(DOU de 27/08/2014)
Assunto: Processo Administrativo Fiscal
Ementa: CONCOMITÂNCIA ENTRE PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL E PROCESSO JUDICIAL COM O MESMO OBJETO. PREVALÊNCIA DO PROCESSO JUDICIAL. RENÚNCIA ÀS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVAS. DESISTÊNCIA DO RECURSO ACASO INTERPOSTO.
A propositura pelo contribuinte de ação judicial de qualquer espécie contra a Fazenda Pública com o mesmo objeto do processo administrativo fiscal implica renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso de qualquer espécie interposto.
Quando contenha objeto mais abrangente do que o judicial, o processo administrativo fiscal deve ter seguimento em relação à parte que não esteja sendo discutida judicialmente.
A decisão judicial transitada em julgado, ainda que posterior ao término do contencioso administrativo, prevalece sobre a decisão administrativa, mesmo quando aquela tenha sido desfavorável ao contribuinte e esta lhe tenha sido favorável.
A renúncia tácita às instâncias administrativas não impede que a Fazenda Pública dê prosseguimento normal a seus procedimentos, devendo proferir decisão formal, declaratória da definitividade da exigência discutida ou da decisão recorrida.
É irrelevante que o processo judicial tenha sido extinto sem resolução de mérito, na forma do art. 267 do CPC, pois a renúncia às instâncias administrativas, em decorrência da opção pela via judicial, é insuscetível de retratação.
A definitividade da renúncia às instâncias administrativas independe de o recurso administrativo ter sido interposto antes ou após o ajuizamento da ação.
Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (CTN), art. 145, c/c art. 149, art. 151, incisos II, IV e V; Decreto-lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967, art. 20, § 3º; Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, arts. 16, 28 e 62; Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (CPC), arts. 219, 267, 268, 269 e 301, § 2º; Decreto-lei nº 1.737, de 20 de dezembro de 1979, art. 1º; Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, art. 38; Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV; Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, art. 53; Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, art. 22; Portaria CARF nº 52, de 21 de dezembro de 2010; Portaria MF nº 341, de 12 de julho de 2011, art. 26; art. 77 da IN RFB nº 1.300, de 20 de novembro de 2012.e-processo nº 10166.721006/2013-16
Relatório
Dúvidas têm sido suscitadas por unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) acerca da adequação, ao ordenamento jurídico vigente, do Ato Declaratório Normativo (ADN) Cosit nº 3, de 14 de fevereiro de 1996, no Diário Oficial da União (DOU) de 15 de fevereiro de 1996, que tomou por base o Parecer MF/SRF/COSIT/GAB nº 27, de 13 de fevereiro de 1996.
2. Cuidam os referidos atos normativos, na essência, do tratamento a ser dispensado ao processo administrativo fiscal quando o sujeito passivo opta pela discussão concomitante na esfera judicial sobre objeto idêntico.
3. A emissão do presente Parecer Normativo se justifica tanto pela relevância da matéria, com esteio no art. 8º da Ordem de Serviço (OS) Cosit nº 1, de 8 de abril de 2013, quanto pela necessidade de adaptação dos termos utilizados no ADN Cosit nº 3, de 1996, e no Parecer MF/SRF/COSIT/GAB nº 27, de 1996, diante das inovações legislativas, promovendo-lhes a revogação. Esta, portanto, não se deve à alteração do entendimento contido naqueles atos, mas ao seu aprimoramento, evitando-se, ainda, a existência de atos normativos diversos versando sobre a mesma matéria.
Fundamentos
4. Preliminarmente, transcreve-se o inteiro teor do ADN Cosit nº 3, de 1996:
O COORDENADOR-GERAL DO SISTEMA DE TRIBUTAÇÃO, no uso da atribuição que lhe confere o art. l47, item III, do regimento interno da Secretaria da Receita Federal, aprovado pela Portaria do Ministro da Fazenda nº 606, de 03 de setembro de 1992, e tendo em vista o Parecer COSIT nº 27/96.
DECLARA, em caráter normativo, às Superintendências Regionais da Receita Federal, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento e aos demais interessados, que:
a) a propositura pelo contribuinte, contra a Fazenda, de ação judicial- por qualquer modalidade processual, antes ou posteriormente à autuação, com o mesmo objeto, importa a renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso interposto;
b) conseqüentemente, quando diferentes os objetos do processo judicial e do processo administrativo, este terá prosseguimento normal no que se relaciona à matéria diferenciada (p. ex., aspectos formais do lançamento, base de cálculo etc.);
c) no caso da letra “a”, a autoridade dirigente do órgão onde se encontra o processo não conhecerá de eventual petição do contribuinte, proferindo decisão formal, declaratória da definitividade da exigência discutida ou da decisão recorrida, se for o caso, encaminhando o processo para a cobrança do débito, ressalvada a eventual aplicação do disposto no art. 149 do CTN;
d) na hipótese da alínea anterior, não se verificando a ressalva ali contida, proceder-se-á a inscrição em dívida ativa, deixando-se de fazê-lo, para aguardar o pronunciamento judicial, somente quando demonstrada a ocorrência do disposto nos incisos II (depósito do montante integral do débito) ou IV (concessão de medida liminar em mandado de segurança), do art. 151, do CTN;
e) é irrelevante, na espécie, que o processo tenha sido extinto, no Judiciário, sem julgamento do mérito (art. 267 do CPC).
5. As conclusões do ADN supratranscrito assentaram-se, basicamente, nas prescrições do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, do Decreto-lei nº 1.737, de 20 de dezembro de 1979, e da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, que assim disciplinam:
Decreto nº 70.235, de 1972
Art. 62. Durante a vigência de medida judicial que determinar a suspensão da cobrança do tributo não será instaurado procedimento fiscal contra o sujeito passivo favorecido pela decisão, relativamente, à matéria sobre que versar a ordem de suspensão. (Vide Medida Provisória nº 232, de 2004)
Parágrafo único. Se a medida referir-se a matéria objeto de processo fiscal, o curso deste não será suspenso, exceto quanto aos atos executórios. (Vide Medida Provisória nº 232, de 2004) (grifou-se)
Decreto-lei nº 1.737, de 1979
Art. 1º Serão obrigatoriamente efetuados na Caixa Econômica Federal, em dinheiro ou em Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, ao portador, os depósitos:
(…)
II – em garantia de execução fiscal proposta pela Fazenda Nacional;
III – em garantia de crédito da Fazenda Nacional, vinculado à propositura de ação anulatória ou declaratória de nulidade do débito;
(…)
§ 1º O depósito a que se refere o inciso III, do artigo 1º, suspende a exigibilidade do crédito da Fazenda Nacional e elide a respectiva inscrição de Dívida Ativa.
§ 2º A propositura, pelo contribuinte, de ação anulatória ou declaratória da nulidade do crédito da Fazenda Nacional importa em renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto. (grifou-se)
Lei nº 6.830, de 1980
Art. 38. A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.
Parágrafo único – A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto. (grifou-se)
5.1. Quanto ao art. 62 do Decreto nº 70.235, de 1972, reporte-se que o art. 10 da Medida Provisória (MP) nº 232, de 30 de dezembro de 2004, que intentava conferir nova redação àquele dispositivo, foi revogado pela MP nº 243, de 31 de março de 2005.
5.2. Além disso, o caput do art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980, traz uma enumeração exemplificativa das ações judiciais e a exigência de depósito preparatório que há muito foi afastada pelo STF.
