A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, última instância do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais Carf, concluiu na última terça-feira (12/6) um caso que tramitava há quase 17 anos na casa – quando esta ainda se chamava “Conselho de Contribuintes” e as Torres Gêmeas eram apenas dois prédios em Nova York.
Com a análise de embargos movidos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a turma chegou à 11ª decisão distinta no mesmo processo – uma destas, inclusive, anulada após a deflagração da Operação Zelotes.
O tributo em discussão é a chamada cota de contribuição sobre o café, criada em 1986 no governo de José Sarney. O artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.295/1986, que regulamentava a cobrança, instituiu “quota de contribuição […] fixada pelo valor em dólar, ou o equivalente em outras moedas, por saca de 60 (sessenta) quilos” do grão. A cobrança foi extinta em 1992 – quando a seleção de futebol, hoje buscando o sexto título mundial, ainda era uma tricampeã comandada por Bebeto e Romário.
Desde então, contribuinte e Fazenda travam uma batalha administrativa pelo método de apuração do valor, assim como a inclusão ou não de expurgos inflacionários no cálculo do montante. Em uma das últimas análises do caso, ocorrida há cerca de um mês, discutiu-se que o valor em disputa pode variar entre R$ 15 milhões e R$ 75 milhões, a depender da sistemática adotada.
A contribuinte, que atua na exportação do grão, já havia levado o tema ao Judiciário antes mesmo de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar inconstitucional a cobrança da cota-café, como era conhecido o tributo, entre os anos de 1989 e 1992. O caso ingressou no Conselho de Contribuintes, antiga denominação do atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, anos depois, em 6 de setembro de 2001.
Em agosto de 2002, pouco tempo após os dois gols de Ronaldo que valeram o pentacampeonato, o passou pelo seu primeiro julgamento – e o recurso movido pela contribuinte acabou não conhecido.
Zelotes
O caso também foi o primeiro a ter um acórdão anulado devido às condutas irregulares de conselheiros apuradas pela Operação Zelotes. A decisão de tornar um acórdão sem efeitos foi tomada em março de 2017, quando a turma reformou decisão de 2011 que tratava da inclusão dos expurgos inflacionários no cálculo do montante a ser recebido pela empresa.
“Haja vista que a questão dos expurgos inflacionários não fora objeto da manifestação judicial, isso significa que esse acórdão [alvo de reforma] encontra-se apoiado numa premissa fática inexistente” afirmou em seu voto a então conselheira Judith do Amaral Marcondes Armando, representante da Fazenda Nacional.
Leonardo Siade Manzan, que chegou a ser flagrado com R$ 1 milhão em casa, foi acusado de irregularidades no processo
Judith, assim como o conselheiro Leonardo Siade Manzan, presente à sessão, foram acusados posteriormente pela Operação Zelotes de promover a venda de decisões favorecendo grandes empresas no Carf.
A Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda pediu a anulação do acórdão por conta da participação de Manzan, representante dos contribuintes – que chegou a ser flagrado com R$ 1 milhão em casa, mas declarou inocência – e por possível irregularidades cometidas por Judith.
O acórdão de 2011 foi anulado. Com isso, o caso foi redistribuído para ser analisado novamente pela Câmara Superior. E, assim, a cobrança continuava sem decisão definitiva.
O julgamento final
No último embate entre as partes dentro do Carf – e o quinto apenas na Câmara Superior, uma deliberação rápida sedimentou o tema. Por maioria de votos, a turma acolheu o recurso da Fazenda, adotando um método de atualização de valores mais brando ao montante devido à contribuinte, sem a inclusão de expurgos inflacionários.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apontou erro material na decisão tomada pelo Conselho de Contribuintes em 2008, garantindo a atualização do valor com juros de mora de 1% entre 1992 (data da decisão judicial que a contribuinte ingressou) e 1996 (data da promulgação da Lei nº 9.065) e ajuste pela taxa Selic após a vigência da lei. Segundo a Fazenda, o valor da cota-café deveria ser ajustado apenas pela taxa Selic, tomando como base o trânsito em julgado da ação, o que ocorre apenas em 13/05/1999.
A contribuinte arguiu que o trâmite do processo retirou seu direito à defesa. Também suscitou a análise de um recurso, apresentado em 2009, pedindo a inclusão dos chamados “expurgos inflacionários” ao montante. O pedido não chegou a ser alvo de análise pela turma, uma vez que foi negado monocraticamente pelo presidente da Câmara, se valendo de um despacho de admissibilidade.
Para o advogado do caso nesta fase final, o critério se valeria de norma regimental posterior e que, por questão de isonomia, um embargo de 2008 que anulou o direito do contribuinte a crédito deveria passar pelo mesmo exame, podendo ele também ser anulado – restabelecendo, portanto, o direito a crédito. Haveria outro despacho, de autoria do presidente da 3ª Seção, Rodrigo da Costa Pôssas, que não permitiria o conhecimento do recurso da Fazenda Nacional.
Representante da Fazenda, o conselheiro relator Jorge Olmiro Lock Freire conheceu e acolheu do recurso da Fazenda, compondo como data inicial para o ajuste do valor do crédito o trânsito em julgado em maio de 1999, e descontando desse montante os valores já restituídos pela pessoa jurídica. Autor de voto-vista, o conselheiro Demes Brito acompanhou o relator.
Por cinco votos a três, os embargos foram conhecidos e acolhidos pela turma, vencidas as conselheiras Tatiana Midori Migiyama e Érika Costa Camargos Autran, que negavam provimento, e Vanessa Marini Cecconello, que conhecia apenas parte do recurso (excluindo-se a parte dos embargos inominados).
Procurado após o final de quase duas décadas de disputa no Carf, o advogado representante do caso afirmou o presidente desconsiderou uma decisão anterior, que não permitiria a análise do embargo pela turma.
A seleção brasileira já se encontra na Rússia para tentar o sexto título mundial pela quarta vez. As duas torres do World Trade Center, desde 2014, são apenas um único edifício reconstruído no mesmo local. E o processo agora deverá, nas palavras do representante da contribuinte, ingressar na 1ª instância da esfera judicial.
Fonte: JOTA