DOE 09/12/2000
ICMS – Dispõe sobre a cessão de bens para consumo com a intenção de ser definitiva – Descaracterização do “Contrato de locação”
O Coordenador Da Administração Tributária, tendo em vista o disposto no artigo 587 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 33.118, de 14/3/91, decide:
1 – fica aprovada a resposta dada pela Consultoria Tributária à Consulta nº 153/96, cujo texto é reproduzido em anexo a esta decisão.
2 – conseqüentemente, com fundamento no inciso II do artigo 586 do Regulamento do ICMS, ficam reformadas todas as demais respostas dadas pela Consultoria Tributária e que, versando sobre a mesma matéria, concluíram de modo diverso.
3 – Esta decisão produzirá efeitos a partir da sua publicação.
“Consulta nº 153/96
- Diz a inicial:
” A consulente é estabelecida com o ramo de comércio varejista de máquinas e aparelhos para escritórios, para uso comercial, técnico e profissional, peças e acessórios. Dentro de sua atividade loca máquinas fotocopiadoras, através de contrato de locação com prazo médio de doze meses, dando ao final do contrato a opção de compra ao locatário, pelo equivalente a 01(hum) mês de aluguel.
Durante o período dos doze meses a consulente emite Nota Fiscal de serviços, pagando ISS da locação e quando o cliente exerce a opção de compra a consulente emite Nota Fiscal de venda no valor da parcela correspondente, pagando o ICMS s/ o valor dessa nota fiscal.
Estando em dúvida, quanto ao procedimento adotado indaga:
a) Seu procedimento está correto, não há realmente incidência de ICMS nas parcelas mensais quando há venda no final, ou somente haveria incidência do ICMS quando o cliente não exercer a opção de compra?
b) Quanto à entrada das mercadorias, a consulente vem se creditando do ICMS, mas também tem dúvida se o ICMS deve ser creditado, ou estaria vedado seu crédito, face ao inciso IV do art. 63 do RICMS?
Em anexo à consulta enviamos cópias do contrato de locação e notas fiscais, referentes às locações.
Enfim, pedimos a V. Sas. uma luz, porque nossa intenção não é a sonegação e sim trabalharmos na forma da lei.” - Decorre da petição de Consulta que os contratos pelos quais a Consulente faz seus negócios não estão corretamente qualificados, como se verá a seguir.
- Decorre dos arts. 1.188 e seguintes do Código Civil que a locação é contrato “pelo qual uma das partes se obriga, mediante contraprestação em dinheiro, a conceder à outra, temporariamente, o uso e gozo de coisa não fungível” (Orlando Gomes in “Contratos”, Ed. Forense, 18ª ed., pág. 274) em que, dentre os demais direitos e deveres, “o locatário tem a obrigação de restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a tiver recebido” (Caio Mário da Silva Pereira in “Instituições de Direito Civil”, Ed. Forense, 10ª ed., vol. III, pág. 186).
- O locatário de um equipamento tem a obrigação de restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a tiver recebido. Contudo, a Consulente informa que dá, ao final do contrato “… opção de compra ao locatário, pelo equivalente a 01 (hum) mês de aluguel”, ou seja, não tem interesse na sua devolução. Demonstra que seu interesse e sua vontade, antes mesmo de fazer o contrato, é o de entregar em definitivo o equipamento, tanto que já se conhece o preço antecipadamente. Quando se faz proposta de contrato querendo e prevendo ab initio que a posse do bem não seja restituída, mas que haja transferência definitiva da propriedade, disso decorre que tal contrato não é de locação.
- Com efeito, o contrato típico causado pela vontade de locar, vender ou financiar para empresas bens de tecnologia moderna que rapidamente se tornam obsoletos, evitando-lhes imobilizações imediatas, é o de leasing, em suas várias modalidades, assunto da Lei n.º 6.099, de 12 de setembro de 1974, que subordina tais operações aos requisitos da própria lei, ao controle e fiscalização do Banco Central do Brasil e às normas do Conselho Monetário Nacional.
6. O contrato que não se subordina aos requisitos da lei deixa de legalmente ser considerado leasing. Em tais casos, um dos efeitos que decorrem da falta é o do art. 11 da Lei n.º 6.099/74:
“Art 11. Serão consideradas como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamento mercantil.
