da fruição do benefício fiscal de que trata o artigo 3º do Decreto n.º 40.442/06 ao tratamento tributário beneficiado das mercadorias utilizadas ou consumidas na produção dos mesmos bens.
A verificação das circunstâncias de fato e o enquadramento da situação concreta às hipóteses normativas são tarefas a serem exercidas pelos Auditores Fiscais titulares das ações fiscais, tarefa indelegável a ser exercida privativamente, nos termos do disposto no artigo 142 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66).
Em síntese, o presente parecer, exarado com fundamento na competência atribuída pelo no inciso II do art. 83 da citada Resolução SEFAZ nº 45/07, objetivando fixar a orientação sobre o sentido e alcance da legislação tributária no âmbito desta Secretaria de Estado de Fazenda, cinge-se a esclarecer se a inaplicabilidade do diferimento de que trata o §6º do artigo 3º da Lei n° 4.529/05 sobre a energia elétrica adquirida para ser consumida em processo industrial afasta – ou não – a possibilidade de fruição do diferimento previsto no art. 3º do Decreto nº 40.442/06.
Estabelece o artigo 3º da Lei nº 4.529/05, dispositivo relevante do ato sob exame:
Art. 3º Fica concedido às sociedades mencionadas no caput do artigo 1º, diferimento da totalidade do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual ou Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ou outro tributo que o substitua, nas fases de construção, pré-operação e operação do Complexo Siderúrgico, incidente sobre as seguintes operações:
I – (…)
II – (…)
III – importação e aquisição interna de minério de ferro, pelotas, ferro-ligas, carvão, coque e sucata destinados às fases pré-operacional e operacional do Complexo Siderúrgico, observado o disposto no § 1º.
§ 1º (…).
§ 2º O imposto diferido a que se refere o inciso III será pago englobadamente com o devido na saída dos produtos industrializados, conforme a alíquota de destino, não se aplicando o disposto no artigo 39 do Livro I do Regulamento do ICMS aprovado pelo RICMS/00 ou outra norma que venha a substituí-lo.
§ 3º Não será exigido o imposto diferido de que trata o parágrafo anterior na hipótese de exportação do produto final.
§ 4º O tratamento tributário especial referido neste artigo restringe-se às operações destinadas às fases de construção, pré-operação e operação dos empreendimentos referidos no artigo 1º.
§ 5º (…)
§ 6º O diferimento do inciso III deste artigo aplica-se para a aquisição de energia elétrica, produzida pela geradora mencionada no parágrafo único do artigo 1º, utilizando insumos advindos da operação do Complexo Siderúrgico.
§ 7º (…)
Portanto, de acordo com a sistemática criada pelo artigo 3º da Lei, o imposto incidente sobre a aquisição das mercadorias mencionadas no inciso III, em operações internas, inclusive a energia elétrica, por força do disposto no §6º do dispositivo, estão amparadas por diferimento, sendo o imposto diferido “pago englobadamente com o devido na saída dos produtos industrializados”, nos termos do §2º do mesmo dispositivo.
Por sua vez, o artigo 3º do citado Decreto n.º 40.442/06, o qual regulamenta a Lei nº 4.529/05 e “dá outras providências”, estabelece outras hipóteses de diferimentos, além daquelas previstas na lei, nos seguintes termos:
Art. 3º A previsão do artigo 3.º da Lei n.º 4.529, de 31 de março de 2005, também se aplica aos seguintes itens, produzidos e consumidos dentro do complexo siderúrgico, por estabelecimentos de pessoas jurídicas que se enquadrem no disposto no art. 1.º da Lei n.º 4.529, de 31 de março de 2005:
I – gás de alto forno (derivado do processo de produção de ferro gusa);
II – gás de aciaria (derivado do processo de produção de aço);
III – vapor produzido em coqueria;
IV – oxigênio e demais gases industriais produzidos pela fábrica de oxigênio.
Antes do exame específico do sentido e alcance do dispositivo transcrito, o qual vai além de simples disciplina ou regulamentação do regime jurídico tributário previsto na lei, importante salientar que o §6º do artigo 17 da Lei nº 2.657/96, com a sua redação conferida pela Lei nº 5.076/2007, confere a prerrogativa para que o Poder Executivo estabeleça hipóteses de diferimentos nos seguintes termos:
§ 6º É facultado ao Poder Executivo submeter ao regime de diferimento operações e prestações, estabelecendo o momento em que deva ocorrer o lançamento e pagamento do imposto e atribuindo a responsabilidade, por substituição, a qualquer contribuinte vinculado ao momento final do diferimento.