5.3. Depreende-se que a propositura pelo contribuinte de ação judicial de qualquer espécie contra a Fazenda Pública (o que inclui mandado de segurança, ação de repetição de indébito, ação declaratória ou ação anulatória), em qualquer momento, com o mesmo objeto que está sendo discutido na esfera administrativa, implica renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso de qualquer espécie interposto. Aponta-se, como ressalva, a adoção da via judicial com o mero fim de correção de procedimentos adjetivos ou processuais da Administração Tributária, tais como questões sobre rito, prazo e competência.
5.4. Neste ponto, vale trazer à baila a Súmula STF nº 429: “A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade”.
6. No mesmo sentido reza a Súmula nº 1 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), aprovada e divulgada pela Portaria CARF nº 52, de 21 de dezembro de 2010 (publicada no DOU de 23 de dezembro de 2010, Seção I, fls. 87 a 90 e retificada no DOU de 12 de janeiro de 2011, Seção I, fl. 44):
Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial. (grifou-se)
6.1. Vê-se que é possível a apreciação do processo na esfera administrativa quando seu objeto seja diferente ou mais amplo que o da ação judicial, como, por exemplo, na concomitância de um processo judicial em que se discute a constitucionalidade da norma impositiva da exação e um processo administrativo fiscal cujo objeto seja alguma questão de fato, tal como a apuração do valor devido ou outra forma de verificação do controle de legalidade do lançamento do crédito tributário porventura existente. Conforme concluiu o STJ no REsp nº 1.279.422-SP, há hipóteses, no entanto, em que a “seleção” da situação de fato atinge uma tal profundidade que, ao final de sua análise, também já se realizou a apreciação jurídica:
Embora tradicionalmente se distinga “questão de fato” da questão de saber “o que aconteceu” (fato) se subsume à norma jurídica (direito), por vezes, uma situação de fato somente pode ser descrita com as expressões da ordem jurídica. Assim, para que se possa perguntar com sentido pela “existência” de um acontecimento, é preciso que esse acontecimento seja apreciado, interpretado e valorado de forma jurídica (cf. Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, 2ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 295/296).
6.2. Neste caso, de acordo com a súmula do CARF, serão apreciadas na instância administrativa apenas as matérias que não estão sendo discutidas no âmbito judicial.
7. Em reforço à impossibilidade de concomitância entre ação judicial proposta contra a Fazenda Nacional e processo administrativo em que se questiona a mesma matéria, assim estabelece a Portaria MF nº 341, de 12 de julho de 2011, que disciplina a constituição das Turmas e o funcionamento das Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ):
Art. 26. O pedido de parcelamento, a confissão irretratável da dívida, a extinção sem ressalva do débito, por qualquer de suas modalidades, ou a propositura pelo contribuinte contra a Fazenda Nacional de ação judicial com o mesmo objeto, importa a desistência do processo.
8. Frise-se, ainda, que o inciso V do art. 16 do Decreto nº 70.235, de 1972, com a redação dada pela Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, exige que na impugnação administrativa seja informado “se a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, devendo ser juntada cópia da petição.”.
8.1. Do mesmo modo, o art. 77 da IN RFB nº 1.300, de 2012, abaixo transcrito, condiciona a admissibilidade da manifestação de inconformidade ao atendimento dos requisitos do art. 16 do Decreto nº 70.235, de 1972, aí incluída a exigência de se informar se a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial:
Art. 77 . É facultado ao sujeito passivo, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da ciência da decisão que indeferiu seu pedido de restituição, ressarcimento ou reembolso ou, ainda, da data da ciência do despacho que não homologou a compensação por ele efetuada, apresentar manifestação de inconformidade contra o indeferimento do pedido ou a não homologação da compensação. (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 1.425, de 19 de dezembro de 2013)
§ 1º A autoridade administrativa competente para decidir sobre o pedido de restituição, de ressarcimento, de reembolso ou a compensação deverá se pronunciar quanto ao atendimento dos requisitos de admissibilidade da manifestação de inconformidade nos termos do art. 16 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.
8.2. Descumpridos pelo contribuinte os comandos supratranscritos, e advinda decisão judicial transitada em julgado desfavorável ao seu pleito, esta prevalecerá, inclusive quando a decisão administrativa lhe tenha sido favorável. Isto porque o escopo da jurisdição, que é uma das funções do Estado, é de tornar efetiva a sanção, mediante a substituição da atividade das partes pela do juiz, buscando a pacificação do conflito que os envolve e dando cumprimento às normas de direito objetivo material. Quando a lide envolve o Estado-administração, por exemplo, o Estado-juiz substitui com atividades suas as atividades das partes, inclusive as do administrador. Nesse sentido:
Outra característica dos atos jurisdicionais é que só eles são suscetíveis de se tornar imutáveis, não podendo ser revistos ou modificados. A Constituição brasileira, como a da generalidade dos países, estabelece que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, inc. XXXVI). Coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos de uma sentença, em virtude da qual nem as partes podem repropor a mesma demanda em juízo ou comportar-se de modo diferente daquele preceituado […]. No Estado-de-Direito só os atos jurisdicionais podem chegar a esse ponto de imutabilidade, não sucedendo o mesmo com os administrativos ou legislativos. Em outras palavras, um conflito interindividual só se considera solucionado para sempre, sem que se possa voltar a discuti-lo, depois que tiver sido apreciado e julgado pelos órgãos jurisdicionais: a última palavra cabe ao Poder Judiciário. (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 147, 149, 150, 152 e 337)
8.3. Esse entendimento de que a decisão judicial transitada em julgado, seja anterior ou posterior ao término do contencioso administrativo, prevalece sobre a decisão administrativa, mesmo quando aquela tenha sido desfavorável ao contribuinte e esta lhe tenha sido favorável, vai ao encontro das conclusões do Parecer PGFN/Cocat nº 2, de 2 de janeiro de 2013, e se assenta na prevalência da coisa julgada e da jurisdição única, conforme segue:
53. Por outro lado, é preciso investigar a finalidade precípua da concomitância para só então decidir se o não reconhecimento desta – como consequência do acolhimento do recurso hierárquico – terá ou não algum efeito prático na regulação da relação jurídico-tributária em discussão.
54. Na verdade, esse instituto foi criado tão-somente para evitar a procrastinação de processos e a discussão da mesma matéria por órgãos diferentes, pois, seja qual for o conteúdo da decisão administrativa, as partes sempre terão que se submeter à decisão final de mérito do Poder Judiciário, que é o único órgão competente para julgar a controvérsia em caráter definitivo devido ao princípio constitucional da jurisdição única (art. 5º, XXXV, da CF). […]
(…)
55. Desse modo, considerando que os arts. 1º, § 2º, do Decreto nº 1.737/1979, e 38, § único, da Lei nº 6.830/80, tem como – único – objetivo conferir eficácia ao princípio da economia processual, conclui-se que o não reconhecimento da concomitância pelo CARF resultará numa decisão administrativa prejudicada, redundante e inútil, após a prolação da sentença contrária de mérito no processo judicial que trate da mesma relação jurídica.
