No lugar de uma reforma tributária focada em mudança na Constituição, o jurista Ives Gandra Martins e Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, defendem um conjunto de 12 propostas que sugerem predominantemente alterações na legislação infraconstitucional. Em vez da substituição ou criação de tributos existentes, a ideia é a simplificação e desburocratização de processos e procedimentos. Para Everardo, propostas no sentido de simplificar o sistema tributário resultam em redução de custos ao contribuinte e também podem diminuir o contencioso tributário. “É preciso muito cuidado quando se fala em reformas.” Ele diz que há um mito quando se fala de complexidade do sistema tributário. “É preciso distinguir complexidade de operabilidade e mitigar as causas que agem em desfavor da operabilidade”, afirma Everardo. Entre as causas, cita a diversidade de alíquotas e de bases de cálculo, sobreposição de incidências e indeterminação de conceitos. Gandra destaca que a reforma tributária é importante, mas é discutida há décadas e não avança, apesar das boas propostas apresentadas.
Há, porém, uma simplificação do sistema tributário que pode ser feita em prazo mais curto, com mudanças na legislação infraconstitucional e que podem atacar principalmente a dificuldade de se cumprir as obrigações acessórias, o que reduz a possibilidade de autuações fiscais, segundo Gandra. A corrupção e a sonegação, diz ele, crescem com a complexidade da legislação. “Obrigações acessórias às vezes são mais preocupantes do que o pagamento do tributo.” Uma reforma tributária precisa ser estratégica, realista, focalizando problemas específicos e conferindo prioridade aos processos e procedimentos tributários, defende Everardo. Para ele, uma mudança do sistema de impostos deve contemplar ainda as grandes transformações que estão ocorrendo no mundo contemporâneo, como a globalização e a quarta revolução industrial, incluindo as moedas virtuais, inteligência artificial, novas matrizes energéticas e novas formas de trabalho e de comunicação.
É preciso também observar as mudanças em curso em outros países, segundo ele. “A França acabou com o imposto sobre grandes fortunas, a União Europeia optou por impostos sobre informação”, exemplifica. Além da simplificação de obrigações acessórias, a proposta também foca em melhora nos processos de emissão de documentos fiscais e do relacionamento com o Fisco. Das 12 propostas do anteprojeto, apenas uma trata de alteração constitucional, para garantir que nenhuma matéria tributária possa ser tratada via medida provisória. O anteprojeto também estabelece a anterioridade plena, para que apenas seja possível instituir ou majorar tributos se aprovado até 30 de junho do exercício anterior, juntamente com o orçamento. As demais 11 alterações sugeridas tratam de mudança infraconstitucional. O conjunto de propostas elaborado por Gandra e Everardo foi lançado nesta semana pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP).
Entre os anteprojetos, destaca-se o que acaba com o tratamento diferenciado adotado atualmente entre a cobrança de tributos vencidos por contribuintes e o pagamento de precatórios. Segundo a proposta, o contribuinte arca atualmente com multa, mora, juros e taxa Selic, e o Estado, ao efetuar pagamentos, além da demora na restituição ou ressarcimento, utiliza critérios diferenciados para pagar, sem aplicação dos mesmos encargos aos quais o contribuinte está submetido. O anteprojeto proposto para o assunto não define o cálculo que deve ser utilizado, mas destaca que deve ser o mesmo usado pelo contribuinte no momento do pagamento ao Fisco.
Outro anteprojeto constante da proposta refere-se à certidão negativa de débitos fiscais. A ideia é que a falta do documento não impeça que o contribuinte participe do processo licitatório aberto pelo setor público. Segundo a proposta, a impossibilidade de participar de licitações, para muitos contribuintes, significa a condenação de negócios de empresas que estão inadimplentes. Sem participar de licitações, as empresas perdem campo de atuação, o que dificulta a quitação de dívidas com fornecedores e também com o Fisco. Entre os demais anteprojetos, está o que sugere alterações para garantir a compensação universal de tributos no âmbito de cada ente federado e o que estabelece prazo máximo de 120 dias para solução de consultas ao Fisco.
Fonte: Valor