A Gerdau Aços Especiais conseguiu reverter na Justiça derrota sofrida no Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf) e cancelar uma autuação fiscal por uso de ágio referente à reorganização societária realizada entre 2004 e 2005. A decisão é da 16ª Vara Federal de Porto Alegre. Cabe recurso.
A sentença foi dada em embargos à execução fiscal (processo nº 5058075-42.2017.4.04.7100). Na autuação de R$ 367 milhões, segundo a Gerdau, a Receita Federal cobra Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL. O valor está inscrito em dívida ativa. O auto foi analisado em 2016 pela Câmara Superior do Carf e mantido por voto de qualidade – desempate pelo presidente da Câmara.
A amortização do chamado ágio interno foi feita no período de setembro de 2005 a junho de 2010, depois de aporte de capital social ocorrido em uma
sequência de operações de reorganização societária, iniciadas em 2004. As mudanças geraram autuações fiscais, inclusive contra outras controladas da
Gerdau. Essa é o primeiro processo analisado pelo Judiciário.
Para a empresa, foram operações regulares, que geraram ágio em razão decisão da Gerdau Açominas.
O ágio consiste em um valor pago, em geral, pela
rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada. Pode ser registrado como despesa no balanço e amortizado, para reduzir o valor do
Imposto de Renda e CSLL a pagar.
Apesar de a lei permitir a amortização, a Receita Federal costuma autuar os contribuintes quando interpreta que uma operação entre empresas foi
realizada apenas com a intenção de reduzir tributos. Foi o entendimento adotado no caso da Gerdau. Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a reorganização societária – que utilizou empresa veículo – foi “fictícia”.
Na sentença, o juiz substituto Tiago Scherer, da 16ª Vara Federal de Porto Alegre, levou em consideração o artigo 20 do Decreto-lei nº 1.598/1977, antes de alterações feitas pela Lei nº 12.973/2014. A partir de 2007, segundo a decisão, ocorreram mudanças profundas na ciência contábil.
De acordo com o magistrado, a Lei nº 12.973 alterou a possibilidade de amortização, restringindo-a apenas às operações realizadas entre empresas não dependentes. Porém, acrescentou, que como no caso os movimentos societários que levaram ao surgimento
do ágio ocorreram entre 2004 e 2005,
não seria possível aplicar a norma de 2014 ou seus princípios contábeis.
Para o magistrado, utilizar operação societária
“também” com o objetivo de reduzir passivo fiscal e produzir lucro é inerente ao exercício de qualquer
atividade econômica. “Não se pode confundir elisão com evasão fiscal, diferenciadas pela adoção de uma conduta lícita ou ilícita, respectivamente,
para atenuar o passivo tributário”, afirma o juiz na decisão.
Ainda segundo a decisão, o sistema jurídico protege a liberdade empresarial para a organização dos negócios, inclusive para a exploração de lacunas ou
brechas legais que possibilitem economia lícita de tributos.
“O cidadão e as empresas são, perante a lei, contribuintes, e não devotos do Estado, a ponto de se submeterem a quaisquer imposições ilegítimas”, disse
Tiago Scherer. E acrescenta: “Como não há ilegalidade na amortização do ágio, e essa é a base da autuação, ela deve ser cancelada.”
A decisão dá força a um argumento muito usado no Carf, segundo o advogado Roberto Quiroga Mosquera, sócio do escritório Mattos Filho. Deixa claro, segundo ele, que antes da Lei nº 12.973/2014 não havia vedação a operações como a realizada pela Gerdau. Como a norma impediu o aproveitamento, acrescenta o advogado, “deixou claro que antes dela era possível”.
Apesar de ser um tema recorrente no Carf, há poucos processos sobre ágio no Judiciário. Em 2014, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região julgou
um dos casos e manteve a autuação do Grupo Libra. A empresa informou na época que não pretendia recorrer da decisão e que havia pedido desistência pelo fato de ter aderido ao Refis.
Procurada pelo Valor, a PGFN informou que ainda não foi intimada da sentença da Gerdau e, por isso, não iria se manifestar. A companhia afirmou que a decisão corrobora os argumentos que defende no caso.
Além da Gerdau Aços Especiais, a Gerdau Aços Longos e a Gerdau Açominas foram autuadas pela mesma operação. Quatro cobranças foram mantidas
pela Câmara Superior em 2016. Outras aguardam julgamento pelo Conselho.
O valor total das autuações chega a R$ 5 bilhões, de acordo com o Formulário de Referência da empresa de 2017. Parte das decisões obtidas no Carf nesses
processos chegaram a ser incluídos na Operação Zelotes e estão sendo investigados para apurar supostos atos ilícitos.
Fonte: Valor Econômico