56. Repetindo: o não reconhecimento da concomitância tornará o julgamento administrativo desnecessário e inútil naquilo que for contrário à decisão de mérito do Poder Judiciário, simplesmente porque a coisa julgada judicial faz lei entre as partes em caráter definitivo e sua eficácia (ex tunc) não está condicionada ao resultado do julgamento do processo administrativo (arts. 467 e 468 do CPC). A decisão judicial de mérito passada em julgado tem como atributos especiais a indiscutibilidade, a imutabilidade e a coercibilidade, o que obriga o seu cumprimento pela autoridade administrativa, ainda que exista acórdão do CARF em sentido contrário.
(…)
58. Todas essas possibilidades podem ser assim resumidas: o acórdão do CARF, prolatado em processo concomitante, será existente, válido e eficaz enquanto não transitada em julgado a decisão judicial de mérito; passada em julgado a decisão judicial de mérito contrária, a decisão administrativa torna-se ineficaz. É claro que a eficácia ou ineficácia da decisão administrativa poderá ser parcial ou total, dependendo de nível da concomitância (é possível que a concomitância diga respeito a apenas uma ou a algumas causas de pedir/pedidos). Mas o certo é sempre que houver concomitância total ou parcial, prevalecerão os limites objetivos da decisão judicial de mérito.
59. Em qualquer situação, a decisão judicial de mérito prevalece, seja esta anterior ou posterior ao término do contencioso administrativo, devido aos princípios constitucionais da coisa julgada e jurisdição única. […]
(…)
72. Ora, se uma decisão judicial mais nova revoga outra decisão judicial mais antiga, por maior razão ainda um acórdão do STF mais recente revoga (torna ineficaz) uma decisão do CARF mais antiga.
8.4. Cite-se como exemplo a situação em que uma decisão administrativa é proferida por ordem judicial liminar, que tenha por objeto aspectos preliminares como tempestividade (mencionada no item 9.2) ou afastamento da via hierárquica para observância do rito do Decreto nº 70.235, de 1972. Em virtude de não se configurar, no caso, a concomitância, já que a discussão administrativa envolve questão de direito material, o advento de decisão judicial definitiva desfavorável ao sujeito passivo apenas terá o efeito de excluir a competência do órgão julgador e determinar a declaração de nulidade de sua decisão.
8.5. A existência de ação judicial com o mesmo objeto, a despeito de obstar o curso de contencioso administrativo, na linha da Súmula nº 1 do CARF, não tem o mesmo efeito no que toca à revisão de ofício, haja vista que esta, como já apontado, não é processo para solução de litígios, mas o exercício do dever-poder unilateral da Administração de anular seus atos viciados (nesse sentido, cfr. o citado REsp 1.389.892-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 26/09/2013), e deve ser efetuada independentemente de estar em curso ação judicial sobre o mesmo objeto. Feita a revisão de ofício pela autoridade fiscal, esta deve comunicar prontamente tal fato ao órgão de representação judicial competente (unidade da Procuradoria da Fazenda Nacional). Nessa linha, também deverá ser comunicado o órgão do Ministério Público que porventura tenha recebido a representação fiscal para fins penais de que trata o art. 83 da Lei nº 9.430, de 1996, caso seja para revisar integralmente o lançamento antes feito, o que evidentemente ensejaria a perda de objeto da representação.
8.6. A resolução da via administrativa pode, em tese, levar à extinção do processo judicial sem resolução do mérito (caso, p.ex. o autor – o contribuinte – desista da ação). Todavia, caso a ação judicial siga seu curso com resolução do mérito, será a decisão judicial transitada em julgado a prevalecer, mesmo na hipótese de a decisão administrativa da revisão de ofício ter sido mais favorável ao contribuinte. Impõe-se, assim, a força da coisa julgada e da jurisdição única.
Da identidade de objetos dos processos administrativo e judicial
9. Poder-se-ia questionar quanto à definição da expressão “mesmo objeto” a que se reportam o ADN Cosit nº 3, de 1996, a Súmula nº 1 do CARF e a Portaria MF nº 341, de 2011. Aqui, faz-se mister diferenciar o objeto da relação jurídica substancial ou primária do objeto da relação jurídica processual. Aquele consiste no bem da vida sobre o qual recaem os interesses em conflito, in casu, o patrimônio do contribuinte; este, por sua vez, diz respeito ao serviço que o Estado tem o dever de prestar, e nos procedimentos de que este se utiliza para tanto, resultando no proferimento de decisões administrativas ou judiciais em cada processo, guardando relação de instrumentalidade com a real demanda do autor (JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 179).
9.1. Assim, só produz o efeito de impedir o curso normal do processo administrativo a existência de processo judicial para o julgamento de demanda idêntica, assim caracterizada aquela em que se verificam as mesmas partes, a mesma causa de pedir (fundamentos de fato – ou causa de pedir remota – e de direito – ou causa de pedir próxima) e o mesmo pedido (postulação incidente sobre o bem da vida) – a chamada teoria dos três eadem, conforme definida no art. 301, § 2º da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil – CPC), o qual ora se aplica por analogia.
9.2. Leva-se em consideração o objeto da relação jurídica substancial; se a discussão judicial se refere a questões instrumentais do processo administrativo, contra as quais se insurge o sujeito passivo da obrigação tributária, não há que se falar em desistência da instância administrativa nem em definitividade da decisão recorrida, quando nesta se discute alguma questão de direito material. Se, no entanto, a discussão administrativa gira em torno de alguma questão processual, como a tempestividade da impugnação, por exemplo, questão esta também levada à apreciação judicial, configura-se a renúncia à esfera administrativa quanto a este ponto específico.
9.3. Seguindo esse raciocínio, encontra-se entendimento na doutrina e na jurisprudência de que só se caracteriza a identidade de ações quando se verificam as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir:
19. Identidade de ações: caracterização. As partes devem ser as mesmas, não importando a ordem delas nos pólos das ações em análise. A causa de pedir, próxima e remota […], deve ser a mesma nas ações, para que se as tenha como idênticas. O pedido, imediato e mediato, deve ser o mesmo: bem da vida e tipo de sentença judicial. Somente quando os três elementos, com suas seis subdivisões, forem iguais é que as ações serão idênticas. (JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 595)
Litispendência. Identidade de pedidos. A identidade de pedidos não caracteriza a litispendência. Somente se verifica a litispendência com a identidade de ações: as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir. (TRF-5ª, 1ª T., Ap 17299-RN, rel. Juiz Ridalvo Costa, v.u., j. 10.12.1992, JSTJ 47/583)
9.4. Vale reproduzir o seguinte excerto do Parecer PGFN/Cocat nº 2/2013:
49. Dito disso, conferimos ao instituto da concomitância no PAF o mesmo tratamento da litispendência no processo civil, pois a verificação da ausência desses dois pressupostos negativos têm como finalidade precípua evitar o processamento de causas iguais quando houver: (i) identidade das partes, (ii) da causa de pedir e (iii) do pedido (art. 301, §§ 1º e 2º, do CPC; e Súmula nº 1/CARF).
50. Com efeito, na linha do que foi afirmado no item 26, tanto a concomitância quanto a litispendência constituem requisitos de validade objetivos extrínsecos da relação processual. São pressupostos negativos, ou seja, fatos que não podem ocorrer para que o procedimento se instaure validamente. Representam acontecimentos estranhos à relação jurídica processual (daí o adjetivo “extrínseco”) que, uma vez existentes, impedem a formação válida do processo (procedimento). (grifos conforme original)
9.5. Feitos esses esclarecimentos, e à vista da terminologia utilizada nos normativos retromencionados, adotar-se-á, neste parecer, o entendimento de que a expressão “mesmo objeto” diz respeito àquilo sobre o qual recairá o mérito da decisão, quando sejam idênticas as demandas. Portanto, tem-se como critérios de aplicação da impossibilidade do prosseguimento do curso normal do processo administrativo, em vista da concomitância com processo judicial, tanto o pedido como a causa de pedir, e não somente o pedido.
