Em entrevista, ministro Pedro Paulo Manus fala sobre a situação do estágio supervisionado no país

Quanto deve ganhar um estagiário? Na segunda parte da matéria especial sobre o estágio supervisionado, discutimos a questão. Leia ainda uma entrevista com o ministro do TST Pedro Paulo Manus.

Ministro Manus avalia que estágio é trabalho, mas não é emprego

A chamada “Lei do Estágio” não determina especificamente valor ou forma de pagamento da bolsa-auxílio. Segundo as instituições de estágio, o valor pode contribuir para manter esses estudantes no curso. Isso porque muitos estagiários não conseguem concluir e abandonam o curso por falta de condições financeiras. A Constituição Federal prevê a hipótese de pagamento de piso salarial (bolsa-auxílio) proporcional à extensão e a complexidade do trabalho. No Brasil, as melhores bolsas-auxílio, separados por nível, são nos cursos de Economia, R$ 1.089,57; Engenharia, R$ 1.053,40 e Secretariado Executivo Trilíngue, R$ 1.009,53. Quanto aos benefícios, os estagiários, além da bolsa, têm direito a auxílio-transporte, recesso remunerado, entre outros benefícios. A carga horária é de 6 h diárias 30 h semanais, e o tempo máximo de estágio na empresa são dois anos.
 
ENTREVISTA COM MINISTRO PEDRO PAULO MANUS (TST):

Ministro, estágio é emprego?

Poderíamos inicialmente dizer que estágio é trabalho, mas não emprego. Emprego é aquele regulado pelos arts. 2º e 3º da CLT. Aquele que faz um contrato de estágio não celebra um contrato de emprego. O espírito da Lei que disciplina o estágio (11.788/2008) é que ele seja uma complementação do processo de aprendizagem do jovem estudante. Ou seja, uma sequência do processo educacional, visando no futuro à inserção do jovem no mercado de trabalho. Portanto, para ser um contrato de emprego precisaria ter características que a CLT estabelece. Mas do ponto de vista genérico o estagiário é um trabalhador.

Para algumas pessoas, o estágio representa uma das principais oportunidades de  capacitação e porta para ascensão profissional e social; para outros, já não cumpre essa função, está mascarado e vem afrontando a lei. Como o Senhor avalia isso?

Vejo com muita preocupação porque a ideia é essa – que o estágio seja a porta para ascensão profissional e social para o jovem trabalhador. A importância do estágio se dá sob várias medidas. O jovem que faz um estágio começa a tomar contato com o mundo do trabalho, prevê linhas básicas de conduta, passa a ter uma disciplina profissional, ter uma hierarquia, cota de trabalho, horário para entrar e sair. O meu primeiro trabalho foi como estagiário do Ministério Público do Trabalho da Segunda Região. Eu estava no quarto ano da faculdade de Direito, e fiz estágio no quarto e no quinto. Uma das atribuições era dar assistência judiciária para meninos e meninos cujo pai ou responsável não estavam presentes. Eu aprendi muito, comecei a ter contato com profissionais da área, procuradores, servidores, enfim. Foi ali que eu despertei para o Direito do Trabalho.  Mas, é claro, muitos jovens são vítimas de empresas que não cumprem essa função, tem esse mascaramento, ou seja, se utilizam de mão de obra mais barata, em vez de contratar um trabalhador.

Os processos que chegam ao TST em sua maioria se referem a pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com a empresa contratante. Quais erros existem na relação entre estagiários e empresas que dão azo a esses conflitos?

No fundo, o conflito surge por não se deixar claro qual a natureza dessa relação. No Direito do Trabalho existe contrato de trabalho ou não dependendo das condições em que esse serviço foi prestado. Se eu prestar serviço para você de natureza pessoal, contínua, habitual, subordinada, eu sou empregado. Se o trabalhador disser: eu trabalho como empregado, mas não quero ser registrado, para lei isso não é possível. Muitas vezes a admissão de boa-fé, o jovem é contratado, para aprender etc., mas, para que isso aconteça a lei de estágio dá especificidades, se for de nível médio ou de nível superior não pode trabalhar mais de 6 h ou 30h por semana, por exemplo. Também é preciso que o estagiário esteja cursando a escola regularmente, ou seja, tem de haver uma simetria entre o que faz na escola e o que se faz no estágio. Se houver um disvirtuamento, se o tomador não tomar esses cuidados, aos poucos o jovem deixa de trabalhar como estagiário e passa a trabalhar como empregado, tendo que fazer um contrato específico. É comum reclamações de que ter sido admitido como empregado, mas sob o rótulo de estágio. Muitas vezes o jovem não fez estágio nenhum. Então, a Justiça do Trabalho tem de dizer, diante dos fatos, se essa pessoa era empregado ou não. Portanto, o erro seria não observar as regras da lei do estágio. É claro que o próprio estagiário muitas vezes tem aquele ímpeto de fazer mais o que deve, de aprender, fica além do horári, mas não pode. A lei diz quais são os procedimentos, as limitações, o horário de trabalho etc. É preciso ter uma constante vigilância das condições que o estágio é prestado. Do contrário, esse tomador é um candidato a perder um processo na Justiça do Trabalho.