§ 1º A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta Lei, será considerada operação de compra e venda a prestação.
§ 2º O preço de compra e venda, no caso do parágrafo anterior, será o total das contraprestações pagas durante a vigência do arrendamento, acrescido da parcela paga a título de preço de aquisição.
…” (g. n.)
7. A Consulente, ao dar a seu contrato o título de “contrato de locação”, ou está incorrendo em erro de direito ou em erro quanto ao fim pretendido (falsa causa). Nem locação, como alega, e tampouco leasing, como poderia alegar, pratica a Consulente.
- Para entender um contrato e suas conseqüências, o direito nos obriga a considerar, não o seu nomen iuris, não o que as partes pensam existir, mas o que existe, o que está em execução. Importam os efeitos que advêm das funções do negócio e das intenções das partes. Os vícios porventura existentes podem dar lugar, na esfera privada, à nulidade do negócio, mas normalmente, em caso de resguardo de interesses de terceiros, como os interesses fiscais, reduzem o negócio a um tipo diferente do que foi externado, ao tipo real, mesmo porque as avenças particulares não podem ser opostas às determinações legais específicas e à própria Fazenda Pública.
- A atividade praticada pela Consulente, pode-se assegurar, é mercantil. Trata-se de empresa comercial, e não é locação ou leasing o que faz, mas mercancia – venda a prazo, ou a contento, ou com outra cláusula especial.
10. O ICMS é imposto incidente sobre as operações de circulação de mercadorias e sobre as prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, cuja base econômica é o consumo de mercadorias e dos serviços descriminados. Basicamente, grava o consumo, assim compreendida a utilização de bens e serviços por consumidores finais. A Lei Complementar n.º 87/96, em seus arts. 2º, I, e 12, e a Lei n.º 6.374/89, em seus arts. 1º e 2º, I, determinam que ocorre operação relativa à circulação de mercadorias, com incidência do ICMS, entre outras situações, no momento da saída (aspecto temporal) de estabelecimento de contribuinte, a qualquer título, de mercadoria de estabelecimento de contribuinte. Cada saída é normalmente uma etapa da cadeia econômica na qual ocorre circulação de mercadorias. Cada saída é uma etapa em direção ao consumo, onde a incidência do ICMS corresponde a um pagamento antecipado sobre o consumo futuro, proporcional ao valor econômico que lhe foi agregado e está sendo confirmado no momento do negócio.
11. A falta de sintonia entre a real natureza jurídica do negócio e a propagada pelos contratantes, além de possíveis conseqüências no âmbito privado, tem conseqüências tributárias que não podem ser simplesmente desconsideradas, uma vez que o ICMS, como qualquer imposto, é devido e torna-se indisponível a partir do momento da ocorrência de determinado fato ou da prática de determinado ato sujeitos à sua incidência, conforme previsto na norma de regência.
12. A Consulente é auto-denominada empresa “comercial varejista”. São seus clientes os consumidores de máquinas. Assim, por força das normas já mencionadas, ocorre o fato gerador do ICMS nas saídas de equipamentos do estabelecimento da Consulente, sujeitando-se a mesma ao cumprimento das obrigações principal e acessórias previstas no Regulamento do ICMS.
- Da perspectiva do ICMS, o consumo ocorre na transferência dos equipamentos a quem vai utilizá-los sem mais recolhimento do imposto. A carga tributária incidente sobre tais equipamentos somente será satisfeita quando for proporcional ao valor pago por esses consumidores.
- Pelo que foi explicado, fica evidenciado o erro de procedimento na questão proposta na inicial, devendo a Consulente, como dito, nas operações que praticar nos moldes previstos (vendas mercantis), sujeitar-se ao recolhimento do ICMS de acordo com as regras constantes do RICMS/91, inclusive quanto ao crédito do imposto.
15. Outrossim, deve também procurar o Posto Fiscal a que se acha subordinada, a fim de regularizar sua situação em relação aos fatos já ocorridos, praticados em desacordo com a presente Resposta, quando, então, à vista do princípio constitucional da não-cumulatividade, serão considerados os créditos a que tem direito a Consulente.”.