O primeiro projeto de lei que regulamenta a reforma tributária foi aprovado no Congresso Nacional e convertido na Lei Complementar nº 214/2025 (https://www.tributa.net/legislacao/lei-complementar-no-214-de-16-de-janeiro-de-2025)

A ideia de reforma tributária foi tachada de impossível há alguns anos, cuja percepção foi sendo modificada a cada etapa que avançava no processo legislativo. Sofreu uma série de alterações em relação à proposta inicial, agregando muitas complexidades não pretendidas na sua origem. De qualquer forma, o texto aprovado pode ser aperfeiçoado por novos projetos de lei corretivos, especialmente porque muitas imperfeições devem surgir. Isso é normal, dada a profundidade das alterações.

A partir desta reforma, teremos: (a) a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) de competência federal substituindo o PIS e a COFINS, que entrará em vigor integralmente em 2027; (b) o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência dos Estados e municípios substituindo o ICMS e o ISS a partir de 2029 de forma progressiva até 2032, quando estes últimos deixarão de existir; (c) o Imposto Seletivo (IS) que atingirá operações específicas com produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, veículos, embarcações e aeronaves, extração mineral, loterias, apostas e jogos de fantasy sports, cujas alíquotas serão fixadas por lei, respeitando critérios e limites máximos já definidos. O atual IPI será utilizado apenas para tributar, no resto do país, bens que também são produzidos na Zona Franca de Manaus, tentando manter o diferencial competitivo da região.

Para o ano de 2026 serão criadas obrigações acessórias para aferir o potencial de arrecadação da CBS e do IBS, que deve equivaler à atual arrecadação média dos tributos substituídos (cerca de R$ 1,3 bi ou 13% do PIB). É uma regra de três. Após identificação, caberá ao Senado Federal expedir ato com a fixação desta alíquota de referência. A alíquota de referência deve ser impactada para baixo com a redução da economia informal, das fraudes e da inadimplência, especialmente por conta do mecanismo do “split payment” que assegura o crédito ao adquirente única e exclusivamente com o pagamento do tributo pelo fornecedor e não com o mero destaque (cobrança) do tributo como é feito atualmente.

Este ponto pode surpreender, pois estes números, apesar de estimáveis, são desconhecidos. Os Estados, o Distrito Federal e municípios poderão ter alíquota própria distinta da alíquota de referência, embora não haja expectativa de que isso ocorra. Na prática, ninguém deve mudar de município ou Estado por conta de um ou dois pontos percentuais de tributos a mais ou a menos.

Estima-se que a alíquota de referência seja próxima de 28%, calculada por fora, o que significa dizer que os tributos não incidirão sobre eles próprios como ocorre atualmente. Para fins de comparação com a carga atual, é necessário adotar os mesmos critérios, o que reduz as diferenças que vêm sendo alardeadas.

Há regimes diferenciados para atividades reputadas mais essenciais, como saúde, medicamentos, educação, alimentos, higiene e limpeza, profissões regulamentadas, produtos agropecuários e afins, produções artísticas nacionais, atividades desportivas, segurança nacional e outras relacionadas no projeto, que gozarão de reduções de alíquota. Também há isenções, como o transporte público urbano ou metropolitano de passageiros, além de créditos presumidos para produtores rurais e revenda de bens móveis usados.

Algumas atividades, por suas peculiaridades, mereceram regimes específicos, tais como combustíveis, serviços financeiros, planos de saúde, concursos de prognósticos, imóveis, cooperativas, bares e restaurantes, hotelaria e parques de diversão e temáticos, transporte coletivo de passageiros, agências de viagens e de turismo, sociedades anônimas do futebol e tratados internacionais.

A não cumulatividade será ampla, permitindo-se creditar a CBS e o IBS recolhidos nas etapas anteriores de aquisição de bens e serviços, deduzindo-os da CBS e do IBS devidos na operação seguinte. A ideia é tributar apenas o valor agregado em cada etapa de fornecimento de bens e serviços. Excetuam-se do direito ao crédito os bens e serviços adquiridos para uso pessoal dos diretores, sócios ou funcionários e que não tenham relação direta com a atividade do contribuinte. Isso poderá gerar algum contencioso, a despeito da taxatividade mantida no texto aprovado.

A população mais carente, inscrita do CadÚnico, terá devolução dos tributos nas contas de energia elétrica, água e botijão de gás, mediante um sistema de “cash back” integral da CBS e parcial do IBS.

Alguns fundos foram criados para substituir ou neutralizar as distorções com as novas regras, tais como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional para reduzir as desigualdades regionais e sociais, o Fundo de Compensação de Perdas destinado a Estados e Municípios que perderem arrecadação com o novo sistema até 2077, o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais para compensar as perdas dos benefícios fiscais que serão extintos antecipadamente, dentre outros.

Na transição, espera-se algum contencioso, especialmente com bens e serviços essenciais que ficaram de fora das isenções e reduções (ex. remédios oncológicos, azeites, transporte internacional de passageiros), dentre outras situações que podem afrontar a lógica e a isonomia (ex. a briga do IS no álcool). O STF já fez controle similar em relação ao IPI.

Restará, ainda, a discussão da próxima fase da regulamentação, dispondo, sobretudo, sobre o Comitê Gestor, incluindo a administração do IBS e o contencioso tributário. Este tema também é de extrema importância para o sucesso da reforma tributária.

Fonte: Poder Legislativo/APET
https://apet.org.br/artigos/a-reforma-tributaria-em-poucas-linhas/