9.6. Seguindo essa lógica, caso o processo administrativo fiscal contenha pedido mais abrangente que o do processo judicial, ele deve ter seguimento somente em relação à parte que não esteja sendo discutida judicialmente. Se, por exemplo, a ação judicial requer a anulação de um lançamento em relação a determinada multa, mas nada diz sobre a base de cálculo do tributo, e a impugnação administrativa tratar também da discussão sobre a base de cálculo, esta parte deverá ser objeto de julgamento administrativo.
10.A prevalência, nesses casos, do curso do processo judicial se deve ao princípio constitucional da unicidade de jurisdição, insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”), segundo o qual o Poder Judiciário detém o monopólio do controle jurisdicional, não sendo necessário que se configure a efetiva lesão a direito, bastando a simples ameaça para que se dê o ingresso em juízo. Ademais, o caráter de não definitividade das decisões administrativas consiste na possibilidade de sua apreciação pelo Judiciário. Registre-se, ainda, a desnecessidade do esgotamento da via administrativa para o acesso ao Poder Judiciário, como ocorria no sistema constitucional revogado (CF/1967, art. 153, § 4º). (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 312).
10.1. Outra justificativa que se pode invocar para a inadmissibilidade da concomitância entre as discussões sobre a mesma matéria nas instâncias judicial e administrativa, sob pena de se admitir um dispêndio desnecessário de recursos públicos, além do risco de se obterem decisões conflitantes, passa pelo princípio da economia processual, o qual, segundo lecionam Cintra, Grinover e Dinamarco (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 79), “preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais”. Trata-se do mesmo princípio que inspira os efeitos do instituto da litispendência no processo civil (arts. 219, 267 e 301 do CPC).
10.2. Comentando o parágrafo único do art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980, Paulsen, Ávila e Sliwka inferiram com precisão que:
A aplicação do artigo pressupõe identidade de objeto nas discussões administrativa e judicial. O parágrafo em questão tem como pressuposto o princípio da jurisdição una, ou seja, que o ato administrativo pode ser controlado pelo Judiciário e que apenas a decisão deste é que se torna definitiva, com o trânsito em julgado, prevalecendo sobre eventual decisão administrativa que tenha sido tomada ou pudesse vir a ser tomada. Considerando que o contribuinte tem direito a se defender na esfera administrativa mas que a esfera judicial prevalece sobre a administrativa, não faz sentido a sobreposição dos processos administrativo e judicial. A opção pela discussão judicial, antes do exaurimento da esfera administrativa, demonstra que o contribuinte desta abdicou, levando o seu caso diretamente ao Poder ao qual cabe dar a última palavra quanto à interpretação e à aplicação do Direito, o Judiciário. Entretanto, tal pressupõe identidade de objeto nas discussões administrativa e judicial. Caso a ação anulatória fira, e.g., a questão da constitucionalidade da norma tributária impositiva e o recurso administrativo se restrinja a discussões quanto à apuração do valor devido, em razão de questões de fato, não haverá a identidade que tornaria sem sentido a concomitância das duas esferas.
(PAULSEN, Leandro; ÁVILA, René Bergmann; SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito Processual Tributário PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL e EXECUÇÃO FISCAL à luz da doutrina e da jurisprudência. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 519) (grifou-se)
Dos efeitos da concomitância entre as instâncias administrativa e judicial
11. O assunto sub examine, qual seja, as consequências do ingresso do sujeito passivo em juízo no curso do processo administrativo fiscal, já foi objeto de minudente estudo pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), evidenciado no Parecer em Processo nº 25.046, de 22 de setembro de 1978, publicado no DOU de 10 de outubro de 1978, cuja ementa abaixo se reproduz:
Ação judicial proposta no curso de processo administrativo-fiscal – A opção pela via judicial, instância superior e autônoma, importa em desistência do recurso voluntário na esfera administrativa, com idêntico objeto. Definitividade da decisão recorrida e perda de objeto do recurso.
11.1. Referido opinativo foi elaborado por solicitação do Secretário-Geral do Ministério da Fazenda em virtude dos seguintes fatos, em síntese:
11.1.1. O então Conselho de Contribuintes (CC), ao julgar recurso interposto pela parte, tendo tomado conhecimento do seu ingresso em juízo com uma ação ordinária anulatória do auto de infração que dera origem ao processo administrativo, decidiu, por maioria de votos de sua 1ª Câmara, por “acolher a preliminar de conhecimento do recurso, mas deixar de apreciar o mérito por perda do objeto”, uma vez que o aspecto legal da incidência encontrava-se sob a tutela do Poder Judiciário. Tem a seguinte redação a ementa do Acórdão nº 101-70.492, de 13 de dezembro de 1977, exarado na ocasião:
AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. A sua propositura pressupõe a definitividade do débito fiscal e implica no abandono da instância administrativa, visto que se, por um lado, é certo que só pode ser anulado o que juridicamente existe, por outro, também é verídico que ao sujeito passivo assiste o direito de recorrer ao Poder Judiciário sem esgotar a Instância Administrativa.
11.1.2. Dessa decisão a PGFN recorreu ao Senhor Ministro da Fazenda, em conformidade com a legislação vigente à época, a saber, o art. 37, § 1º, do Decreto nº 70.235, de 1972, revogado pelo Decreto nº 83.304, de 28 de março de 1979, por entender que “a decisão impugnada contraria o disposto no art. 151, III, do Código Tributário Nacional, bem como os artigos 14 e seguintes do Decreto nº 70.235/72”, pelo que deveria o processo retornar à Câmara recorrida, para o necessário julgamento do mérito.
11.2. Transcrevem-se abaixo algumas das considerações e conclusões expendidas no Parecer nº 25.046, de 1978:
30. O Decreto nº 70.235, de 6/3/72, contém as normas processuais da fase contenciosa administrativa. No pressuposto de que ocorra, já aí, a inconformidade do contribuinte.
31. O art. 62, desse Decreto, dispõe apenas sobre a suspensão da execução. E o parágrafo único permite, a par da existência de pretensão formulada em Juízo, que se complete a individualização da obrigação, fazendo nascer o título. Existindo este, materializado e individualizado, estaria finda a fase administrativa. Esta só se prolonga em razão do recurso voluntário facultado ao contribuinte.
32. Todavia, nenhum dispositivo legal ou princípio processual permite a discussão paralela da mesma matéria em instâncias diversas, sejam elas administrativas ou judiciais ou uma de cada natureza.
33. Outrossim, pela sistemática constitucional, o ato administrativo está sujeito ao controle do Poder Judiciário, sendo este último, em relação ao primeiro, instância superior e autônoma. SUPERIOR, porque pode rever, para cassar ou anular, o ato administrativo; AUTÔNOMA, porque a parte não está obrigada a percorrer, antes, as instâncias administrativas, para ingressar em Juízo. Pode fazê-lo diretamente.
