O escritório Tulio Assessoria Tributária protocolou uma denúncia no Ministério Público Estadual (MPE) na qual afirma que a Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) tem feito cobranças ilegais a cerca de 100 mil pequenos e microempresários de Mato Grosso. As irregularidades teriam tido início em 2012.
Por meio de procedimento protocolado na quarta (16), o tributarista Raul Tulio relatou ao MPE as supostas irregularidades. De acordo com ele, determinados servidores fazendários, lotados em áreas que fazem lançamentos tributários contra grande volume de contribuintes, estão fazendo cobranças sem qualquer auditoria específica ou qualquer respaldo jurídico tributário.
O tributarista afirma que micros e pequenos empreendedores de todo o Estado estão sendo multados como se tivessem deixado de pagar valores que sequer chegaram a ser cobrados deles. As irregularidades, segundo Tulio, acontecem por meio do Sistema Integrado de Informação sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços (Sintegra), utilizado pela Sefaz na cobrança de tributos.
Conforme a denúncia encaminhada ao MPE, as fraudes iniciaram há sete anos, quando a Sefaz publicou, em seu site, a notícia de que notificou 39 mil microempresários a entregar informações referentes ao Sintegra, no qual deveriam constar dados fiscais sobre as microempresas.
O documento encaminhado ao MPE narra que alguns fiscais de tributos estaduais operaram de forma ilegal para aplicar multas irregulares aos contribuintes. Conforme o tributarista, praticamente todos os casos envolvem microempresas.
O primeiro passo para a irregularidade, segundo a denúncia, foi a elaboração de uma cláusula equivocada, que não era exigida pela Lei, a qual afirmava que todos os contribuintes inscritos no Estado seriam obrigados a informar mensalmente – tanto na declaração de apuração do ICMS, quanto no Sintegra – as operações de compra, venda, estoque, e demais livros contábeis, por meio do sistema de Sintegra.
Por se tratar de lançamento de ofício, diz a denúncia, os fiscais deveriam intimar todos os 39 mil contribuintes para repassarem as informações ao Sintegra, para depois analisar quem não entregou. As notificações dos contribuintes foram feitas por meio do Sistema de Notificação Eletrônica (SNE), da própria Sefaz, que era acessado pelos contadores e contribuintes por meio de senhas específicas.
No entanto, em razão do grande número de notificações, conforme a denúncia, não houve a entrega de todas as intimações. Para poder dar andamento no lançamento das informações, os fiscais teriam manipulado o SNE e cadastraram como se tivesse feito citação por edital, pessoal e por e-mail a pessoas que sequer foram informadas de que precisariam fornecer tais dados. Em razão de tais microempresários não terem repassado as informações, a Sefaz aplicou multas punitivas para grande parte dos 39 mil citados.
“Eles cobraram por informações que já haviam sido prestadas anteriormente por todos esses clientes antes. Não era falta de apuração de impostos, porque eles já tinham essas informações na base de dados da Sefaz. Inventaram essa nova obrigação do Sintegra e esconderam as notificações dos microempresários e deram a muitos os status de omissos”, afirma Raul Tulio.
Os contribuintes que foram informados sobre a necessidade de repassar novas informações fiscais, não sofreram qualquer penalidade ou multa, segundo a denúncia. Já em relação aos que eram considerados omissos, as multas tiveram valores até 10 mil vezes maiores que o inicial. “Pór exemplo, uma multa inicial de R$ 600 saltou para R$ 60 mil quando o contribuinte soube que era considerado omisso”, diz Tulio.
Cobrança irregular
Na denúncia ao MPE, o tributarista ressaltou que os fundamentos aplicados aos fiscais de tributo referentes ao Sintegra somente deveriam ser válidos para vendas interestaduais, pois tal sistema foi criado para que houvesse uma comunicação entre as operações que incidem ICMS, para amenizar sonegações e também controlar as guerras fiscais entre os estados.
“Não existe previsão legal para que todos os contribuintes, independente da operação, deviam entregar o Sintegra, inclusive ao analisar a portaria estadual 80/99 remissiva constata-se que foi escalonado conforme o faturamento das empresas e o objetivo central eram as operações interestaduais”, assinala o tributarista, em trecho da denúncia.