Estamos no TST desenvolvendo o Programa Trabalho Seguro para prevenir acidentes com trabalhadores. Ao estagiário também se aplica a legislação relacionada à segurança do trabalho?

Aplica-se, sim, porque a obrigação de observância às normas de segurança e medicina de trabalho e prevenção de acidentes diz respeito não só aos contratos de emprego, mas ao trabalho geral. Todo aquele que presta serviço deve estar protegido por um seguro de acidentes. Eu contrato alguém para pintar a minha casa, o correto seria perguntar ao trabalhador: o senhor é registrado na previdência? Cadê sua inscrição no INSS? Aí ele pensaria: esse homem quer que eu pinte a casa dele ou quer me fiscalizar? O problema é que se ele cair da escada e quebrar a perna e não tiver a proteção da previdência, eu que sou o tomador de serviço é que vou pagar. E claro que, no dia a dia, a gente não faz isso. Mas em uma empresa não é concebível que seja assim. Portanto, seja qual for o tipo de prestador de serviço, aquele que agir de maneira ilícita e prejudicar terceiro vai se responsabilizar com indenização devida. No caso do estagiário, às vezes o jovem é arrimo de família e morre na prestação dos serviços. Se for comprovado nexo causal, a família pode reivindicar uma indenização. Isso vale para o empregado, art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, mas vale para os trabalhadores em geral. É a mesma regra que se aplica no contrato de trabalho.

É comum brincadeiras jocosas com estagiários no ambiente de serviço. O que modernamente poderia ser considerado assédio moral. Um estagiário pode pleitear indenização se sentir ofendido?

Da mesma forma que o dano material, é algo que não está restrito ao uso do contrato de trabalho, ao contrario, é um instituto do direito civil que se aplica ao Direito do Trabalho, como se aplica ao Direito Administrativo. O estagiário não é empregado, mas é uma pessoa física que presta serviços, num determinado ambiente de trabalho para um tomador de serviços. Se ele for vítima de um ato reputado ilícito que tenha nexo entre a prática do ato e o prejuízo sofrido por ele, e esse prejuízo alcançar o patrimônio imaterial, que é a honra, a intimidade, por exemplo, isto pode configurar um dano moral. O estagiário, caso entenda que está sendo assediado, na falta do sindicato que o represente, pois condição de estágio não é profissão, ele pode ser valer do orientador do programa, para um advogado, um defensor público para reclamar seu direito.

O estágio remunerado é mais um fenômeno surgido das relações capital e trabalho, assim como a terceirização, é possível compará-los?

A terceirização, em si, como instituto, não acho nocivo, mas por experiência prática ela sugere uma forma de baratear a mão de obra. Nesse sentido ela algo negativo, pelos efeitos que provoca de precarizar as condições de trabalho e aviltar o trabalhador. Já o estágio é diferente, tem a virtude de despertar, no complemento do processo educacional, o jovem para o mercado de trabalho, como se expandisse seu currículo na formação do estudante. Sem dúvida que o estágio pode ser também uma forma de precarização se funcionar indevidamente, e que existem empresas que se valem de mão de obra barata sob o falso rótulo de estágio, mas uma terceirização típica e um estágio típico são completamente diferentes. Um está falando do mundo do trabalho outro do mundo do ensino. O instituto da terceirização já tem pecha de fraude, não se pode deixar que aconteça o mesmo com o instituto do estágio. O estágio é sempre algo benéfico.

Leia também: Vida de Estagiário – Fraude à Lei do Estágio e outras questões trabalhistas
 
(Ricardo Reis)
 
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