Previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) , principal regulamentador das relações de trabalho, o trabalho aos domingos virou regra em shoppings, supermercados e zonas comerciais de grandes cidades, já que o dia é relevante para o consumo, embora a legislação recomende que a folga semanal coincida com esse dia.
Para as mulheres, porém, o decreto-lei de 1943 define o direito ao revezamento quinzenal: ao menos um domingo a cada duas semanas deve ser um dia de folga. Mas, na prática, não é bem assim.
Nos últimos anos, dezenas de ações judiciais chegaram ao Judiciário trabalhista discutindo a aplicação do artigo 386 da CLT e os possíveis conflitos com a lei 10.101/2000, que liberou o trabalho aos domingos no comércio.
O artigo em questão traz os direitos das mulheres e prevê que havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical
Somente o Sindicato dos Comerciários de Florianópolis iniciou 42 processos contra grandes redes de varejo e supermercados, desde 2016, para cobrar o cumprimento da chamada escala 1 por 1 – um fim de semana de trabalho seguido de um fim de semana de folga.
A praxe em Santa Catarina, segundo o diretor da da Federação dos Trabalhadores no Comércio em Santa Catarina, Ivo Castanheira, é a escala 2 por 1 (uma folga a cada dois domingos trabalhados). Em alguns municípios, diz, os empregados estão sem acordo coletivo há cerca de quatro anos, pois as empresas não aceitam prever o revezamento obrigatório para mulheres.
Decisão a favor da folga quinzenal
Agora, um desses casos começou a ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal e é visto por advogados como um precedente importante, apesar de não ter repercussão geral (classificação que garante a aplicação da decisão a todos os processos que discutam o assunto).
Em outubro, numa decisão monocrática (quando apenas um ministro decide), a ministra do Supremo Cármen Lúcia determinou que uma grande varejista deve respeitar a folga quinzenal de suas funcionárias, no julgamento de um recurso extraordinário apresentado pela rede.
A decisão monocrática de Cármen Lúcia já foi suficiente para desencadear novas ações, diz a advogada do LBS Advogados, Meilliane Pinheiro Vilar Lima. Sindicatos de comerciários do Espírito Santo também foram à Justiça do Trabalho contra oito redes, a maioria com lojas em shoppings, onde o trabalho aos domingos é mais disseminado.
No Tribunal Superior do Trabalho (TST), outra ação do sindicato catarinense, essa contra outra varejista, também foi julgada favorável aos trabalhadores e deve subir também para o STF, já que houve recurso extraordinário também neste caso.
Meilliane Lima, que representou o sindicato no TST, considera que a decisão do STF poderá ser usada em quaisquer atividades com trabalho aos domingos. Para a advogada, o revezamento quinzenal não pode ser negociado em acordos e convenções coletivas por ser um direito indisponível (aqueles sobre os quais não há negociação, como o direito à vida, à liberdade, à saúde etc).
Federação do comércio paulista defende negociação com sindicatos
Em São Paulo, por exemplo, diversas convenções coletivas preveem que as lojas possam decidir o tipo de revezamento a ser aplicado.
O acordo vigente para os anos de 2022 e 2023 firmado entre a FecomercioSP e o Sindicato dos Comerciários prevê três possibilidades: o sistema 1 por 1, o 2 por 1 (uma folga a cada dois domingos de trabalho) e o 2 por 2 (dois de trabalho seguido por dois de folga).
O assessor jurídico da FecomercioSP, Delano Coimbra, diz acreditar que a decisão do Supremo não terá efeito sobre os acordos futuros justamente pelo dispositivo conhecido como o “negociado sobre o legislado”, ou seja, mesmo que haja lei prevendo outro tipo de regra, os sindicatos podem chegar a outros termos, desde que o resultado final não viole a Constituição.
O que está em discussão:
Artigo 386 da CLT, no capítulo dedicado aos direitos das mulheres
O que ele diz: havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical
O que o Supremo Tribunal Federal vai decidir
Se esse artigo é constitucional e obriga as empresas a aplicá-lo mesmo que haja outra lei estabelecendo outra regra
O que disse a relatora, ministra Cármen Lúcia
A norma não é discriminatória, é protetiva e respeita a jurisprudência do STF, que já decidiu antes sobre o artigo que determinava a concessão de pausa de 15 minutos para mulheres antes do início das horas extras
“Os sindicatos entenderam que os domingos, principalmente para quem trabalha em shopping, são os melhores dias para vendas, o que é muito bom para quem recebe comissões. O que está prevalecendo nesses acordos é a opção dela [a trabalhadora], ela decide se vai trabalhar ou não.”
A advogada Meilliane Lima também defende que o revezamento obrigatório ainda é necessário, pois, desde 1943, ano da publicação da CLT, os avanços sociais não foram suficientes para que mulheres e homens vivam em situação de igualdade.
“Em média, 40% das famílias são monoparentais e comandadas por mulheres. O Estado não oferece proteção social, não existe creche aos domingos. Então esse ainda é um dia essencial para que ela descanse, tenha o convívio familiar.”
Fonte: Folha de S. Paulo