A Receita Federal estima que quatro grandes empresas devem pelo menos R$ 1,7 bilhão de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL por causa da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O valor foi levantado por meio de um projeto-piloto realizado pela 8ª Região Fiscal (SP) para detectar inconformidades nas informações prestadas pelos contribuintes. Apesar de as empresas terem vencido em 2017, no Supremo Tribunal Federal (STF), a chamada “tese do século, a Receita entende que os créditos de PIS e Cofins obtidos com a retirada do imposto estadual devem ser considerados como renda ou receita, que deve ser tributada. “Muitas empresas não estão tributando”, afirma Cláudio Ferrer de Souza, superintendente adjunto e substituto da Receita Federal na 8ª Região Fiscal, acrescentando que as empresas parecem ter “esquecido” que, antes da decisão do STF, deduziram o PIS e Cofins cheios da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Nesse estudo realizado para detectar inconformidades, a seleção dos contribuintes foi aleatória. Agora, com a aplicação da metodologia, segundo Márcia Cecília Meng, superintendente titular da 8ª Região Fiscal, a Receita terá condições de estimar quantos contribuintes adotaram a mesma prática e quanto pode ser arrecadado. O impacto do julgamento do STF era estimado em R$ 250 bilhões nos “Riscos Fiscais” da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Esse valor, porém, pode cair a depender da tributação dos créditos, de acordo com a superintendente titular. Há, ainda, o risco de judicialização. O que é a tese do século? Entenda Em nota ao Valor, a Receita diz só que “débitos decorrentes de fiscalização ainda não constituídos” não entraram nas projeções do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, encaminhado ao Congresso. Com isso, caso a fiscalização surta o efeito desejado, pode ajudar a aumentar a arrecadação federal, principalmente num ano em que a equipe econômica busca receitas extras para reduzir o déficit fiscal. A partir das verificações, as empresas serão informadas por meio do Confia, o programa de Conformidade Cooperativa Fiscal, do sistema de comunicação com grandes empresas ou ainda por carta. As quatro grandes em São Paulo ainda serão procuradas neste ano. Desde o julgamento do STF, empresas vêm pedindo créditos das contribuições sociais. Essa prática se fortaleceu a partir de 2021, quando os ministros esclareceram, por meio de recurso, alguns pontos da decisão. “Faz muito sentido a Receita pensar em ir atrás porque tem tanta variável [na tributação]”, diz Carlos Eduardo Orsolon, sócio do Demarest. Entre as variáveis está o regime de tributação, se a empresa fez a dedução e quando tributou. O advogado explica que, em 2017, o escritório já avisou os clientes que seria necessário observar dois pontos a partir da vitória. O primeiro era que a Receita iria tributar o valor posterior de ingresso e o segundo era o momento dessa tributação. Por causa do recurso pendente no STF, que veio a ser julgado em 2021, a orientação era evitar a antecipação da tributação. Já havia previsão, no Ato Declaratório Interpretativo nº 25, de 2003, de que na repetição de indébito tributário (devolução em caso de recolhimento a maior) haveria tributação. O ato prevê, inclusive, que juros incidentes sobre os valores recuperados são receitas novas, sobre a quais incidem IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Orsolon explica que a tributação se aplica especialmente a empresas no regime do lucro real e que deduziram os valores de PIS e Cofins pagos no passado como despesa, reduzindo as bases de IRPJ e CSLL. “Para neutralizar essa dedução, a Receita cobra IRPJ e CSLL”, afirma. Quanto aos juros, o advogado afirma que, em 2021, o STF decidiu que não incidem IR e CSLL sobre a Selic na devolução de tributos pagos indevidamente – o que pode ter levado contribuintes, a partir de então, a considerarem que a Corte terá o mesmo entendimento quanto à incidência de PIS e Cofins. A decisão sobre a tributação da Selic vale a partir da publicação da ata de julgamento do mérito, em 30 de setembro de 2021. A União não pode cobrar IRPJ ou CSLL nos casos em que os fatos são anteriores a essa data e não houve pagamento dos tributos ou de ações ajuizadas antes da data do início do julgamento do mérito (em 17 de setembro). Em dezembro de 2021, a Solução de Consulta nº 183 reafirmou a tributação de indébito tributário, inclusive dos juros, e determinou que nos casos de compensação o pagamento ocorre na entrega da primeira declaração – em que é declarado o valor integral a ser compensado. “Temos clientes que até hoje ainda não conseguiram consumir todos os créditos. E tiveram que pagar 100% da tributação no momento da primeira declaração de compensação, ainda que tenham usado apenas parte dos créditos”, afirma Orsolon, acrescentando que alguns contribuintes optaram por ajuizar ações para não realizar toda a tributação de uma só vez. Para o tributarista Luiz Gustavo Bichara, esse assunto é como um “fantasma”. “Algo que, quando se imagina morto, ressuscita sob uma nova forma para assombrar o contribuinte”, diz. Para ele, haverá evidentemente questionamentos. “Esses créditos jamais se enquadrariam no conceito de renda ou receita.”

Fonte: Valor Econômico/APET
https://apet.org.br/noticia/receita-busca-bilhoes-de-reais-devidos-com-a-tese-do-seculo/