34. Assim sendo, a opção pela via judicial, importa, em princípio, em renúncia às instâncias administrativas ou desistência de recurso acaso formulado.
35. Somente quando a pretensão judicial tem por objeto o próprio processo administrativo (v.g. a obrigação de decidir da autoridade administrativa; a inadmissão de recurso administrativo, válido, dado por intempestivo, ou incabível por falta de garantia, ou outra razão análoga) é que não ocorre renúncia à instância administrativa, pois aí o objeto do pedido judicial é o próprio rito do processo administrativo.
36. Inadmissível, porém, por ser ilógica e injurídica, é a existência paralela de duas iniciativas, dois procedimentos, com idêntico objeto e para o mesmo fim.
37. Portanto, desde que a parte ingressa em Juízo contra o mérito da decisão administrativa – contra o título materializado da obrigação – essa opção via superior e autônoma importa em desistência de qualquer eventual recurso porventura interposto na instância inferior.
[…]
40. Portanto, a desistência implícita do recurso torna definitiva a individualização contra a qual se recorrera, independentemente de qualquer outra declaração. E o título executivo é aquele resultante dessa decisão recorrida, que se faz definitiva.
41. A hipótese do parágrafo único do art. 62, do Decreto nº 70.235, objetiva a constituição do título executivo, para os casos previstos no caput do artigo, como v.g. no mandado de segurança preventivo. Nada impede que o fisco constitua e individualize o título, para futura e eventual cobrança, mesmo quando haja medida judicial que suspenda ou impeça essa cobrança. É que a suspensão é da cobrança e não da emissão do título executório.
III
42. Concluindo, quer nos parecer que o ajuizamento, pelo contribuinte, de ação, cujo objeto seja idêntico ou mais amplo que o do recurso administrativo, importa na desistência deste, fazendo definitiva a decisão contra a qual recorrera.
43. Por força dessa desistência ou renúncia, o recurso perde o seu objeto, e, conseqüentemente, não pode ser conhecido.
44. O disposto no parágrafo único, do art. 62, do Decreto nº 70.235, de 1972, tem por finalidade, apenas, a definitiva constituição do título, para futura e eventual cobrança, como se deixou esclarecido nos itens 32 e 42 supra.
45. Se, por uma lado, não deve ser provido o recurso, para ordenar a apreciação do mérito, cabe à autoridade ad quem declarar definitiva a decisão da 1ª instância, em razão da desistência do recurso interposto pela parte.
11.3. O então Subprocurador-Geral da Fazenda Nacional subscreveu tais considerações e conclusões, aditando outras, que se reproduzem em parte:
11. Nessas condições, havendo fase litigiosa instaurada – inerente à jurisdição administrativa – pela impugnação da exigência (recurso latu sensu) seguida, ou mesmo antecedida, de propositura de ação judicial, pelo contribuinte, contra a Fazenda, objetivando, por qualquer modalidade processual – ordenatória, declaratória, ou de outro rito –, a anulação do crédito tributário, o processo administrativo fiscal deve ter prosseguimento – exceto na hipótese de mandado de segurança, ou medida liminar, específico – até a inscrição de Dívida Ativa, com decisão formal da instância em que se encontre, declaratória da definitividade da decisão recorrida, sem que o recurso (latu sensu) seja conhecido, eis que dele terá desistido o contribuinte, ao optar pela via judicial.
12. Essa, aliás, a linha doutrinária adotada pelo Egrégio Segundo Conselho de Contribuintes, presidido pelo culto Dr. Haroldo Braga Lobo.
13. Conseqüentemente, o recurso do Digno Procurador da Fazenda Nacional deve ser conhecido, para reformar o Acórdão da 1ª Câmara do Egrégio Primeiro Conselho de Contribuintes, não, porém, para ordenar ao colegiado que aprecie o recurso no mérito, mas a fim de declarar definitiva a decisão da primeira instância, pois a opção do contribuinte pela via judicial – no caso, propositura de ação ordinária objetivando a anulação do débito fiscal – importa em renúncia à via administrativa e, portanto, em desistência do recurso interposto no processo administrativo fiscal.
14. Restitua-se o processo ao Senhor Secretário-Geral deste Ministério.
11.4. Em seguida, o Secretário-Geral do Ministério da Fazenda, por delegação de competência do Senhor Ministro da Fazenda, adotou o Parecer da PGFN, conhecendo do recurso interposto, para reformar o Acórdão da 1ª Câmara do 1º CC em comento, segundo o despacho abaixo:
Pelos fundamentos expostos no Parecer da Douta Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que adoto, e no uso da competência que me foi delegada pelo inciso II, nº 5, da Portaria nº 300, de 13/8/75, do Exmo. Sr. Ministro da Fazenda, conheço do recurso interposto pelo Sr. Procurador da Fazenda Nacional, para reformar o Acórdão da 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, não, porém, para que o colegiado aprecie, no mérito, o recurso que lhe foi dirigido, mas a fim de declarar definitiva a decisão de primeira instância, pois a opção do contribuinte pela via judicial importa em renúncia à via administrativa e, portanto, em desistência do recurso interposto no processo administrativo fiscal. Publique-se, juntamente com o referido parecer, e restitua-se o processo ao 1º Conselho de Contribuintes.
12. Poder-se-ia alegar que as conclusões aclaradas no Parecer PGFN nº 25.046, de 1978, teriam sido afetadas pelo advento da Constituição Federal de 1988 ou pela legislação infraconstitucional superveniente.
12. Não se vislumbra, no entanto, qualquer ofensa ao direito de petição, consignado na alínea “a” do inciso XXXIV do art. 5º da CF. Além do mais, a Lei Maior não prevê o direito de utilização simultânea das vias administrativa e judicial, e sim o predomínio desta quando da escolha do administrado.
12.2. Além disso, tem-se que as disposições do Decreto-lei nº 1.737, de 1979, e da Lei nº 6.830, de 1980, parecem configurar uma evolução das ideias contidas no art. 20 do Decreto-lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967 (abaixo transcrito), relativas às consequências da propositura de ação anulatória do débito sem o precedente depósito, quando em trâmite o correspondente processo administrativo fiscal. Isto porque aquelas normas vêm ampliar o efeito suspensivo do depósito do montante integral do crédito tributário a outras ações que não a anulatória, bem como reafirmam a impossibilidade de discussão paralela das esferas administrativa e judicial.
Art. 20. (…)
(…)
§ 3º Sempre que se tratar de ação anulatória de dívida fiscal, e, pelo exame do processo administrativo verificar o Procurador da Fazenda Nacional que a propositura da ação não foi precedida do depósito, na repartição arrecadadora, da totalidade do crédito fiscal, promoverá a imediata inscrição da dívida ativa, preparando e remetendo ao Procurador da República a respectiva certidão para início do executivo fiscal, que prosseguirá até final, independentemente da ação proposta pelo contribuinte, a qual não induzirá litispendência.
13. Na mesma linha de entendimento, foi expedido o Parecer PGFN/CRJN/nº 1.064-93, de 1º de novembro de 1993, em resposta a consulta da RFB sobre a formalização ou não do lançamento em face da prescrição do art. 62 do Decreto nº 70.235, de 1972, o qual foi acolhido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) no Boletim Central SRF nº 165, de 17 de novembro de 1993. Assim inferiu a PGFN na ocasião:
16. Assim, há que interpretar-se (sic) este dispositivo regulamentar em consonância com o disposto no art. 151 do Código Tributário Nacional. Resulta daí, por corolário, que o legislador regulamentar não está ali a impedir que se efetue o lançamento, mesmo porque este, segundo a letra do parágrafo único do art. 142 do CTN, constitui atividade administrativa vinculada e obrigatória. Há, sim, em estrita observância ao mandamento regulamentar, que abster-se a autoridade fiscal de qualquer exigência, com relação ao sujeito passivo, com vistas ao pagamento do débito apurado.
