Normas internacionais deixam trabalhadores de embaixadas e organismos supranacionais desprotegidos

Receber créditos trabalhistas de embaixadas e consulados, ou mesmo ajuizar uma ação contra organismos internacionais pode ser um grande problema na vida dos trabalhadores. As causas são a imunidade jurisdicional e a impenhorabilidade de bens que não permitem o bloqueio de bens de entes internacionais condenados pela justiça brasileira e até mesmo impedem o trabalhador de recorrer ao Judiciário.

De acordo com o direito internacional, o trabalhador de embaixadas e consulados está sujeito às normas trabalhistas do país em que presta serviços, tendo garantido o direito de ajuizar ações em caso de necessidade. Mas o problema está no momento de receber o crédito reconhecido pela Justiça, pois os bens dos estados estrangeiros são impenhoráveis. O ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alberto Bresciani destaca que o papel do Ministério das Relações Exteriores é imprescindível durante a execução de processos contra entes estrangeiros, pois a via tradicional de cobrança da dívida, por meio de carta rogatória, geralmente é muito cara para o trabalhador que precisa até mesmo contratar advogados para atuarem no exterior.

“Quando o pagamento não é feito de forma espontânea o juiz costuma comunicar a dívida do ente estrangeiro ao Ministério das Relações Exteriores, que faz gestões junto à embaixada interessada para garantir o pagamento da dívida”, explica o ministro.

Mas o procedimento contra os entes estrangeiros geralmente é demorado. Demitido da Embaixada da Alemanha após ser acusado de furto, um trabalhador brasileiro espera há nove anos a reversão da justa causa em sua carteira de trabalho, e o pagamento das verbas decorrentes. O direito foi reconhecido pela Justiça, pois não ficaram provados os crimes, mas os inúmeros recursos ajuizados pela Embaixada impedem a efetivação da prestação jurisdicional. Há um ano o processo do trabalhador foi para o Supremo Tribunal Federal. A embaixada ajuizou agravo que tenta destrancar um recurso extraordinário que foi negado pelo TST. O processo não tem data para ser julgado no STF.

Mas o pior problema é enfrentado pelos empregados de organizações ou organismos internacionais. Como o direito internacional garante a imunidade jurisdicional absoluta aos organismos que têm natureza supranacional – como ONU (Organização das Nações Unidas) e OEA (Organização dos Estados Americanos) – a Justiça do Trabalho não pode julgar possíveis conflitos existentes, a não ser que o ente renuncie de forma expressa à imunidade, o que, segundo o ministro Alberto Bresciani, raramente ocorre. Em fevereiro, o TST editou a orientação jurisprudencial nº 416 confirmando o entendimento da Corte sobre a imunidade absoluta, com base nas normas internacionais.

“Os empregados dessas organizações ficam desprotegidos”, afirmou o ministro Bresciani. Como a Justiça está impedida de dirimir possíveis conflitos, os trabalhadores precisam recorrer a tribunais administrativos dos próprios organismos, localizados, via de regra, na Europa ou Estados Unidos, o que na maioria das vezes inviabiliza o ajuizamento das ações. Mas o que mais preocupa é que nem sempre esses tribunais estão constituídos.

Contratados no Brasil para atuar no exterior podem optar por norma trabalhista mais favorável

Quais são os direitos do trabalhador contratado no Brasil para trabalhar no exterior? Nas décadas de 1970 e 1980 houve um movimento contínuo de trabalhadores contratados por empresas brasileiras para atuarem no exterior, principalmente na área da construção civil. Mais de dez mil homens e mulheres brasileiros atuaram na construção de estradas, pontes, usinas e obras de infra-estrutura em Angola, Iraque e outros países do Oriente Médio.

Para assegurar os direitos trabalhistas a esses brasileiros, foi aprovada a Lei nº 7.064 de 06/12/1982. A norma regulamentava a situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por empresas prestadoras de serviços de engenharia, inclusive consultoria, projetos e obras, montagens, gerenciamento e congêneres, para prestar serviços no exterior.

Em 2009 a norma foi alterada pela Lei nº 11.962, que estendeu os direitos previstos na lei 7.064 aos trabalhadores de todas categorias profissionais, e não apenas aos da área da construção civil. A referida Lei considera transferidos os empregados removidos para o exterior, cujo contrato estava sendo executado no território brasileiro; os cedidos a empresas localizadas no estrangeiro, para trabalhar no exterior, desde que mantido o vínculo trabalhista com o empregador brasileiro; e aqueles contratados por empresas sediadas no Brasil para trabalhar a seu serviço no exterior.

