Os contribuintes têm conseguido na Justiça afastar a tributação sobre benefícios fiscais de ICMS. Pelo menos seis liminares foram concedidas nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná e no Distrito Federal. Beneficiam empresas como Renner e Laticínios Catupiry, além de dois sindicatos empresariais. Os processos, com impacto bilionário, questionam a aplicação da Lei das Subvenções (Lei nº 14.789/2023).

A norma alterou as regras de tributação de incentivos fiscais para investimentos concedidos por Estados. A taxação desses benefícios é uma das principais medidas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para cumprir a meta fiscal e zerar o déficit em 2024. Segundo estimativa do Ministério, deve gerar um retorno de R$ 35 bilhões para os cofres públicos somente neste ano. Na prática, as liminares beneficiam mais de 220 empresas, já que duas delas foram concedidas em mandados de segurança coletivos – ou seja, valem para todos os associados dos sindicatos. O Sindiatacadista do Distrito Federal, um dos beneficiados, representa mais de 190 contribuintes. O outro, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), 27. As decisões impedem a cobrança tanto do Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL quanto do PIS e da Cofins. Todos os pedidos seguem a mesma tese: haveria ofensa ao pacto federativo. A argumentação das empresas é de que o governo federal não pode tributar um incentivo dado pelo Estado, voltado para atrair empresas e fomentar a competitividade. Em algumas ações, discute-se ainda o conceito de renda e faturamento. Segundo os contribuintes, os benefícios fiscais representam redução de custo e não incremento de receita. “O benefício não gera um acréscimo patrimonial e é preciso respeitar a imunidade recíproca. Se o Estado está cedendo, não pode a União tributar a receita do Estado”, afirma o advogado Leandro Aleixo, sócio-fundador do escritório AleixoMaia. A banca, diz o advogado, tem mais de 500 ações judiciais sobre o tema, ajuizadas desde a edição da Lei Complementar nº 160/2017.

A norma promoveu mudanças no artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014. Antes dessa alteração havia uma separação entre subvenção de investimento e subvenção de custeio. O texto anterior dizia que, no caso de subvenção de investimento, a União não poderia tributar. Depois, com a mudança, passou a constar no artigo 30 da lei que “incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal são considerados subvenções para investimento”. Os contribuintes entenderam que deixou de existir diferença entre os benefícios de ICMS e, por esse motivo, nada mais poderia ser tributado. A Receita Federal, porém, manteve o entendimento de que só não poderia tributar incentivo como estímulo à ampliação do empreendimento econômico. A maioria das ações ajuizadas agora trata de crédito presumido, por haver, segundo advogados, forte precedente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a tributação desse tipo de benefício fiscal (EREsp 1.517.492/PR). A discussão está nos processos, por exemplo, da Laticínios Catupiry e da Renner. Segundo a Catupiry, “não pode a União retirar, por via oblíqua, o benefício fiscal concedido pelos Estados da Federação, no exercício de sua competência, em clara afronta ao princípio do pacto federativo e a uniformidade da tributação federal” (processo nº 5038077-98.2023.4.03.6100). O argumento foi aceito pela juíza Regilena Emy Fukui Bolognesi, da 11ª Vara Cível Federal de São Paulo. Ela usa precedentes da 1ª Seção do STJ e das turmas de direito público para dar provimento à liminar. Não cita, porém, julgamento de abril do ano passado, em recurso repetitivo. Naquela data, os ministros decidiram que a tese de isenção do crédito presumido não se aplicaria aos outros tipos de benefícios fiscais – como redução de base de cálculo, redução de alíquota e diferimento (Tema 1182). Fundamentou de forma semelhante o juiz Marcelo Guerra Martins, da 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, ao conceder liminar ao Sindiveg. No caso, tratou sobre todos os tipos de benefício fiscal, não só sobre crédito presumido.

Para ele, a Lei nº 14.789/2023 não afeta a tese dos contribuintes. “Por força do princípio federativo, os incentivos fiscais e financeiros concedidos pelos Estados no âmbito do ICMS não podem ser tributados pela União, independentemente do nome que ostentarem (isenções, diferimentos, créditos presumidos, outorgados, reduções de base de cálculo, entre outros)”, afirma o juiz (processo nº 5012462-09.2023.4.03.6100). Para o advogado Fabio Calcini, do Brasil, Salomão e Matthes Advocacia, que assessora o Sindiveg, a decisão reforça que a nova lei vigente, encabeçada pela Fazenda, não muda a essência do debate. “O entendimento foi amplo, na linha do nosso pedido, que todo incentivo, independentemente se é de custeio ou investimento e de outra condição, não deve ser tributado”, diz. De acordo com o tributarista Gustavo Vita Pedrosa, do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, as liminares em favor das empresas reforçam que a Lei nº 14.789/2023 não é suficiente para impor a tributação, diante dos fortes precedentes nos tribunais superiores. “A alteração deveria vir de cima. Ou seja, se o governo federal quer tributar os incentivos fiscais concedidos pelos Estados, especialmente o crédito presumido, deveria alterar a Constituição Federal”, afirma. Denis Araki e Marcus Furlan, sócios do LBMF Advogados, entraram com ações separadas para uma mesma empresa do setor têxtil. Uma discutia o IRPJ e CSLL e outra PIS e Cofins. Na primeira, a liminar foi deferida (processo nº 5037507-15.2023.4.03.6100). Já na segunda, foi negada (processo nº 5037611-07.2023.4.03.6100).

O juiz Luis Gustavo Bragalda Neves, da 2ª Vara Cível Federal de São Paulo, entendeu não haver urgência e determinou a suspensão do processo até que o Supremo Tribunal Federal (STF) se posicione sobre a tributação do crédito presumido (Tema 843). Os advogados dizem que vão recorrer da decisão. “Não é porque existe um leading case no STF que o juiz não pode conceder uma liminar”, afirma Araki. Em nota, o Sindiatacadista-DF diz que a ação movida foca no crédito presumido por ser o benefício adotado pelo setor e haver precedentes favoráveis do STJ. O impacto financeiro estimado da demanda, acrescenta, “considerando que o setor atacadista arrecadou cerca de R$ 3 bilhões ao Distrito Federal no ano de 2023, é em torno de R$ 1,2 bilhão ao ano” (processo nº 1001314-41.2024.4.01.3400). A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), também em nota, informa que as receitas das subvenções “sempre integraram a receita bruta da empresa e estiveram sujeitas à tributação”. E que, em alguns casos, foram excluídas da base de cálculo dos tributos federais. Acrescenta que a Lei nº 12.973/2014 e a Lei nº 14.789/2023, “ao definirem conceitos relevantes para a aplicação do benefício federal e estabelecerem a forma de sua concessão, não incorreram em qualquer ilegalidade, razão pela qual a União Federal entende que se consagrará vencedora nas ações que tratam do tema”. Procuradas, Laticínios Catupiry e Renner não deram retorno até o fechamento da edição. O Sindiveg preferiu não se manifestar.

Fonte: Valor Econômico/APET
https://apet.org.br/noticia/contribuintes-conseguem-no-judiciario-afastar-tributacao-de-beneficios-fiscais/