Portanto, apesar de o benefício de que trata o artigo 3º do citado Decreto n.º 40.442/06 ter sido concedido no contexto da sistemática criada pela Lei nº 4.529/05, entendo que os aludidos diferimentos, do “gás de alto forno (derivado do processo de produção de ferro gusa)”, do “gás de aciaria (derivado do processo de produção de aço)”, do “vapor produzido em coqueria” e do “oxigênio e demais gases industriais produzidos pela fábrica de oxigênio”, têm como fundamento de validade o transcrito §6º do artigo 17 da Lei nº 2.657/96, e não a lei de 2005 concessiva de benefício fiscal para o Complexo Siderúrgico, ainda que constituam tratamentos tributários associados.
Dessa forma, tendo em vista não haver a suscitada unicidade do benefício fiscal criado pela Lei nº 4.529/05, a dar ensejo a possível “’ruptura’ com a estrutura do Benefício Fiscal, quanto às mercadorias produzidas a partir” de “insumos tributados”, premissa subjacente ao argumento sustentado pelo Auditor da IRF 64.17-Oeste à fl. 96, parece-me que somente três circunstâncias poderiam conduzir à conclusão no sentido de que “para o Complexo Siderúrgico, somente estariam amparadas com o diferimento do ICMS caso a energia elétrica utilizada na produção desses gases também o tivesse sido”. Em outras palavras, considerando que foi o ato do Chefe do Poder Executivo Estadual, de forma autônoma, que incluiu novas hipóteses de diferimento não previstas inicialmente na lei estadual direcionada ao Complexo Siderúrgico, a questão posta sob exame não se limita a perquirir o conteúdo e extensão da sistemática instituída pela Lei n° 4.529/05, mas sim os efeitos do diferimento concedido autonomamente pelo artigo 3º do Decreto em face da “estrutura” do benefício instituído pela lei.
Nesses termos, haja vista inexistir a alegada unicidade da estrutura legal do benefício, repise-se que somente três circunstâncias poderiam levar à conclusão alcançada pelo Auditor da IRF 64.17-Oeste, ou seja, que a incidência do ICMS sobre a energia elétrica adquirida para consumo em processo industrial afastaria a aplicabilidade do diferimento previsto no artigo 3º do Decreto n.º 40.442/06.
A primeira, caso houvesse previsão normativa expressa nesse sentido, no próprio ato do Chefe do Poder Executivo que concede o diferimento, haja vista tratar-se de situação nova, não prevista anteriormente na lei.
Ora, não poderia a lei estadual de 2005 disciplinar em termos explícitos um benefício não decorrente da aplicação do próprio ato do parlamento, incentivo que foi criado em 2006, isto é, por meio de ato editado em data posterior à lei. Assim sendo, somente o próprio ato concessivo do diferimento, o Decreto n° 40.442/06, ou outro ato posterior que o regulamentasse, poderia disciplinar expressamente a exigibilidade do estorno do crédito na hipótese.
O Decreto n.º 40.442/06 não determina o estorno nesta hipótese, tampouco outro ato normativo superveniente, razão pela qual se demonstra inexistente a primeira circunstância.
A segunda circunstância, em que se poderia sustentar a exigibilidade do estorno de crédito, ocorreria na hipótese em que o conjunto dos benefícios, aqueles criados diretamente pela lei combinado com os diferimentos previstos no decreto, fosse inexequível sem a exigência do estorno do crédito. Conforme se constata pela leitura dos autos e do que se extrai da legislação não parece ser o caso. É perfeitamente plausível sob o ponto de vista operacional que a energia elétrica adquirida com a incidência do ICMS possa ser consumida em processo industrial de mercadoria a ser submetida ao regime de diferimento previsto no Decreto. Ainda, pelas mesmas razões acima sustentadas, quando do exame da primeira circunstância, entendo não haver fundamento na alegação de que a fruição do diferimento previsto no decreto afrontaria “a condição prevista na Lei para o encadeamento das operações de entrada e saída com diferimento do ICMS”, conforme sustentado, tendo em vista que a concessão do diferimento previsto no artigo 3º do Decreto de 2006 encontra seu fundamento de validade na Lei nº 2.657/96 e foi concedido em data posterior à edição da Lei n° 4.529/05.
