Apesar de engordar o caixa do governo com R$ 50,9 bilhões, a repatriação de divisas, programa no qual a União oferece benefícios fiscais e anistia criminal a quem tenha enviado dinheiro para fora do país ilegalmente, tem um lado sombrio. Ao analisar friamente os dados, é possível perceber com clareza que os empresários que pagaram tributos corretamente, e em dia, acabaram desembolsando mais do que os que utilizaram a repatriação para legalizar o dinheiro remetido ao exterior. E mais: aqueles que por anos sonegaram impostos, enviando o dinheiro para solo estrangeiro, acabaram obtendo vantagem competitiva indevida frente aos concorrentes que andaram na linha, afirmam especialistas.
A questão é simples de entender. A repatriação é utilizada por pessoas e empresas que não conseguem comprovar a origem do dinheiro enviado para o exterior. Grande parte das corporações que aderiram ao programa mantiveram “caixa dois” durante anos, usando doleiros para remeter o capital ao exterior, o que é ilegal.
Como a companhia não recolhia impostos, seus produtos ou atividades podiam ser oferecidos por melhor preço que o praticado pela concorrência. Ou seja, competiam de forma desleal.
O advogado tributarista Rafael Pressoto Silveira, do escritório Peixoto & Cury Advogados, afirma que os tributos das cadeias produtivas de empresas que não burlaram os impostos chegam a 50% do valor do produto, em média. Já a repatriação ofereceu aos inscritos a possibilidade de trazer o dinheiro de volta ao Brasil pagando multa e imposto que totalizaram apenas 30% do valor do patrimônio (15% de Imposto de Repatriação e outros 15% de multa).
“Não tenho dúvidas de que quem pagou impostos corretamente foi injustiçado pela Lei da Repatriação. A alíquota de quem arca com os tributos é muito mais alta que os 30%”, afirmou.
Ele destaca que o problema da concorrência desleal afeta, principalmente, as médias e pequenas empresas. Afinal, quanto menor a companhia, menor o poder de barganha com fornecedores e, portanto, menor sua capacidade competitiva.
“Se a empresa é menos competitiva e tem como concorrente outra que não recolhe impostos, ela é bastante afetada”, afirma Pressoto.
Vantagem
Como exemplo, podemos citar um restaurante de bairro que quita todos os impostos. Certamente, o produto dele terá um preço mais elevado do que o de concorrentes que não recolhem tributos. E, como ele é pequeno, a vantagem dele frente aos maiores fica comprometida.
“Se pensarmos em 34% sobre a rentabilidade da venda, 9,25% de Pis e Cofins, fora o ICMS de cada Estado, teremos um índice muito superior a 30%”, ressalta o especialista. Ele afirma que a lei é injusta com aqueles que pagaram impostos corretamente.
A título de comparação, cerca de 25 mil repatriações foram realizadas, entre empresas e pessoas físicas. O valor total foi de R$ 169,9 bilhões. Em uma conta simples, é possível dizer que o valor médio por repatriação foi de R$ 6,76 milhões.
Na avaliação do professor da FGV Direito Rio, Linneu de Albuquerque Mello, este tipo de programa é bom para aumentar o caixa do governo, que precisa de reforço para arcar com o déficit fiscal, mas não deve ser repetido no país.
“É uma injustiça grande com as empresas que arcam com todos os impostos. Se virar rotina, e o Senado já pensa em uma forma de estender a repatriação, muitos sonegadores irão esperar o programa para regularizar o dinheiro. E aqueles que agem corretamente ficarão desestimulados a pagar impostos”, prevê.
Abertura de informações dos bancos tornará mais arriscado envio de valores ao exterior
O cerco está se fechando em todo o mundo contra os sonegadores. Por isso, segundo o advogado tributarista Rafael Pressoto Silveira, Peixoto & Cury Advogados, a anistia para crimes de evasão de divisas e crime tributário é um dos principais benefícios do programa de Repatriação para quem não paga impostos. “Os bancos estão cada dia mais abrindo as informações sobre os correntistas estrangeiros aos governos de origem. Mais cedo ou mais tarde, mesmo para quem não repatriar, a remessa de divisas ao exterior se tornará pública”, diz o advogado tributarista.
O professor da FGV Direito Rio, Linneu Albuquerque Mello, cita, ainda, o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) como ferramenta nacional que auxilia na cobrança de impostos. Trata-se de um instrumento que unifica as informações bancárias e fiscais de empresas automaticamente, com base em relatórios bancários e do imposto de renda.
Outro lado
O advogado tributarista João Victor Guedes, do escritório L.O. Baptista Svmfa, defende que nem todas as empresas ou pessoas que enviaram dinheiro ao exterior sem comprovar origem deixaram de acertar as contas com o leão. Segundo ele, há casos em que os correntistas chegaram a pagar os impostos, mas, com receio de terem a renda confiscada, utilizaram doleiros para remeter o capital para o exterior.
“Há casos de pessoas que acabaram pagando o imposto duas vezes. Antes de enviar ao exterior e, agora, para repatriar o dinheiro”, diz o advogado. Ele explica que o cenário político foi um dos principais motivadores das remessas ilegais ao exterior.
Durante a ditadura, entre as décadas de 60 e 80, conforme o especialista, pessoas e empresas enviaram dinheiro ao estrangeiro para que o governo não soubesse desse capital. No governo Collor, quando as poupanças foram confiscadas, e no segundo mandato da presidente Dilma, ainda de acordo com Guedes, foi possível perceber o mesmo movimento.
Fonte: Hoje em Dia