A Receita Federal busca o respaldo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para reduzir o valor dos créditos de PIS e Cofins gerados com a aquisição de bens e insumos. O entendimento é de que os contribuintes devem contabilizar esses créditos usando o mesmo critério de cálculo dos pagamentos à União – ou seja, sem o ICMS embutido.
Trata-se de um desdobramento da chamada “tese do século”, concluída no mês de maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Só que aqui o efeito é ruim para as empresas: sem o ICMS, o valor do crédito diminui e a conta a pagar ao governo aumenta.
A posição da Receita Federal consta em um parecer da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit). É um documento interno. Ganhou notoriedade, entre advogados, porque foi juntado em um processo que tramita no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, com sede em São Paulo, no dia 13 – menos de 24 horas depois de o STF ter publicado o acórdão da “tese do século” (processo nº 5000538-78.2017.4.03.6110).
A Receita Federal afirma, nesse parecer, que o está enviando para a PGFN em forma de “consulta”. Solicita que os procuradores façam a “ratificação ou retificação” do entendimento.
“Se for admitida a manutenção do ICMS no valor de aquisição de bens que dão direito a crédito, haverá um completo desvirtuamento da não cumulatividade da contribuição para o PIS e a Cofins, esvaziando a arrecadação”, diz no texto.
Consta ainda, nesse parecer, que “em situação limite, considerando as margens de agregação na cadeia de produção e comercialização de determinado produto, é possível chegar-se a saldo líquido negativo”. E, nesse caso, frisa, o contribuinte teria valores a receber e não a pagar, o que faria com a União subsidiasse a atividade econômica com valores retirados da seguridade social.
“Entendemos que esse parecer não tem efeito vinculante. Não foi publicado no Diário Oficial nem no site de normas da Receita Federal. Mas demonstra um ato potencial para restringir o direito ao crédito”, diz o advogado Luís Alexandre Barbosa, do escritório LBMF.
A tomada de crédito faz parte da apuração das contribuições sociais para quem está no regime não cumulativo – praticamente todas as grandes empresas. A alíquota de PIS e Cofins, nesses casos, é de 9,25%.
Para calcular quanto deve, o contribuinte precisa separar as notas de saída, referentes às vendas realizadas no mês, das notas de entrada, que contêm o custo de aquisição de produtos que dão direito a crédito (insumos, por exemplo). É feito um encontro de contas entre esses dois grupos de notas e sobre o resultado aplica-se a alíquota.
O STF decidiu, em maio, que a parcela do ICMS que consta na nota de saída – na venda dos produtos, portanto – deve ser retirada do cálculo do PIS e da Cofins. Os ministros consideraram que o imposto estadual não pode ser classificado como receita ou faturamento, que é a base de incidência das contribuições.
Com a retirada do imposto estadual da conta, a base de cálculo do PIS e da Cofins foi reduzida e, consequentemente, os valores a pagar ao governo ficaram menores. As empresas, além disso, têm o direito de receber de volta o que pagaram de forma indevida nos últimos anos. O custo dessa tese para a União está estimado em R$ 358 bilhões, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
Agora, a Receita Federal está afirmando que, pela lógica, a parcela do ICMS que consta nas notas de entrada, ou seja, na tomada de crédito, também não poderia ser contabilizada.
Advogados afirmam, no entanto, que não há base legal para a essa construção. “Só seria possível com uma mudança na lei”, observa Felipe Azevedo Maia, sócio do AZM Advogados Associados.
Ele contextualiza que as leis do PIS e da Cofins dão tratamentos diferentes para essas duas situações. “A saída é baseada nos artigos 1º e 2º. Já o crédito está no artigo 3º. Consta que a empresa pode tomar crédito sobre toda a despesa incorrida com serviços e mercadorias adquiridas como insumo. A legislação trata de uma maneira que não abre espaço para interpretação”, diz.
O advogado Matheus Bueno, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyers, chama a atenção, além disso, que o Supremo Tribunal Federal não tratou dessa questão ao decidir sobre a “tese do século”. “Se está inaugurando um outro contencioso igualmente complexo e valioso”, afirma.
A conduta da Receita Federal, porém, não causa surpre
sa no mercado. Pelo menos duas empresas foram cobradas por valores que teriam deixado de recolher aos cofres públicos nos últimos cinco anos.
A Receita Federal foi procurada pelo Valor, mas não deu retorno até o fechamento da edição. Em nota, a PGFN afirma que está analisando o parecer e se manifestará em breve.
Fonte: Valor EconômicoAssociação Paulista de Estudos Tributários