TST confirma indenização a pais de trabalhador atropelado enquanto dormia no campo
A Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento, na sessão de ontem (25), a recurso de embargos da Agropecuária Nossa Senhora do Carmo S. A contra decisão que a condenou a indenizar em R$ 100 mil os pais de um trabalhador de 18 anos que morreu atropelado por um caminhão num canavial no interior de São Paulo. A maioria dos ministros da SDI-1 seguiu o voto do relator dos embargos, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, no sentido de que a culpa concorrente do empregado não retira a responsabilidade do empregador em indenizar quando fica demonstrada sua negligência com a segurança do trabalhador.
Acidente
O acidente ocorreu por volta das 4h30 da manhã no meio do canavial, situado a 20 km da cidade mais próxima, Estiva de Gerbi (SP). O caminhão utilizado para transportar cana-de-açúcar, em marcha à ré, atingiu o trabalhador, que estava deitado no chão. Recém-contratado, ele atuava como “bituqueiro”, responsável pela coleta manual da cana não recolhida por máquinas ou que caem dos caminhões.
Segundo os depoimentos colhidos na fase de instrução, o rapaz, por ser inexperiente, estava acompanhado de dois outros colegas, que o orientavam e ensinavam as tarefas. Naquele dia, ele teria dito aos companheiros que ficaria no local “descansando um pouco”, e pediu que pegassem sua mochila. O caminhão, ao retornar da usina para efetuar novo carregamento, entrou na lavoura de ré, e o motorista disse que não viu o trabalhador dormindo, uma vez que não estava junto com os demais colegas. Além disso, o local não tinha iluminação e havia muita poeira, por ser período de seca.
Os pais do empregado ajuizaram a reclamação trabalhista pedindo indenização por danos morais e materiais pela morte do filho. A alegação foi a de que a empresa, ao deixar de fiscalizar e de cumprir normas de segurança, demonstraram “descaso e indiferença” para com os trabalhadores.
A empresa, em sua defesa, afirmou que a vítima usava equipamento de segurança – em especial camisa com faixas de sinalização reflexiva na região do peito e das costas – e que os faróis do caminhão funcionavam normalmente, mas seria impossível para o motorista enxergar qualquer pessoa deitada no meio da cana num local sem nenhuma iluminação, de madrugada. A usina sustentou ainda que seus empregados, ao serem contratados, passam por treinamento e são alertados a não dormir na lavoura, “principalmente a não se deitarem sobre as canas cortadas, pois não há visibilidade suficiente para qualquer um evitar acidente”. Ainda segundo a defesa, a empresa foi acionada imediatamente pelo fiscal de frente, que comunicou o acidente e verificou que o trabalhador já estava sem vida.
Negligência
O pedido dos pais do trabalhador foi rejeitado pelo juízo de primeiro grau e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas), que entenderam não haver elementos que permitissem aferir a culpa da empresa ou de seus prepostos pelo acidente. A Terceira Turma do TST, porém, no exame de recurso de revista, reformou as decisões das instâncias ordinárias.
A relatora, ministra Rosa Weber (hoje ministra do Supremo Tribunal Federal), fundamentou a condenação nos artigos 932, inciso III, e 933 do Código Civil. “Desses preceitos, depreende-se que o empregador responde pelos atos ilícitos dolosos ou culposos de seus empregados e prepostos, ainda que o dano seja exclusivamente moral e que não haja culpa de sua parte”, afirmou.
A Turma levou em conta o fato de que, mesmo tendo avisado que iria se deitar num local impróprio, o rapaz não foi impedido de fazê-lo pelos colegas mais experientes – o que demonstraria a falta de cuidado e diligência dos prepostos incumbidos exatamente de zelar pelas atividades do iniciante. Considerou também que a conduta do motorista do caminhão, ao entrar na lavoura no escuro, de ré, em local sem nenhuma visibilidade, foi de risco manifesto e é considerada infração grave pelo Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997, artigo 194).
Outro fundamento da decisão foi o artigo 927 da CLT, que prevê a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” – a chamada teoria do risco profissional.
Culpa
Nos embargos à SDI-1, a usina questionou a condenação afirmando que a culpa pelo acidente foi exclusiva do trabalhador, sem que houvesse culpa concorrente da empresa.
O relator ressaltou que o acidente não decorreu da atividade do trabalhador na empresa, e sim do trabalho executado por outro empregado – o motorista do caminhão. “O foco do debate não é a existência da atividade de risco, na medida em que o trabalhador estava em situação peculiar, descansando, e o trabalho do motorista também não é atividade de risco”, observou. “O que aconteceu, na verdade, foi uma fatalidade que veio a atingir um jovem trabalhador que, em razão de uma atividade estafante, deitou-se em local inadequado para descansar”.
Para o ministro, a culpa da empresa diz respeito ao descuido com o meio ambiente de trabalho, “já que, se não fosse isso, o trabalhador não estaria descansando em local inadequado”. Ele ressaltou as condições rústicas e as adversidades do trabalho nos canaviais, o momento do acidente (madrugada) e a falta de fiscalização durante a manobra do veículo, além do fato de o empregador não ter conhecimento de que o empregado dormia no local da manobra.
Nesse contexto, a conclusão da SDI-1 foi a de que as atividades que tragam riscos físicos ou psicológicos aos empregados impõem ao empregador o dever de preveni-los, e sua abstenção ou omissão acarreta o reconhecimento da responsabilidade subjetiva em caso de eventos danosos. “As atuais preocupações da sociedade, no que tange ao meio ambiente, às condições de trabalho, à responsabilidade social, aos valores éticos e morais e à dignidade da pessoa humana exigem do empregador estrita observância do princípio da precaução”, assinalou o relator.
Para o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, é “inviável” atribuir a culpa exclusivamente ao empregado que, mesmo treinado e com equipamento de proteção, sofre o acidente. “Se sua atividade demanda descanso, deve ser atribuído um local seguro para esse momento de pausa, e incumbe ao empregador zelar pela segurança nesse ambiente”, explicou. “Ainda que ele não fosse vítima de atropelamento, mas sim, por hipótese, de uma mordida de animal peçonhento, a morte durante a jornada de trabalho estaria, ainda assim, vinculada a conduta ilícita do empregador que se descuidou da proteção do empregado durante a jornada de trabalho”, concluiu.
A decisão foi por maioria. Ficaram vencidos os ministros Ives Gandra Martins Filho, Brito Pereira e Maria Cristina Peduzzi.
(Carmem Feijó / RA)
Processo: RR 470-43.2010.5.15.0000 – Fase atual: E-ED
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