O artigo terceiro prevê que a empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços, os direitos nela previstos e a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nela, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria.

Dispõe, ainda, a aplicação da legislação brasileira sobre previdência social, FGTS e Pis/Pasep e a estipulação, obrigatória, do salário em moeda nacional, sendo que, empregador e empregado fixarão, em ajuste por escrito, os valores do salário-base e do adicional de transferência, não podendo o salário ser inferior ao mínimo estabelecido para a categoria profissional do empregado.

O período de duração da transferência será computado no tempo de serviço do empregado para todos os efeitos da legislação brasileira, ainda que a lei local de prestação do serviço considere essa prestação como resultante de um contrato autônomo e determine a liquidação dos direitos oriundos da respectiva cessação.

Todavia, a contratação de trabalhador, por empresa estrangeira para trabalhar no exterior, está condicionada à prévia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego. O artigo 14, do Capítulo III dispõe que sem prejuízo da aplicação das leis do país da prestação dos serviços, no que respeita a direitos, vantagens e garantias trabalhistas e previdenciárias, a empresa estrangeira assegurará ao trabalhador os direitos a ele conferidos no referido capítulo.

A empresa estrangeira é obrigada a custear as despesas de viagem de ida e volta do trabalhador ao exterior, inclusive dos seus dependentes, bem como seguro de vida e acidentes pessoais a favor do trabalhador. Contudo, a permanência desse trabalhador no exterior não poderá ser ajustada por período superior a três anos, salvo quando for assegurado a ele e a seus dependentes o direito de gozar férias anuais no Brasil, com as despesas de viagem pagas pela empresa estrangeira.

Por fim, a Lei 7.064/82 dispõe que o aliciamento de trabalhador residente no Brasil para trabalhar no exterior, fora do regime dela, configurará o crime previsto no artigo 206 do Código Penal Brasileiro (recrutar trabalhadores, mediante fraude com o fim de levá-los para território estrangeiro), com pena de um a três anos de detenção e multa.

Jurisprudência

A jurisprudência trabalhista, tem sido pela aplicação da norma mais favorável. Um empregado da Ambev (Companhia de Bebidas das Américas) contratado no Brasil como gerente nacional de vendas no ramo de bebidas e, posteriormente, transferido para prestar serviços na Venezuela e no Equador, conseguiu na Justiça do Trabalho o direito de aplicação da norma trabalhista mais favorável. Após nove anos de serviços prestados à empresa foi demitido sem justa causa, ingressando em seguida com reclamação na Justiça do Trabalho para requerer verbas devidas.

O Juízo de Primeiro Grau entendeu pela aplicação do artigo 3º da Lei nº 7.064/82 ao caso, o que foi mantido pelo TRT da 5ª Região (Bahia). A Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu recurso da Ambev e manteve a decisão do Regional. A Turma seguiu o voto do relator, ministro Márcio Eurico, para quem, tendo o trabalhador sido contratado no Brasil e, posteriormente, transferido para o exterior, aplica-se ao caso o princípio da norma mais favorável, nos termos do artigo 3º, II, da Lei nº 7.064/82.

Em outro caso, julgado em maio último, o ministro Maurício Godinho Delgado, relator do processo na Terceira Turma, aplicou o princípio jurídico da norma mais favorável brasileira ou do país estrangeiro, ao rejeitar agravo de instrumento da Mercedes Benz do Brasil Ltda. No agravo a empresa tentou reformar decisão do TRT da 3ª Região (Minas Gerais) que condenou a empresa ao pagamento de diferenças salariais a um ex-empregado contratado no Brasil e transferido, após seis anos, para os Estados Unidos, onde permaneceu por dez meses. Na reclamação trabalhista, o autor afirmou ter recebido remuneração menor que a pactuada.

A decisão do Primeiro Grau foi pela procedência dos pedidos do autor, recebimento da diferença salarial e reflexos. O Tribunal Regional do Trabalho a 3ª Região (MG) manteve a sentença e negou provimento ao recurso de revista da empresa.

Ao analisar o recurso da Mercedes ao TST, o ministro Maurício Godinho Delgado observou que o autor foi contratado e trabalhou para a Mercedes no Brasil e, tendo sido posteriormente transferido para o exterior, já não mais estaria submetido ao critério da Convenção de Havana, “por já ter incorporado em seu patrimônio jurídico a proteção normativa da ordem jurídica trabalhista brasileira”. Assim, concluiu que o contrato de trabalho do autor deveria ser regido pelo critério da

(Lourdes Cortes e Rafaela Alvim)