O GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Faço saber que a Assembleia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte
LEI:
Art. 1° Fica instituída a Política Estadual de Produção Agroecológica e Orgânica – PEAPO, com o objetivo de integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras da transição agroecológica e da produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e qualidade de vida das pessoas, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis.
Parágrafo único. A PEAPO será implementada pelo Estado, em regime de cooperação com os municípios, organizações da sociedade civil e outras entidades públicas ou privadas.
Art. 2° A formulação, a gestão e a execução da PEAPO serão articuladas, em todas as fases, com o Plano Estratégico de Desenvolvimento da Agricultura Capixaba.
Art. 3° O planejamento e a execução das ações da PEAPO serão desenvolvidos de forma a compatibilizar as seguintes áreas, visando o alcance dos seus objetivos:
I – crédito e fundo de aval;
II – infraestrutura e serviços;
III – assistência técnica e extensão rural;
IV – pesquisa;
V – comercialização;
VI – seguro;
VII – habitação;
VIII – legislação sanitária, previdenciária, comercial e tributária;
IX – cooperativismo e associativismo;
X – educação, capacitação e profissionalização;
XI – negócios e serviços rurais não agrícolas;
XII – agroindustrialização.
Art. 4° A PEAPO observará, dentre outros, os seguintes princípios:
I – descentralização;
II – sustentabilidade ambiental, social e econômica;
III – equidade na aplicação das políticas, respeitando os aspectos de gênero, geração e etnia;
IV – participação dos agricultores familiares na formulação e implementação da PEAPO; e
V – fortalecimento da educação do campo e na interação campo/cidade.
Art. 5° São diretrizes da PEAPO:
I – promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada e saudável, considerando a condição cultural de determinado povo ou comunidade, por meio da oferta de produtos agroecológicos e orgânicos isentos de contaminantes que ponham em risco a saúde;
II – uso sustentável dos recursos naturais, observadas as disposições que regulem as relações de trabalho e favoreçam o bem-estar de proprietários e trabalhadores;
III – conservação dos ecossistemas naturais e otimização dos ecossistemas modificados, por meio de sistemas de produção agropecuária e aquícola e de extrativismo florestal, baseados em recursos renováveis, com a adoção de métodos e práticas culturais, biológicas e mecânicas, que reduzam resíduos poluentes e a dependência de insumos externos para a produção;
IV – promoção de sistemas justos e sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, que aperfeiçoem as funções econômica, social e ambiental da agricultura e do extrativismo florestal, e priorizem o apoio institucional aos beneficiários da Lei Federal n° 11.326, 24 de julho de 2006;
V – valorização da agrobiodiversidade e dos produtos da sociobiodiversidade e estímulo às experiências locais de uso e conservação dos recursos genéticos vegetais e animais, especialmente àquelas que envolvam o manejo de raças e variedades locais, tradicionais ou crioulas;
VI – ampliação da participação das mulheres e da juventude rural na produção orgânica e de base agroecológica;
VII – contribuição na redução das desigualdades de gênero, por meio de ações e programas que promovam a autonomia econômica das mulheres;
VIII – fomento à agroindustrialização de base familiar, articulada em rede, assim como empreendimentos coletivos;
IX – promoção do turismo rural participativo, com vista à geração e à diversificação de renda no meio rural;
X – valorização e reconhecimento dos sistemas agroecológicos e orgânicos como passíveis de retribuição por serviços agroecossistêmicos;
XI – promoção e apoio ao desenvolvimento da agricultura urbana e periurbana de base agroecológica;
XII – integração de ações de produção agroecológica e orgânica com ênfase na inclusão social, superação da pobreza e combate às desigualdades;
XIII – diversificação da produção agropecuária territorial e da paisagem rural;
XIV – promoção de circuitos curtos, como alternativa para a ascensão da agricultura familiar, para explorar novas tendências de consumo e comercialização de produtos alimentares em feiras locais e comércio direto, distribuição, comercialização e consumo de produtos agroecológicos e orgânicos que aperfeiçoem as funções econômica, social e ambiental da agricultura, da produção animal, das agroflorestas e do extrativismo florestal, respeitando-se as tradições culturais, tendo como premissas as práticas do cooperativismo e do comércio justo e solidário;
XV – geração de conhecimentos, por meio da educação do campo, com desenvolvimento às pesquisas científicas aplicadas, metodologias participativas, sistematização de saberes e experiências populares, métodos de trabalho e desenvolvimento de técnicas aplicadas aos sistemas produtivos agroecológicos e orgânicos e fortalecimento da perspectiva agroecológica nos órgãos oficiais e não oficiais;
XVI – garantia do direito da não contaminação, genética e por agrotóxicos, das culturas agroecológicas e orgânicas, por meio de medidas de coexistência e a prática do Princípio da Precaução nas inovações tecnológicas para que o meio ambiente seja protegido contra os potenciais riscos sérios ou irreversíveis que, com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados;
XVII – promoção do resgate, a produção e a troca de mudas, sementes, raças e linhagens de animais (crioulas), incluindo o apoio ao estabelecimento e funcionamento de casas e bancos genéticos comunitários;
XVIII – apoio à criação e fortalecimento de Unidades de Referência em produção agroecológica e orgânica, que estimulem o desenvolvimento da sistematização de experiências de forma participativa e por meio de instituições públicas de pesquisa;
XIX – fomento e fortalecimento da construção e do desenvolvimento de redes especializadas em produção agroecológica e orgânica entre os diferentes grupos e instituições públicas ou privadas envolvidos, com a participação da sociedade civil no planejamento, execução, apoio e acompanhamento das ações da PEAPO.