17. Aliás, é expressa, neste sentido, a letra do parágrafo único do artigo 62 do regulamento em questão, ao estipular que, em havendo processo fiscal instaurado, este deverá ter prosseguimento, exceto quanto aos atos executórios. Destarte, se existente processo fiscal, este seguirá o seu curso normal, com a prática de todos os atos administrativos pertinentes, exceto aqueles voltados a constranger o sujeito passivo à liquidação do “quantum debeatur”.
(…)
22. […]
preexistindo processo fiscal à liminar concedida, deve aquele seguir seu curso normal, com a prática dos atos administrativos que lhe são próprios, exceto quanto aos atos executórios, que aguardarão a sentença judicial, ou, se for o caso, a perda da eficácia da medida liminar concedida.
14. A constitucionalidade do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ocasião do julgamento do RE 233.582-2/RJ, da relatoria do Senhor Ministro Marco Aurélio, cuja ementa abaixo se transcreve:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL TRIBUTÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO DESTINADO À DISCUSSÃO DA VALIDADE DE DÍVIDA ATIVA DA FAZENDA PÚBLICA. PREJUDICIALIDADE EM RAZÃO DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO QUE TAMBÉM TENHA POR OBJETIVO DISCUTIR A VALIDADE DO MESMO CRÉDITO. ART. 38, PAR. ÚN., DA LEI 6.830/1980. O direito constitucional de petição e o princípio da legalidade não implicam a necessidade de esgotamento da via administrativa para discussão judicial da validade de crédito inscrito em Dívida Ativa da Fazenda Pública. É constitucional o art. 38, par. ún., da Lei 6.830/1980 (Lei da Execução Fiscal – LEF), que dispõe que “a propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo [ações destinadas à discussão judicial da validade de crédito inscrito em dívida ativa] importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto”. Recurso extraordinário conhecido, mas ao qual se nega provimento. (grifou-se)
14.1. Em seu voto, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa assim decidiu:
Quase sempre procuro me pautar por um certo pragmatismo, de modo que não vejo como, num país em que se clama pela racionalização da burocracia e dos meios de solução de conflito, num país com as características do nosso, se possa oferecer, se possa propugnar uma solução como esta: de deixar ao contribuinte algo parecido com uma loteria; ele tenta na via administrativa, se não funcionar, ele recorre à judicial.
Não obstante reconheça a importância do dispositivo constitucional que assegura o direito de petição, não vejo esse dispositivo como algo gritantemente inconstitucional.
14.2. O Senhor Ministro Cezar Peluso observou que “talvez fosse o caso de se fazer uma distinção; de dar uma interpretação conforme no sentido de que, se a medida judicial tiver o mesmo objeto do recurso administrativo, faz desaparecer o interesse recursal do âmbito administrativo”. Segue excerto do seu voto:
É luxo demasiado a um país subdesenvolvido permitir que a mesma lide seja discutida e julgada, ao mesmo tempo, por dois órgãos do Estado, com prevalência final da sentença, em qualquer caso. Parece não haver nada mais que fazer neste país. (grifou-se)
14.3. Em seu voto-vista, concluiu o Senhor Ministro Gilmar Mendes que:
Destarte, a renúncia a essa faculdade de recorrer no âmbito administrativo e a automática desistência de eventual recurso interposto é decorrência lógica da própria opção do contribuinte de exercitar a sua defesa em conformidade com os meios que se afigurem mais favoráveis aos seus interesses.
Tem-se aqui fórmula legislativa que busca afastar a redundância da proteção, uma vez que, escolhida a ação judicial, a Administração estará integralmente submetida ao resultado da prestação jurisdicional que lhe for determinada para a composição da lide.
(…)
Não vislumbro, por isso, qualquer desproporcionalidade na cláusula que declara a prejudicialidade da tutela administrativa se o contribuinte optar por obter, desde logo, a proteção judicial devida.
15. Em suma, os efeitos da concomitância entre as instâncias administrativa e judicial, quando a pretensão na ação judicial tenha objeto idêntico ou mais amplo que o do recurso administrativo, quanto ao objeto colidente, são os seguintes:
i) renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso de qualquer espécie interposto, fazendo definitivos o crédito tributário (mesmo quando ainda não impugnado) e a decisão contra a qual recorrera, ressalvada a adoção da via judicial com o mero fim de correção do rito do processo administrativo, a exemplo da obrigação de decidir da autoridade administrativa e da inadmissão de recurso administrativo válido, dado por intempestivo;
ii) por força da renúncia ou desistência, o recurso não pode ser conhecido, cabendo à autoridade ad quem emitir decisão formal declaratória da definitividade da decisão recorrida;
iii) prosseguimento do processo administrativo fiscal – exceto na hipótese de mandado de segurança, ou medida liminar, específico – até a inscrição em Dívida Ativa da União (DAU), se for o caso (ou seja, nada impede que o fisco constitua e individualize o título, para futura e eventual cobrança, mesmo quando haja medida judicial que suspenda ou impeça essa cobrança, uma vez que a suspensão é da cobrança, e não da emissão do título executório).
16. A renúncia tácita à instância administrativa, portanto, não impede que a Fazenda Pública dê prosseguimento normal aos seus procedimentos, a despeito do ingresso do sujeito passivo em juízo. Proferirá, assim, decisão formal, declaratória da definitividade do crédito tributário ainda não impugnado, da exigência discutida ou da decisão recorrida, e deixará de apreciar suas razões e de conhecer de eventual petição por ele apresentada, encaminhando o processo para inscrição em DAU do débito, quando existente, salvo a ocorrência da prescrição do crédito tributário (quando a existência da ação judicial se verifica muito tempo depois do seu ajuizamento) ou de hipótese que suspenda sua exigibilidade, nos termos dos incisos II, IV e V do art. 151 do CTN. Já que se deu o abandono da via administrativa, não faz sentido decidir administrativamente sobre algo que se encontra sob a tutela do Poder Judiciário, seja pela absoluta ineficácia dessa decisão, seja por respeito ao princípio da economia processual.
17. Saliente-se que o mesmo raciocínio aplica-se, no que couber, aos processos administrativos em que não se discuta a exigibilidade do crédito tributário lançado de ofício, mas envolvam quaisquer outras matérias de interesse do sujeito passivo, que ele opte por submeter ao exame do Poder Judiciário. Nestes casos, de igual modo, o curso do processo administrativo não será suspenso, ressalvada decisão judicial incidental determinando sua suspensão.
Da competência para declarar a concomitância
18. A competência para declarar a concomitância de instâncias e seus efeitos é da autoridade competente para decidir sobre a matéria na fase processual em que se encontra o processo administrativo, qualquer que seja o rito a que esteja submetido. Assim, até a admissibilidade da impugnação, da manifestação de inconformidade ou do recurso administrativo (hierárquico), as autoridades competentes para declarar a concomitância são o Delegado ou o Inspetor-Chefe da RFB. Admitido o recurso hierárquico e não reconsiderada a matéria, a competência para declaração da concomitância passa a ser do Superintendente da RFB. Após a admissibilidade da impugnação ou da manifestação de inconformidade, encontrando-se o processo administrativo em fase de julgamento ou diligência, ou, ainda, depois do julgamento e durante a execução do acórdão, a autoridade competente para tanto é o Delegado da DRJ em primeira instância e o Presidente do CARF em segunda instância.
