Na solução de consulta 8.014/2019, de 25/6, a Receita Federal informou que, quando uma empresa se divide parcialmente, sem nenhuma finalidade econômica, a operação deve ser desconsiderada para fins de reconhecimento e desconto de crédito fiscal. Para especialistas, no entanto, essa restrição à transferência de créditos fiscais é ilegítima.
De acordo com a Receita, a operação societária de cisão parcial sem fim econômico deve ser desconsiderada também na restituição, ressarcimento ou compensação.
“A cisão parcial, desde que possua fim econômico, é uma hipótese legal de sucessão dos direitos previstos nos atos de formalização societária, entre os quais os créditos decorrentes de indébitos tributários, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, que passam a ter natureza de créditos próprios da sucessora, se assim determinarem os atos de cisão sendo, desse modo, válidos para a solicitação de restituição e compensação com débitos desta para com a Fazenda Nacional”, diz a Receita.
Ausência de Norma
Para o especialista em Direito Tributário Allan Fallet, sócio do Amaral Veiga Advogados, a Receita não podia ter feito essa determinação em solução de consulta, porque ainda não foi editada lei que regulamente o tema. Portanto, o órgão extrapolou sua competência ao determinar a desconsideração das operações de cisão.
“O primeiro ponto a se tratar é a ausência de norma geral antielisiva efetiva, pois em face da ausência de regulamentação do artigo 116, parágrafo único, do CTN, constituindo um procedimento minucioso para que as autoridades fiscais desconsiderem os atos e negócios praticados pelas empresas, tal desconsideração não poderia ocorrer”, diz.
Ou seja, segundo Fallet, enquanto não for estabelecido em lei ordinária o procedimento de desconsideração dos negócios jurídicos realizados, o entendimento da Receita é inaplicável.
“O segundo ponto é que a imposição de um “propósito negocial” não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro, derivando de pura construção doutrinária, sendo apenas o desenho da conformidade entre a finalidade dos contribuintes e a razão do negócio jurídico realizado”, explica.
O advogado Ricardo Maitto, sócio da área Tributária do Rayes & Fagundes Advogados, explica que não é a primeira vez que a Receita fixa esse tipo de restrição, que já foi refletida em manifestações anteriores.
“Essa restrição não tem respaldo legal. O ‘fim econômico’ da reorganização societária pode ser exatamente a otimização no uso de créditos fiscais e a transferência de excesso de créditos fiscais para empresas do mesmo grupo econômico. Contanto que a operação atenda às formalidades da lei societária e não exista vedação legal ou contratual expressa, não há restrição à transferência de ativos e passivos de qualquer natureza, inclusive aqueles de natureza tributária”, afirma.
Vitor Rodrigues, advogado tributarista associado do Chenut Oliveira Santiago Advogados, diz que o posicionamento da Receita “infelizmente” não surpreende. “A interpretação, em prejuízo ao contribuinte, é equivocada. Isso porque a interpretação da legislação federal em consonância com a Constituição da República garante, há tempos, o aproveitamento desses créditos pela sociedade”, diz ele.
Para o advogado Eduardo Diamantino, vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT) e sócio do Diamantino Advogados, a solução de consulta está errada por desrespeitar o próprio CTN quando condiciona a validade de uma operação societária à existência de propósito negocial. “Entender dessa forma é ignorar os artigos 109 e 110 do CTN. A discussão é tão antiga que consta da redação originária do CTN na década de 60”, diz.
Fonte: Consultor Jurídico/APET