Art. 6° São instrumentos da PEAPO, sem prejuízo de outros a serem constituídos:
I – Plano Estadual de Produção Agroecológica e Agricultura Orgânica – PLEAPO;
II – crédito rural, e demais mecanismos de financiamento e subsídio;
III – seguro agrícola e de renda;
IV – preços agrícolas e extrativistas, incluídos mecanismos de regulação e compensação de preços nas aquisições ou subvenções;
V – compras governamentais;
VI – medidas fiscais e tributárias;
VII – sistematização, pesquisa e inovação científica e tecnológica;
VIII – assistência técnica e extensão rural especializada;
IX – formação profissional e a educação do campo;
X – mecanismos de controle da transição agroecológica, da produção orgânica e agroecológica;
XI – sistemas de monitoramento e avaliação da produção orgânica e de base agroecológica;
XII – pesquisa e desenvolvimento de insumos agroecológicos e orgânicos, e as técnicas e máquinas e implementos adequados;
XIII – beneficiamento, processamento, armazenamento, logística e logística reversa;
XIV – convênios, parcerias e termos de cooperação com entidades públicas e privadas, cooperativas, associações e organizações da sociedade civil;
XV – implantação de áreas de manejo agroecológico e orgânico livres de organismos geneticamente modificados e zonas de amortecimento.
Parágrafo único. A Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca – SEAG poderá estabelecer critérios e condições adicionais de enquadramento, para fins de acesso às linhas de crédito destinadas aos agricultores familiares, de forma a contemplar as especificidades dos seus diferentes segmentos.
Art. 7° São instâncias de gestão da PEAPO:
I – a Comissão Estadual de Produção Agroecológica e Orgânica – CEAPO; e
II – o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável – CEDRES.
Art. 8° Compete à CEAPO:
I – promover a participação da sociedade na elaboração e no acompanhamento da PEAPO e do PLEAPO;
II – constituir subcomissões temáticas que reunirão setores governamentais e da sociedade civil, para propor e subsidiar a tomada de decisão sobre temas específicos no âmbito da PEAPO;
III – propor, ao Poder Executivo Estatual, as diretrizes, objetivos e prioridades do PLEAPO;
IV – acompanhar e monitorar os programas e ações integrantes do PLEAPO, e propor alterações para aprimorar a realização dos seus objetivos; e
V – promover o diálogo entre as instâncias governamentais e não governamentais relacionadas à agroecologia e produção orgânica, em âmbito nacional, estadual e distrital, para a implementação da PEAPO e do PLEAPO.
Art. 9° A CEAPO será constituída por 19 (dezenove) representantes, e respectivos suplentes, indicados pelos seguintes órgãos e entidades:
I – dois da Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca – SEAG;
II – um da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SEAMA;
III – um da Secretaria de Estado da Saúde – SESA;
IV – um da Secretaria de Estado da Educação – SEDU;
V – um da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia, Inovação, Educação Profissional – SECTI;
VI – dois do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural – INCAPER;
VII – um do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo – IDAF;
VIII – um da Comissão de Agricultura, de Silvicultura, de Aquicultura e Pesca, de Abastecimento e de Reforma Agrária da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo – ALES;
IX – quatro da Comissão da Produção Orgânica no Estado do Espírito Santo – CPOrg-ES
X – quatro representantes da sociedade civil, escolhidos entre integrantes de organizações da agroecologia e da produção orgânica das diversas regiões do Estado;
XI – um representante do Ministério Público Estadual.