18.1. Se, no ato da impugnação do lançamento, o interessado não informar que a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, em desobediência ao disposto no inciso V do art. 16 do Decreto nº 70.235, de 1972, e ficar constatada a concomitância total ou parcial com processo judicial, deverá o Delegado ou o Inspetor-Chefe da RFB negar o seguimento da impugnação quanto ao objeto coincidente por não atendimento a requisito legal, nos termos do art. 302, inciso XIII, do Regimento Interno, aprovado pela Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012. O mesmo se aplica a manifestação de inconformidade e recurso voluntário.
18.2. Na hipótese do item 18.1, não se constatando a concomitância total ou parcial com processo judicial no ato da impugnação ou da manifestação de inconformidade, e vindo o processo administrativo a ser julgado pela DRJ ou pelo CARF mediante decisão proferida sem conhecimento da concomitância, esta deve ser reportada ao órgão julgador tão logo seja identificada, para que declare a nulidade de sua decisão.
Da extinção do processo judicial sem resolução de mérito
19. Cabe a análise do aspecto concernente à opção do contribuinte pela discussão da matéria controvertida no âmbito judicial, em que se decidiu pela extinção do processo sem resolução do mérito, por uma das hipóteses listadas de forma não taxativa no art. 267 do CPC, o que poderia provocar dúvidas quanto à possibilidade de se retomar o julgamento administrativo da lide quanto ao objeto colidente.
19.1. Entende-se que a renúncia às instâncias administrativas, em decorrência da opção pela via judicial, é definitiva, insuscetível de retratação, mesmo porque, embora se trate de uma forma anormal de extinção do processo (a normal seria com resolução de mérito), é uma das duas formas possíveis, colocadas lado a lado nos arts. 267 e 269 do CPC. Ainda, o art. 268 do CPC faculta ao autor intentar de novo a ação judicial quando foi extinto o processo sem resolução de mérito, salvo as hipóteses ali trazidas. Nessa linha:
O direito atual dá mostras patentes e até desnecessárias de não aceitar esse sistema de extinção do direito. Já no plano infraconstitucional, a permissão de repropor em juízo a mesma pretensão depois de extinto o processo sem julgamento do mérito (CPC, arts. 28 e 268) tem por óbvia premissa a subsistência do direito apesar da experiência processual frustrada. Nem poderia ser de outro modo, porque dar por extinto o direito nessa situação, ou mesmo fechar as portas do Poder Judiciário para sua defesa, seriam efeitos abertamente transgressivos às garantias constitucionais de acesso à justiça e do devido processo legal (supra, nn. 94-95). Essa transgressão ocorreria tanto pela extinção do próprio direito pleiteado, como também, a fortiori, dos direitos concorrentes não pleiteados. No direito moderno a propositura da demanda não tem esse efeito extintivo.
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. II. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 55-57)
19.2. As hipóteses que ensejam a extinção do processo sem resolução de mérito, previstas no art. 267 do CPC, configuram, na verdade, questões preliminares que, se verificadas, impedem o exame do mérito (à semelhança do que prevê o art. 28 do Decreto nº 70.235, de 1972, abaixo reproduzido), o que pode dar azo a novo pleito na via judicial sobre a questão versada nos autos.
Art. 28. Na decisão em que for julgada questão preliminar será também julgado o mérito, salvo quando incompatíveis, e dela constará o indeferimento fundamentado do pedido de diligência ou perícia, se for o caso. (Redação dada pela Lei nº 8.748, de 1993)
19.3. Tendo propiciado a extinção do processo na forma do art. 267 do CPC, deve o contribuinte arcar com o ônus da irreversibilidade da renúncia à via administrativa, materializada pela escolha da seara judicial.
20. Interessante discorrer, neste ponto, sobre a decisão exarada em Embargos de Declaração interpostos pela Fazenda Nacional no REsp nº 840.556-AM, em face do acórdão prolatado pela Colenda Primeira Turma do STJ. Vide a ementa do acórdão originário antes de sua correção mediante embargos:
TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO JUDICIAL. RENÚNCIA DE RECORRER NA ESFERA ADMINISTRATIVA. IDENTIDADE DO OBJETO. ART. 38, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI Nº 6.830/80.
1. Incide o parágrafo único do art. 38, da Lei nº 6.830/80, quando a demanda administrativa versar sobre objeto menor ou idêntico ao da ação judicial.
2. A exegese dada ao dispositivo revela que: “O parágrafo em questão tem como pressuposto o princípio da jurisdição una, ou seja, que o ato administrativo pode ser controlado pelo Judiciário e que apenas a decisão deste é que se torna definitiva, com o trânsito em julgado, prevalecendo sobre eventual decisão administrativa que tenha sido tomada ou pudesse vir a ser tomada. (…) Entretanto, tal pressupõe a identidade de objeto nas discussões administrativa e judicial”. (Leandro Paulsen e René Bergmann Ávila. Direito Processual Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 349).
3. In casu, os mandados de segurança preventivos, impetrados com a finalidade de recolher o imposto a menor, e evitar que o fisco efetue o lançamento a maior, comporta o objeto da ação anulatória do lançamento na via administrativa, guardando relação de excludência.
4. Destarte, há nítido reflexo entre o objeto do mandamus – tutelar o direito da contribuinte de recolher o tributo a menor (pedido imediato) e evitar que o fisco efetue o lançamento sem o devido desconto (pedido mediato) – com aquele apresentado na esfera administrativa, qual seja, anular o lançamento efetuado a maior (pedido imediato) e reconhecer o direito da contribuinte em recolher o tributo a menor (pedido mediato).
5. Originárias de uma mesma relação jurídica de direito material, despicienda a defesa na via administrativa quando seu objeto subjuga-se ao versado na via judicial, face a preponderância do mérito pronunciado na instância jurisdicional.
6. Mutatis mutandis, mencionada exclusão não pode ser tomada com foros absolutos, porquanto, a contrario sensu, torna-se possível demandas paralelas quando o objeto da instância administrativa for mais amplo que a judicial.
7. Outrossim, nada impede o reingresso da contribuinte na via administrativa, caso a demanda judicial seja extinto sem julgamento de mérito (CPC, art. 267), pelo que não estará solucionado a relação do direito material.
8. Recurso Especial provido, divergindo do ministro relator. (grifou-se)
20.1. Apontando contradição no julgamento, a Fazenda Nacional interpôs os aludidos embargos, argumentando que o acórdão incorreu em obscuridade ao fazer a afirmação contida no item 7 da ementa acima transcrita, tendo em vista que o parágrafo único do art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980, não exige que a demanda judicial seja apreciada com resolução do mérito, referindo-se apenas à propositura da ação judicial.