De acordo com a denúncia, os contribuintes somente estão tomando conhecimento das cobranças das multas por meio das execuções fiscais que estão chegando em suas casas. “E como são pessoas humildes, que não tem, muitas das vezes assessoria jurídica tributária, estão recolhendo os valores junto à PGE-MT e fazendo parcelamento no sistema Refis. Ou seja, o Estado está arrecadando multas de pessoas sem condições de se defenderem”, narra trecho da denúncia.
“Neste primeiro momento ficou aparente dois crimes: a) inserção de dados falsos em sistema público; b) excesso de exação (cobrança)”, acrescenta o documento encaminhado ao MPE.
O tributarista relata que denunciou o caso para entidades estaduais como a Corregedoria-Geral, Procuradoria-Geral, Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec) e para a própria Sefaz. Segundo a denúncia, nenhuma das entidades deu uma resposta que tenha esclarecido a situação até o momento.
A corregedoria alegou, segundo Tulio, que a Lei estadual determina que o contribuinte deve ter e-mail cadastrado e acessar diariamente o mesmo, para que possa receber as notificações da Sefaz. Desta forma, não há irregularidade na aplicação de multa em razão da falta de informações solicitadas em 2012.
O tributarista rechaçou as alegações da CGE. Segundo ele, nos casos anlisados até o momento, todos oscontribuíntes possuíam e-mail válido cadastrado na Sefaz e, mesmo assim, não receberam as notificações. Ele ainda apontou que houve alteração ilegal no sistema da Sefaz, apontando que a pessoa foi notificada, mesmo sem ter sido enviado qualquer e-mail ou outro tipo de contato.
“Tudo isso, revela que o SNE foi manipulado para tentar dar legalidade aos atos que já nasceram eivados de ilegalidade e praticados com fortes indícios de crimes. Em síntese, o SINTEGRA foi usado como forma de fabricação de receita através de multas que foram efetivadas e amparadas por ilegalidade além de crimes dos servidores”.
Citação por edital
Ainda entre as supostas ilegalidades feitas por servidores da Sefaz, segundo a denúncia levada ao MPE, há a citação por edital.
Conforme o documento, agentes tributários teriam cadastrado uma intimação no SNE, após a ausência de respostas referentes ao Sintegra, e alegaram ter frustrado todas as tentativas de intimar o contribuinte. “[Em seguida] Fazem um procedimento desleal de travar o sistema com o andamento “publicação por edital” e logo em seguida processam/cadastram como se houvesse ocorrido a citação por edital, tornando assim o contribuinte omisso e possibilitando a efetivação do lançamento de ofício de multa penalidade por omissão de descumprimento de obrigação acessória”.
“Essa nova modalidade de manipulação do sistema está sendo usada para aplicar penalidade mais gravosa (10.000% dez mil por cento) maior do que se houvesse recebido a intimação prévia”, diz a denúncia.
“Se o contribuinte recebesse a intimação ele iria cumprir o solicitado e pagaria uma penalidade mínima de aproximadamente (R$70,00) por mês atrasado. Como os agentes/fiscais estão manipulando o sistema com uso de edital (genérico – não é pessoal) fazem os contribuintes aparecerem para o sistema como omissos e assim podem lavrar a multa de aproximadamente (R$-120.000,00). E, incrivelmente, essa notificação da multa de 120 mil os contribuintes recebem no seu e-mail, no sistema SNE, no e-mail do contador, etc. Vejam que é flagrante a deslealdade e o crime cometido”, assinala o contador.
Na denúncia, ele aponta que os envolvidos nas fraudes são servidores notados na Gerência de Documentos e Declarações Fiscais (GDDF) e Gerência Especial de Fiscalização de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (GFMEP).
Segundo Tulio, a estimativa é de que mais de 100 mil microempresários de Mato Grosso estejam recebendo as cobranças ilegais. “Se em 2012 foram 39 mil que ficaram como omissos pois nunca foram nofiticados, penso que atualmente esse número seja maior que 100 mil, pois no site do Sebrae fala-se que hoje há 200 mil microempresas no Estado. Creio que metade desses estabelecimentos tenham sido afetados”, declara.
Por fim, no documento, o tributarista pede que o MPE receba a denúncia e distribua a um promotor.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Sefaz, mas não obteve um posicionamento sobre o caso até a finalização deste texto.
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