Fórum afirma que Bolsa Família não reduz o trabalho infantil

A coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira, afirmou durante o painel “Desafios da erradicação das piores formas de trabalho infantil no Brasil” que o programa de transferência de renda do Governo Federal, o Bolsa Família, “não tem impacto” na redução do trabalho infantil. O Fórum defende uma “correção de percurso”, pois, da forma como o programa funciona, não tem sido útil para identificar e retirar as crianças do trabalho.

“O Bolsa Família tem contribuído decididamente para reduzir a pobreza e promovido a educação, com a maior permanência na escola, mas tem ocultado o trabalho infantil”, explicou a coordenadora. “Há uma acomodação porque as famílias estão inseridas no programa de transferência de renda por uma situação de pobreza e a criança vai para a escola e continua no trabalho”.

Para ela, o enfrentamento do trabalho infantil deve ter como prioridade a educação. “O Bolsa Família é importante, deve ser mantido, mas, no que se refere ao trabalho infantil, já esgotou as suas possibilidades”.

Desafios da erradicação do trabalho infantil no Brasil

Com 20 anos de experiência na erradicação do trabalho infantil no Brasil, a auditora-fiscal do trabalho em Natal, Marinalva Dantas, expôs um dantesco cenário da submissão precoce à atividade laboral: como as crianças vivem, sofrem, adoecem, se mutilam e morrem no trabalho. Para a auditora, não basta apenas retirá-las do trabalho, porque elas migram para atividades cada vez mais ocultas.

Os desafios para reverter esse quadro são imensos, a começar pelos discursos equivocados da sociedade que louvam o trabalho infantil como forma preventiva de marginalização. A auditora ressalta que ainda hoje esse discurso é repetido pela família, empregadores, conselheiros tutelares, promotores, procuradores, auditores fiscais do trabalho, jornalistas, juízes e as próprias crianças.

Marinalva destaca que é preciso adequar a legislação de forma a ampliar as penalizações. Segundo ela, a multa para quem explora as crianças é per capita, mas limitada a cinco crianças. “Mesmo que o infrator tenha sido flagrado explorando centena delas”, afirmou. Outra media a ser adotada é cobrar efetivamente dos prefeitos o compromisso assumido em campanha eleitoral para colocar em suas agendas a meta da erradicação das piores formas de trabalho infantil até 2015.

Para procurador-geral do Trabalho, Justiça do Trabalho é quem analisar pedidos para trabalho infantil

 O procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, defendeu que a Justiça do Trabalho assuma a competência para o exame de autorizações judiciais para o trabalho de crianças e adolescentes. No painel, Camargo fez um apelo aos magistrados trabalhistas para que “não abram mão do seu poder, da sua competência”, de negar autorização judicial para que crianças trabalhem.

O procurador disse que não se pode desconhecer que miséria, pobreza e necessidade andam de braços dados. “Mas não podemos continuar a ter dúvidas em relação a isso e permitir que crianças cheguem precocemente ao mercado de trabalho com autorizações judiciais”, afirmou.

A competência da Justiça do Trabalho deve se estender, inclusive, à questão da exploração sexual das crianças e adolescentes. “Não tenho dúvida quanto a isso: trata-se de uma relação de trabalho ilegal, absurda e incompatível com qualquer ideia de respeito e cidadania, mas que está crescendo no Brasil”.

O problema, observa, envolve o enfrentamento de “alguns fantasmas” – entre eles posturas culturais arraigadas sobre o trabalho infantil. “É a situação, por exemplo, da criança pobre que algumas pessoas, ‘caridosamente’, levam para casa, achando que a estão beneficiando, e a submetem à exploração”, lembrou. Ele propõe a intensificação da parceria entre a Justiça e o Ministério Público do Trabalho na abordagem ao tema. “Se temos um desafio em relação às autorizações, temos também o de melhorar ainda mais nossa intervenção articulada”, propôs. “É uma grande responsabilidade, e não podemos abrir mão dela. Para isso temos de afastar a fogueira de vaidades e não deixar que ela atrapalhe nossa atuação cotidiana para afastar essas situações que não podem mais perdurar no país”.

O procurador enfatizou também a “enorme interligação” entre o trabalho infantil e o trabalho escravo contemporâneo, e a necessidade de ações efetivas voltadas para a educação, para ele o grande desafio da sociedade brasileira. “Não conseguimos dar às crianças educação e aos trabalhadores possibilidade de melhor emprego por falta de qualificação profissional, porque não foram educados. É um círculo vicioso”, concluiu.

OIT defende ações integradas em todos os níveis para vencer desafios

Para o oficial de projetos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Renato Mendes, a superação dos desafios impostos para a erradicação das piores formas de trabalho infantil no Brasil depende de uma ação proativa e integrada de organismos internacionais, órgãos públicos dos três Poderes e a sociedade civil, tendo como fio condutor a ética.

Um dos exemplos é o mapeamento da situação do trabalho infantil no Brasil, ação conjunta da OIT, do Ministério Público do Trabalho, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e do Ministério do Desenvolvimento Social. “O mapa mostra a situação epidêmica do trabalho infantil no Brasil por município, e serve de guia para orientar as ações”, destacou.

Com o georreferenciamento, identificaram-se as áreas mais críticas: o Semiárido, que abrange nove estados da Região Nordeste; as zonas de floresta, na Região Amazônica, que sofre com o avanço das madeireiras e do agronegócio; o campo, onde, nos últimos dez anos, estavam boa parte das 24 mil unidades escolares fechadas no país; e a periferia das grandes cidades. “A 15 km daqui, na Estrutural, crianças trabalham no lixão”, afirmou. “O Distrito Federal foi a unidade da Federação com maior crescimento do trabalho infantil. É inadmissível, do ponto de vista ético, que na capital do país convivamos de forma quase cega com essa situação”.

A municipalização revelada pelo mapa permite, por exemplo, a adoção de políticas descentralizadas e específicas, que identifiquem ativamente as crianças em situação inadequada. “Existem municípios com mais de 50% de trabalho infantil, e é ali que a política pública deve chegar”, defendeu. Mendes citou como exemplo de ação descentralizada, porém integrada, uma parceria da OIT na Bahia que identificou 14 mil crianças e adolescentes, proporcionando sua inserção em programas sociais.

Os desafios a serem vencidos, segundo o representante da OIT, são muitos, e incluem a conscientização do consumidor para a origem dos produtos consumidos, a adoção de políticas específicas para cada faixa etária na área da educação e no acesso ao mercado de trabalho, a regulamentação da terceirização (que precariza o trabalhador e deixa seus filhos em situação vulnerável).

(Mário Correia, Augusto Fontenele e Carmem Feijó / RA – Fotos: Felipe Sampaio)

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