20.2. Com isso, a Fazenda faz os seguintes questionamentos:
c) Indaga-se: tendo em vista a natural demora da tramitação de um processo judicial, vindo este a transitar em julgado, com extinção do processo sem julgamento do mérito, a possibilidade de reingresso na esfera administrativa, tal como admitida no v. acórdão embargado, implicaria na anulação de todos os atos ali praticados, vale dizer, reabertura de prazo para impugnação, se for o caso, conhecimento e julgamento do recurso/impugnação interposto, ou apenas este último?
d) Por outro lado, se já ajuizada a execução fiscal – uma vez que definitiva a constituição do crédito tributário na forma dos artigos 42 e 43 do Decreto 70.235/72 – e admitindo como positivo a resposta à indagação anterior igualmente se poderia falar em nulificação até dos atos judiciais praticados no âmbito do processo de execução, considerando-se que, neste caso, poderia o contribuinte deduzir, nos embargos do devedor, toda a matéria útil à defesa, na forma do art. 16, § 2º, da Lei n.º 6.830/80?
e) admitir tal possibilidade coloca em risco os princípios que se pretendeu prestigiar, qual seja, o da economia e da celeridade processual.
20.3. Os Embargos de Declaração foram acolhidos com base nas disposições do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980, do qual se extrai que o ingresso do contribuinte na via judicial importa em renúncia ao poder de recorrer na via administrativa, ou desistência do recurso interposto, e não em suspensão. Daí resultou a alteração do item 7 da ementa do acórdão, que passou a ter a redação abaixo, com os grifos originais:
7. Insta observar que o ingresso do contribuinte na via judicial importa em renúncia da via administrativa, ou desistência do recurso interposto, e não em suspensão, nos exatos termos do parágrafo único, do art. 38, da Lei nº 6.830/80, verbis:
Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.
20.4. Assim sendo, a definitividade da renúncia às instâncias administrativas alcança: (i) os casos em que foi formulada a impugnação do lançamento, apresentada a manifestação de inconformidade ou interposto o recurso administrativo correspondente (inclusive nos processos que não envolvem crédito tributário) antes da opção pela via judicial; e (ii) os casos em que esta opção, na hipótese de propositura de ação preventiva, precedeu a impugnação, a manifestação de inconformidade ou o recurso, mesmo que o prazo para ingressar na via administrativa ainda não tenha sido fulminado pela perempção. Isto porque o parágrafo único do art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980, traz como consequências da propositura de ação judicial: i) a desistência do recurso administrativo acaso interposto e ii) a renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa.
20.5. Por fim, não importa se a ação judicial foi extinta com ou sem resolução do mérito, já que, como argumentou a Fazenda Nacional nos embargos retromencionados, o dispositivo em referência não condiciona a renúncia à via administrativa à apreciação da demanda judicial com resolução do mérito, referindo-se apenas à propositura da ação judicial (aí incluídos os casos de petição inicial inepta – arts. 267, inciso I, e 295 do CPC).
Conclusão
21. Por todo o exposto, conclui-se que:
a) a propositura pelo contribuinte de ação judicial de qualquer espécie contra a Fazenda Pública, em qualquer momento, com o mesmo objeto (mesma causa de pedir e mesmo pedido) ou objeto maior, implica renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso de qualquer espécie interposto, exceto quando a adoção da via judicial tenha por escopo a correção de procedimentos adjetivos ou processuais da Administração Tributária, tais como questões sobre rito, prazo e competência;
b) por conseguinte, quando diferentes os objetos do processo judicial e do processo administrativo, este terá prosseguimento normal no que concerne à matéria distinta;
c) a renúncia às instâncias administrativas abrange os processos de constituição de crédito tributário, de reconhecimento de direito creditório do contribuinte (restituição, ressarcimento e compensação), de aplicação de pena de perdimento e qualquer outro processo que envolva a aplicação da legislação tributária ou aduaneira;
d) a decisão judicial transitada em julgado, seja esta anterior ou posterior ao término do contencioso administrativo, prevalece sobre a decisão administrativa, mesmo quando aquela tenha sido desfavorável ao contribuinte e esta lhe tenha sido favorável;
e) a renúncia às instâncias administrativas não impede que a Fazenda Pública dê prosseguimento normal aos seus procedimentos, a despeito do ingresso do sujeito passivo em juízo; proferirá, assim, decisão formal, declaratória da definitividade da exigência discutida ou da decisão recorrida, e deixará de apreciar suas razões e de conhecer de eventual petição por ele apresentada, encaminhando o processo para a inscrição em DAU do débito, quando existente, salvo a ocorrência de hipótese que suspenda a exigibilidade do crédito tributário, nos termos dos incisos II, IV e V do art. 151 do CTN;
f) o mesmo raciocínio se aplica, no que couber, aos processos administrativos em que não se discuta a exigibilidade do crédito tributário lançado de ofício, mas envolvam quaisquer outras matérias de interesse do sujeito passivo, que ele opte por submeter ao exame do Poder Judiciário (nestes casos, de igual modo, o curso do processo administrativo não será suspenso, ressalvada decisão judicial incidental determinando sua suspensão);
g) a competência para declarar a concomitância de instâncias e seus efeitos é da autoridade competente para decidir sobre a matéria na fase processual em que se encontra o processo administrativo, qualquer que seja o rito a que esteja submetido;
h) se, no ato da impugnação do lançamento, da manifestação de inconformidade ou da interposição de qualquer espécie de recurso, o interessado não informar que a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, em desobediência ao disposto no inciso V do art. 16 do Decreto nº 70.235, de 1972, e ficar constatada a concomitância total ou parcial com processo judicial, deverá o Delegado ou o Inspetor-Chefe da RFB negar o seguimento da impugnação ou da manifestação quanto ao objeto coincidente;
i) é irrelevante, na espécie, que o processo judicial tenha sido extinto sem resolução de mérito, na forma do art. 267 do CPC, pois a renúncia às instâncias administrativas, em decorrência da opção pela via judicial, é definitiva, insuscetível de retratação;
j) a definitividade da renúncia às instâncias administrativas independe de o recurso administrativo ter sido interposto antes ou após o ajuizamento da ação;
k) o disposto neste Parecer aplica-se de igual modo a qualquer modalidade de processo administrativo no âmbito da RFB, ainda que sujeito a rito processual diverso do Decreto nº 70.235, de 1972;
l) a configuração da concomitância entre as esferas administrativa e judicial não impede a aplicação do disposto no art. 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, c/c a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 12 de fevereiro de 2014;
m) ficam revogados o Parecer MF/SRF/COSIT/GAB nº 27, de 13 de fevereiro de 1996 e o ADN Cosit nº 3, de 14 de fevereiro de 1996.
À consideração superior.
OLÍVIA CARLA CUSTÓDIO DO AMARAL
Auditora-Fiscal da RFB
De acordo. À consideração do Coordenador da Copen.
EDUARDO GABRIEL DE GÓES VIEIRA FERREIRA FOGAÇA
Auditor-Fiscal da RFB
Chefe da Dinog
De acordo. À consideração do Coordenador-Geral da Cosit.
MIRZA MENDES REIS
Auditora-Fiscal da RFB
Coordenadora da Copen
De acordo. Encaminhe-se ao Subsecretário de Tributação e Contencioso.
FERNANDO MOMBELLI
Auditor-Fiscal da RFB
Coordenador-Geral da Cosit
De acordo. Encaminhe-se ao Secretário da Receita Federal do Brasil para aprovação.
PAULO RICARDO DE SOUZA CARDOSO
Auditor-Fiscal da RFB
Subsecretário de Tributação e Contencioso