Por fim, a terceira circunstância, em que se poderia alegar a impossibilidade de manutenção do crédito referente à energia elétrica adquirida com a incidência do ICMS para ser consumida em processo industrial de mercadoria a ser produzida e consumida no Complexo Siderúrgico, seria fundamentada na interpretação e aplicação da legislação tributária como um todo, e não apenas no contido expressamente no Decreto n.º 40.442/06 e na Lei nº 4.529/05.
De fato, considerando não haver disciplina expressa em relação à matéria nos atos concessivos do tratamento tributário especial, tampouco restringindo a aplicação do diferimento à hipótese em que a energia tenha sido adquirida também com o diferimento (primeira circunstância), e tendo em vista a exequibilidade e operacionalidade do diferimento previsto no artigo 3º do Decreto, independentemente da energia adquirida ter sido tributada ou não na fase de circulação antecedente (segunda circunstância), parece-me que a análise da questão controvertida deve ser realizada em face da legislação tributária aplicável como um todo, não se limitando, portanto, ao disposto na própria Lei nº 4.529/05 ou no Decreto n.º 40.442/06.
Dessa forma, a determinação do sentido e alcance do disposto artigo 3º do ato do Chefe do Poder Executivo em face da sistemática criada pela Lei nº 4.529/05, pressupõe o exame do disposto nesta lei estadual em face da legislação tributária que disciplina o ICMS estadual.
A regra geral da exigibilidade do estorno de crédito decorre do disposto no inciso II do §2º do artigo 155 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), segundo o qual a isenção ou não incidência acarreta duas consequências, isto é, a vedação ao crédito na etapa subsequente e o dever de anular o crédito relativo às operações e prestações antecedentes.
Portanto, de acordo com o transcrito inciso II do §2º do artigo 155, a não cumulatividade, declarada no inciso I do mesmo dispositivo, é duplamente condicionada, ou seja, são requisitos sobrepostos ao crédito do imposto, tanto a incidência do ICMS na etapa de circulação ou prestação antecedente como a tributação da operação ou prestação subsequente, o que somente pode ser ressalvado por legislação tributária expressa.
O art. 21, I, da Lei Complementar nº 87/96 disciplina a matéria, ao estabelecer que o sujeito passivo deve efetuar o estorno do imposto de que tiver se creditado sempre que “o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento” “for objeto de saída ou prestação de serviço não tributada ou isenta, sendo essa circunstância imprevisível na data da entrada da mercadoria ou da utilização do serviço”. Nesse sentido importante destacar o disposto no caput e §3º do artigo 21 da Lei Complementar nº 87/96:
Art. 21 O sujeito passivo deverá efetuar o estorno do imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:
I – for objeto de saída ou prestação de serviço não tributada ou isenta, sendo esta circunstância imprevisível na data da entrada da mercadoria ou da utilização do serviço;
(…)
§ 3º O não creditamento ou o estorno a que se referem o § 3º do art. 20 e o caput deste artigo, não impedem a utilização dos mesmos créditos em operações posteriores, sujeitas ao imposto, com a mesma mercadoria.
Em âmbito estadual, o caput do artigo 37 da Lei nº 2.657/96 regula a matéria nos seguintes termos:
Art. 37 O contribuinte efetuará o estorno do imposto creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:
I – for objeto de saída ou prestação de serviço não tributado ou isenta, sendo esta circunstância imprevisível na data da entrada da mercadoria ou da utilização do serviço;
II – for integrada ou consumida em processo de industrialização, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto;
III – vier a ser utilizada em fim alheio à atividade do estabelecimento;
IV – vier a parecer, deteriorar-se ou extraviar-se;
V – gozar de redução da base de cálculo na operação ou prestação subsequente, hipótese em que o estorno será proporcional à redução.
