O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já analisou seis dos sete pedidos que recebeu da Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda para anular julgamentos de processos colocados sob suspeita na Operação Zelotes. Cinco deles foram acatados, de acordo com levantamento realizado pelo órgão a pedido do Valor. Todos já passaram pela Câmara Superior – última instância do tribunal administrativo.
Dois casos estavam sob sigilo, com base em portaria do órgão publicada no começo do ano. O mais recente foi julgado na segunda-feira (processo nº 15169.0001 55/2016-76). Por unanimidade, a 1ª Turma da Câmara Superior manteve decisão que anulou acórdão de 2012 favorável ao Bank Boston, sucedido pelo Bank of America. Com a decisão, o mérito voltará a ser julgado pela 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção.
No processo, a Fazenda Nacional alegou que o julgamento de 2012 foi realizado com a participação de conselheiro que estaria impedido. Para o órgão, ocorreu má-fé, caracterizada pela ocultação da relação entre o ex-conselheiro José Ricardo da Silva e a consultoria responsável pela defesa do contribuinte no âmbito administrativo.
De acordo com a Fazenda, como o conselheiro era o relator, sua participação foi decisiva para o resultado favorável à empresa. No julgamento, nesta semana, a Câmara Superior considerou que Silva deveria ter se declarado impedido.
Em 2012, o Bank Boston havia conseguido afastar cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre lucro de controlada, para o intervalo entre 2001 e 2003.
Os pedidos de anulação feitos pela Corregedoria-Geral do Ministério da Fazenda chegaram ao Carf em 2017, dois anos após a deflagração da operação, que investiga esquema de compra de votos no órgão. As investigações chegaram a apontar a existência de 74 processos sob suspeita, envolvendo 60 empresas e valor total de R$ 19 bilhões.
Inicialmente, o órgão encaminhou ao Carf cinco representações de nulidade. As primeiras foram julgadas em 2017. No primeiro julgamento, a nulidade foi negada pela 2ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção e depois reformada pela Câmara Superior.
O caso envolvia o empresário Walter Faria, dono da Cervejaria Petrópolis, e teria provocado uma perda tributária de R$ 8,6 milhões. A nulidade foi rejeitada sob a justificativa de que não havia provas suficientes para concluir que um ex-conselheiro do órgão participou de julgamento em que estaria impedido por interesse econômico.
Um dos pontos principais da acusação era o pagamento de R$ 46 mil ao escritório de um conselheiro pela banca que representou Walter Faria no processo. De acordo com ambos, tratava-se de pagamento pela contratação de um parecer sobre PIS e Cofins para o setor de supermercados. O parecer foi solicitado em julho de 2014 e pago em agosto. O caso de Walter Faria havia sido julgado em abril do mesmo ano, favoravelmente ao empresário.
Os conselheiros ponderaram, no julgamento da nulidade, que o caso trazia “situações esquisitas”, que até 2015 não eram vedadas no Carf, como a possibilidade de conselheiro advogar e ter consultoria tributária. Logo depois da Zelotes, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu que os conselheiros representantes dos contribuintes não poderiam advogar, mesmo em área diferente.
Em março de 2017, a 3ª Turma da Câmara Superior julgou processo da Qualy Marcas Comércio e Exportação de Cereais, que havia vencido em 2011 uma disputa com a Receita Federal. Os conselheiros aceitaram a nulidade para que o mérito do processo volte a ser analisado.
De acordo com a denúncia, a empresa teria desembolsado R$ 4,5 milhões de suborno para conseguir decisão favorável no Carf em disputa sobre crédito fiscal gerado por mudanças de planos econômicos e de moeda na década de 90. O processo ficou 11 anos no órgão e, com a decisão, a empresa teria conseguido receber R$ 37,6 milhões.
A investigação aponta que uma conselheira mudou seu voto para beneficiar a Qualy. Foram apresentadas gravações telefônicas de um dos conselheiros que participou do julgamento. Segundo a investigação, o voto que garantiu a decisão favorável à exportadora teria sido elaborado pelos participantes do esquema.
A Operação Zelotes tramita sob sigilo na Justiça. No Carf, as partes começaram a pedir julgamentos a portas fechadas a partir da Portaria nº 92, de 2018, que permite a prática. Assim, julgamentos realizados depois da portaria, envolvendo o Bank Boston e a Cimentos Penha, por exemplo, não foram abertos.
Para o advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, os julgamentos de nulidade estão sendo realizados fora do período ideal. “Só poderiam analisar após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, defende.
Após a Operação Zelotes, que chegou a suspender a realização de julgamentos no Carf em 2015, ocorreram algumas melhorias no órgão, segundo o advogado. “Ficou muito mais transparente o procedimento de retirada justificada de pauta”, afirma.
Outro ponto positivo, acrescenta o advogado, é a limitação do pedido de vista: um individual e um coletivo por processo. “Espero que o Judiciário tome o Carf como parâmetro”, diz Conde.
Fonte: Valor Econômico