A ausência de representantes do governo na audiência pública sobre a tributação de pessoas físicas recebeu críticas de deputado, que defendeu a presença do secretário da Receita Federal no próximo debate

Parlamentares e debatedores defenderam a importância da correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para motivar o consumo das famílias e assim estimular a economia. O tema foi discutido nesta terça-feira (28) em audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Não houve participação de representantes do governo – convidado, o secretário especial da Receita Federal do Brasil, Marcos Cintra, não compareceu.

O debate foi proposto pelo deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), com apoio de três parlamentares: Eduardo Cury (PSDB-SP), Enio Verri (PT-PR) e Ruy Falcão (PT-SP). Segundo Goergen, a realização do evento foi motivada por entrevista do presidente Jair Bolsonaro, no último dia 12, na qual ele informou ter orientado o ministro da Economia, Paulo Guedes, estudar uma correção da tabela a ser aplicada em 2020.

“Hoje em dia o Imposto de Renda é redutor de renda. Falei para o Paulo Guedes que, no mínimo, temos que corrigir de acordo com a inflação a tabela para o ano que vem. E, se for possível, ampliar o limite de desconto com educação e saúde”, disse Bolsonaro. Dois dias depois, porém, Guedes afirmou que essa correção pode significar renúncia fiscal de até R$ 60 bilhões – e não faz sentido quando se busca economia mais de R$ 1 trilhão com a reforma da Previdência (PEC 6/19).

A Comissão de Finanças e Tributação convocou Guedes para uma audiência pública no próximo dia 4, a fim de que o ministro explique os impactos da reforma da Previdência. O colegiado aprovou a convocação porque Guedes não compareceu a evento marcado anteriormente. Agora, com a ausência de Marcos Cintra em nova atividade da comissão, o deputado Jerônimo Goergen disse que vai cobrar a presença do secretário da Receita Federal no debate da próxima terça-feira.

“Não adianta colocar gente na rua se o governo vira as costas para o Congresso, se na hora de conversar não vem”, afirmou Goergen, que se declarou favorável a propostas já encaminhadas ao Legislativo pelo Executivo. Segundo ele, a comissão foi informada da ausência de Cintra somente nesta manhã, gesto que causou indignação e foi considerado desrespeitoso. “Quero saber se o que Bolsonaro falou [sobre a correção da tabela do IR] está correto, se é um caminho a seguir”, disse.

Estudos tributários

A última atualização da tabela do IRPF aconteceu em 2015 – em abril daquele ano, a Lei 13.149/15 atualizou a Lei 12.469/11). O vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), Ayrton Bastos, disse que a correção pela inflação da tabela e também dos limites para deduções das despesas com saúde e educação e para isenção no caso das pessoas com mais de 65 anos são medidas que favorecem a justiça fiscal.

Em sua apresentação, Bastos comentou estudo em que o Sindifisco aponta uma defasagem de 95,46% na tabela do IRPF. Caso essa correção fosse aplicada de uma só vez, as pessoas que hoje recebem R$ 3.689,93 depois de descontada a contribuição para a Previdência Social estariam isentas. Atualmente, é tributado quem ganha a partir de R$ 1.903,98 depois de descontada a contribuição previdenciária. “Estão pagando Imposto de Renda sobre a inflação passada”, disse.

O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Floriano de Sá Neto, apresentou aos deputados um estudo que propõe uma ampla mudança nos impostos, de forma que o Brasil, ao contrário do que acontece hoje, passe a tributar menos o consumo e mais a renda e o patrimônio. Esse trabalho leva em conta a experiência dos países mais ricos, como os da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

No caso do IRPF, o estudo sugere isenção para todos que ganham até quatro salários mínimos (R$ 3.992) – o rendimento médio do trabalho em 2018 foi de R$ 2.276, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com ajustes nas faixas de renda e as alíquotas de contribuição, 38,55% dos quase 30 milhões de atuais contribuintes ficariam isentos; 48,70% seriam desonerados em relação ao montante que pagam hoje; e 10,02% manteriam a alíquota máxima atual, de 27,5%.

Apenas 2,73%, ou 750 mil pessoas, seriam os mais tributados, em novas alíquotas de 35% e 40%. A maior parte desse grupo, segundo o presidente da Anfip, atualmente não paga Imposto de Renda. São sócios ou acionistas de empresas cujos rendimentos são oriundos de lucros e dividendos, que estão isentos no País desde 1995. Além do Brasil, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), apenas a Estônia, em todo o mundo, oferece esse tipo de vantagem para os mais ricos.

O diretor de Estudos Técnicos do Sindireceita, Eduardo Schettino, lembrou que existem medidas infralegais que poderiam ser adotadas no curto prazo. O dirigente da entidade que reúne os analistas tributários da Receita defendeu, por exemplo, o fim da declaração anual simplificada. Essa medida, avaliou, tornaria isentos de IRPF cerca de 10 milhões dos atuais contribuintes.

“Se eliminar o desconto padrão de 20%, a faixa de isenção seria o salário necessário apurado pelo Dieese”, disse Schettino, referindo-se ao levantamento mensal elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Nesse estudo, o Dieese calcula quanto deveria ser a remuneração para se adquirir uma cesta de produtos definida no Decreto-Lei 399/38, que instituiu o salário mínimo no Brasil. Em abril, essa remuneração foi estimada em R$ 4.385,75.

Propostas legislativas

Durante a audiência pública, o deputado Eduardo Cury informou que apresentará um novo parecer ao Projeto de Lei 6094/13, do qual é relator. O texto, que tramita com cinco apensados, trata da correção, conforme a inflação, da tabela do IRPF, das deduções com despesas de saúde e educação e também da tributação de lucros e dividendos. No ano passado, Cury elaborou um substitutivo, que pretende atualizar agora, no qual altera apenas a tabela e as deduções.

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse no debate que apresentou na segunda-feira (27) uma proposta (PL 3129/19) que corrige a tabela de forma semelhante ao analisado pela Anfip e também tributa lucros e dividendos. Já o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) criticou a ideia de cobrar mais dos ricos. “Milionário de fato transfere patrimônio para outros locais”, afirmou. Ele defendeu mudanças no sistema tributário que venham a propiciar a geração de renda no País.

Fonte: Agência Câmara Notícias