§ 1° A forma de funcionamento da CEAPO, bem como a definição dos critérios para indicação dos representantes da sociedade civil, na forma disposta no inciso X, serão estabelecidas por meio de ato do Secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca.
§ 2° Os representantes da CEAPO serão indicados pelos titulares dos respectivos órgãos e entidades e designados pelo de Secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca.
§ 3° O mandato dos membros representantes de entidades da sociedade civil na CEAPO terá duração de dois anos, podendo ser prorrogado, nos termos do regulamento.
§ 4° A participação na CEAPO será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.
§ 5° A SEAG exercerá a função de Secretaria-Executiva da CEAPO e disponibilizará os suportes técnico e administrativo necessários ao seu funcionamento.
§ 6° A convite da Secretaria-Executiva, poderão participar das reuniões da CEAPO especialistas e representantes de órgãos e entidades públicas ou privadas que exerçam atividades relacionadas à agroecologia e produção orgânica.
Art. 10. Para os fins desta Lei serão adotadas as seguintes definições:
I – sistema agroecológico e orgânico: todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, periurbanas e urbanas, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, “circuitos de proximidade”, que são circuitos curtos de produção e comercialização de alimentos frescos produzidos localmente e de forma sustentável em sistemas orgânicos de produção e comercialização, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente nos termos da Lei Federal n° 10.831, de 23 de dezembro de 2003;
II – serviços agroecossistêmicos: ações realizadas voluntariamente por pessoas físicas ou jurídicas nos sistemas naturais ou agroecossistemas agroecológicos e orgânicos com observação à regularização do clima local, fluxos hidrológicos, fluxos geomorfológicos e processos biológicos; evitam, limitam, minimizam ou reparam danos aos bens naturais; proveem bens como alimentos, matéria-prima, fitofármacos, água limpa, entre outros; manejam e preservam paisagens naturais com beleza cênica; proveem cultura e arte associadas ao saber e ao modo de vida de comunidades tradicionais que proporcionam benefícios recreativos, educacionais, estéticos, sociais, patrimoniais e paisagísticos;
III – trabalho em rede: iniciativa de ação coletiva e popular, em função de interesses e valores comuns a determinado grupo social, comunidade ou organização, podendo ou não ter caráter jurídico, cujos métodos de organização valoram a multiplicidade quantitativa e qualitativa e a corresponsabilidade dos membros que a compõe com orientação à lógica associativista, fortalecendo-se reciprocamente;
IV – movimento agroecológico: composto por sujeitos e movimentos sociais de diversos setores da sociedade; é um fluxo intelectual e prático que apoia a produção agropecuária com o uso racional e sustentável de recursos renováveis e não-renováveis com compreensão do conteúdo histórico, presente na agroecologia em diferentes conjunturas com variabilidade no tempo e espaço;
V – construção e articulação do saber agroecológico: configura-se como um processo de coprodução, sistematização e difusão tecnológica, de valores, cultura, ciência, por meio de mecanismos de comunicação, tradicionais e contemporâneos, entre a comunidade humana e o meio ambiente, de origem principalmente dos processos de produção agropecuária e que abarcam a condição social dos sujeitos, grupos sociais envolvidos de forma igualitária;
VI – métodos participativos: conjunto de práticas e técnicas orientadas à execução de determinada ação, de forma participativa, com a inclusão de sujeitos e foco na formação, com conhecimento, consciência cidadã e organização do trabalho político, para afirmação do sujeito crítico e ativo politicamente;
VII – agrobiodiversidade: é a diversidade biológica e genética de espécies cultivadas, animais e de paisagens relacionadas à utilidade agropecuária e aquícola que reflete a interação entre quem pratica atividade agropecuária e ambientes locais e que, ao longo do tempo e nos múltiplos ecossistemas, produziu e produz variedades adaptadas às condições ecológicas locais por meio de materiais propagativos tradicionais, crioulos e nativos;
VIII – educação do campo: fenômeno da realidade brasileira atual, protagonizado pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais do campo, organizados em movimentos sociais camponeses, que visa incidir sobre a política de educação desde os interesses sociais das comunidades camponesas à formação e qualificação dos sujeitos;
IX – agricultor familiar e empreendedor familiar rural: aquele que pratica atividades no meio rural, de acordo com a Lei Federal n° 11.326, de 2006, regulamentada pelo Decreto n° 9.064, de 31 de maio de 2017.
Art. 11. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, e será regulamentada por Decreto, no que for necessário à sua aplicação.
Palácio Anchieta, em Vitória, 11 de dezembro de 2018.
PAULO CESAR HARTUNG GOMES
Governador do Estado