Pelo exposto, a exigibilidade ou não de estorno de crédito do imposto incidente sobre a energia elétrica consumida em processo industrial para produção de mercadoria (gases industriais) cuja operação subsequente de saída seja amparada pelo diferimento previsto no art. 3º do Decreto n° 40.442/06, ante a inexistência de disciplina expressa acerca da matéria, depende, exclusivamente, da qualificação da operação objeto do diferimento de que trata este ato do Chefe do Poder Executivo como espécie de operação tributada (o que enseja amanutenção do crédito) ou a sua qualificação como tipo de operação não tributada (o que implicaria na exigibilidade do estorno do crédito).
A natureza jurídica do diferimento é controvertida, em especial porque sob a designação “diferimento” são encampadas diversas situações distintas entre si.
A simples postergação do momento do pagamento do imposto, por exemplo, sem alteração da sujeição passiva ou a redução do ônus tributário, é, em muitos casos, qualificada como “diferimento”.
Em outras circunstâncias, sob o manto do “diferimento” é concedida uma “isenção mal disfarçada”, expressão utilizada pelo Procurador Gustavo Amaral no parecer nº 2/00 – GAM/PG-3. Se enquadram, de acordo com o parecer da PGE, como exemplos dessa espécie, a norma que institui prazo especialmente longo para o pagamento do ICMS e, conjuntamente, dispensa, total ou parcialmente, a correção monetária; a legislação que conceda diferimento para pagamento do imposto nas saídas a serem realizadas em momento posterior ao encerramento (usual) da cadeia de circulação da mercadoria (diferimento para o momento da saída do máquina ou equipamento adquirido para compor o ativo não circulante imobilizado da empresa). Essas hipóteses, que exigem amparo em Convênio editado no âmbito do CONFAZ, face o disposto no artigo 155, §2º, XII, “g” da Constituição de 1988 e Lei Complementar nº 24/75, não me parecem se assemelhar à situação específica de que trata o art. 3º do Decreto nº 40.442/06.
Com efeito, a expressa menção, no art. 3º do ato do Chefe do Poder Executivo, ao disposto no art. 3º da Lei nº 4.529/05, suscita a aplicabilidade da regra contida no §2º do dispositivo da lei estadual, conforme já destacado, segundo o qual o “imposto diferido a que se refere o inciso III será pago englobadamente com o devido na saída dos produtos industrializados, conforme a alíquota de destino”.
Dessa forma, na situação sob exame há transferência da responsabilidade pelo pagamento do imposto para pessoa diversa daquela que praticou a operação com o ICMS “diferido”. Assemelha-se, nesses termos, à circunstância em que Roque Antonio Carraza descreve:
(…) por força desta mesma legislação [concessiva do diferimento], o tributo será pago, no futuro, por quem, tendo adquirido tais mercadorias, promove a sua revenda (em geral depois de havê-las submetido a processos de industrialização). O novo contribuinte, no caso, pagará o ICMS devido pela operação mercantil que efetivamente realizou e, também, o referente à operação mercantil anterior, beneficiada pelo diferimento.
Esse pagamento posterior pode ocorrer de forma apartada, ou seja, em documento de arrecadação próprio para extinguir o crédito tributário (o que ensejaria o direito ao crédito em face da não cumulatividade), ou ser pago englobadamente com o imposto devido nas operações subsequentes, como parece ser o caso sob exame.
III – CONCLUSÃO
Por todo o exposto, entendo que a operação sob amparo do diferimento de que trata o art. 3º do Decreto n° 40.442/06 deve ser qualificada como hipótese de operação tributada, sendo inexigível, portanto, o estorno do crédito do imposto relativo à energia elétrica adquirida para consumo no processo industrial. Em outras palavras, tendo em vista que a operação objeto do diferimento concedido por meio do ato do Chefe do Poder Executivo deve ser considerada tributada para efeitos do ICMS estadual, a inaplicabilidade do diferimento de que trata o §6º do artigo 3º da Lei n° 4.529/05 sobre a energia elétrica adquirida para ser consumida em processo industrial não afasta a possibilidade de fruição do diferimento previsto no art. 3º do Decreto n° 40.442/06, sendo inexigível o estorno de crédito.
É o parecer, sub censura.
Leonardo de Andrade Costa
Auditor Fiscal da Receita Estadual
Mat. 0.294.511-1