O governo colocou na Medida Provisória da Liberdade Econômica (MP nº 881) dispositivos para deixar mais claro para os empresários em quais ocasiões terão que responder pelas dívidas de empresas que administram ou nas quais são sócios. A ideia foi consolidar na lei a jurisprudência já firmada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas que muitas vezes não é aplicada em instâncias inferiores.
Gianluca Lorenzon, diretor federal de Desburocratização do Ministério da Economia, explicou em entrevista ao Valor que a medida relativa à chamada “confusão patrimonial” busca reduzir a insegurança jurídica, sobretudo para empresas de menor porte, que têm mais dificuldades de levar seus recursos em processos dessa natureza a instâncias superiores.
“Hoje, 70% dos juízes de primeira instância não aplicam a jurisprudência”, comentou Lorenzon. “A medida beneficia todo mundo, mas para as grandes empresas esse ganho é menor porque elas já têm mais capacidade de acessar os tribunais superiores”, completou o técnico do governo.
Segundo ele, a alteração no artigo 50 do Código Civil busca explicitar que os donos das empresas respondem com patrimônio em situações muito claras, em que se configure a intenção de fraudar credores. “Não tem nada polêmico. A jurisprudência não é controversa, mas para o pequeno empresário não estava claro”, disse. “A medida não mexe na legislação trabalhista, que se mantém íntegra”, acrescentou Lorenzon.
No mesmo artigo 50, o governo destaca que as empresas podem mudar sua atuação original ou expandir seu escopo de atuação sem que isso seja considerado “desvio de finalidade”.
Advogados ouvidos pelo Valor concordam que as alterações no artigo 50 dão maior previsibilidade e segurança jurídica. Eles destacam que agora fica explícito ser necessário que o sócio ou diretor tenha sido beneficiado direta ou indiretamente pelo abuso de personalidade jurídica da empresa, ou seja, ele precisa ter conseguido alguma vantagem na prática dos atos.
“Na prática, alguns juízes aplicam o artigo 50 em situações tributárias, junto com outras regras de responsabilização tributária que se inspiram nos conceitos do Código Civil”, diz Daniel Peixoto, sócio do escritório Machado Meyer Advogados.
Uma das regras trata justamente sobre grupos econômicos, que teve seu conceito mais detalhado agora, segundo o advogado. O STJ, afirma, afastava o grupo econômico para responsabilização tributária. Mais recentemente, o tribunal superior não tem entrado no mérito e a segunda instância tem decidido de forma variada. “Muitas vezes eles [juízes] admitem a ideia de grupo econômico e sem um critério muito claro”, diz.
Segundo o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, sócio sênior da Siqueira Castro e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ao explicitar na MP 881 as regras da desconsideração da personalidade jurídica, aumenta a segurança jurídica. Ele acrescenta que o Código Civil de 2002 não detalhou os conceitos de desvio de finalidade e confusão.
“O desvio de finalidade é o uso intencional da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores para praticar atos ilícitos. Não é um erro, mas uma fraude, por ser intencional. A confusão patrimonial é a ausência de separação de fato entre patrimônios”, diz.
A MP 881 trata também de dívidas civis, ou seja, relações entre empresas ou de sócios com a empresa. Aplica-se, por exemplo, a casos de recuperação judicial, de acordo com o advogado. O dispositivo, porém, não tem aplicação imediata em relações tributárias ou trabalhistas, acrescenta.
A tributarista Valdirene Franhani, do escritório Lopes Franhani Advogados, diz que a medida não afasta a aplicação do Código Tributário Nacional (CTN), que tem regras distintas das do Código Civil. “Para o redirecionamento de dívida tributária, as primeiras orientações estão no CTN, que já previa atos praticados com excesso de poder ou infração à lei para responsabilização de sócios”, afirma.
A advogada destaca o tratamento dado a grupo econômico na MP 881. A responsabilização de empresa que integra o mesmo grupo econômico tem sido comum, segundo a advogada. “Mas o STJ já havia decidido que a mera existência do grupo não justifica a responsabilização e redirecionamento de dívida tributária ou civil”, argumenta.
Ela lembra que na área trabalhista, por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz previsão diferente sobre grupo econômico. O texto afirma que sempre que uma ou mais empresas estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.
Fonte: Valor