Kátia Arruda diz que trabalho artístico infantil pode gerar danos irreparáveis

Autora de diversos trabalhos sobre Direitos Humanos e do Trabalho, a ministra do Tribunal Superior do Trabalho Kátia Magalhães Arruda fala sobre o trabalho artístico infantil. Influência de fatores econômicos e sociais, garantia dos direitos fundamentais, e consequências do trabalho precoce.  “O estresse permanente que envolve a atividade artística pode causar prejuízos psicológicos irreversíveis!” (Kátia Arruda)

O fator econômico é condicionante do trabalho infantil. A senhora acha que ele influencia, também, o trabalho artístico infantil?

Kátia Arruda – O fator econômico é predominante, mas não é o único. Sem dúvida a má distribuição de renda e a pobreza enfrentada nas famílias faz crescer o número de crianças trabalhadoras no Brasil e em qualquer lugar do mundo. Existem, entretanto, outros fatores que também podem interferir, tais como: a falta de oportunidades na comunidade onde residem essas crianças, a ausência ou má qualidade da educação escolar e a falta de outros estímulos favoráveis ao desenvolvimento da infância. Quando se trata do trabalho artístico, o fato econômico nem sempre é o predominante.

A legislação garante os direitos de jovens e crianças que trabalham em atividades artísticas?

Kátia Arruda – Há uma proteção constante da Lei 6533 de 1978 referente aos filhos de artistas em “atividade itinerante”, que terão assegurada a matrícula e vaga em escolas públicas de 1º e 2º graus, mas de modo geral não há regra específica sobre as relações laborais que venham a ser praticadas pelos pequenos artistas.

A convenção 138 da OIT, em seu artigo 8.1 prevê que a autoridade competente poderá conceder, por meio de permissões individuais, exceções à proibição de trabalhar, no caso de participação em representações artísticas. A questão referente às autorizações judiciais tem sido objeto de grande discussão no meio jurídico. O fato é que todas as regras de proteção constantes na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na CLT e legislação afim, também devem ser aplicadas ao trabalho artístico de crianças.

A legislação estabelece a idade mínima de 16 anos para o trabalho de jovens. Por que há crianças com idade inferior na televisão, cinema e espetáculos diversos?

Kátia Arruda – A idade mínima para o trabalho de crianças e adolescentes é de 16 anos, salvo na condição de aprendiz (a partir dos 14 anos), conforme estabelece o art. 7º, XXXIII da Constituição Federal. A realidade é que existem crianças com idade bem inferior trabalhando em espetáculos, devido a uma visão “glamourizada” do trabalho artístico, o que nem sempre corresponde ao real. Pesquisas mostram que as crianças sofrem também no trabalho artístico, a exemplo de gravação de cenas sucessivamente repetidas até à exaustão, como ocorre na televisão.

Enquanto a sociedade rejeita a exploração do trabalho de crianças em carvoarias, minas e outras atividades insalubres ou perigosas, costuma haver uma condescendência quanto ao trabalho na televisão. Resta saber se, a despeito da tolerância social, não persistem danos à saúde física e/ou psíquica, inclusive coma exposição à mídia, interferências em sua vida privada e, muitas vezes, atrapalhando sua vida escolar.

Na opinião da senhora, o trabalho infanto-juvenil artístico deve ser regulamentado ou abolido?

Kátia Arruda – Todo trabalho noturno, perigoso ou insalubre é proibido para os que tem idade menor que dezoito anos, conforme diz textualmente o art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, preceito que, aliás, está em consonância com a Convenção Internacional nº 138 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). O artigo 405 da CLT, por sua vez, também proíbe o trabalho em locais ou serviços prejudiciais à saúde e à moralidade.

O trabalho dito “artístico” que esteja inserido em qualquer das hipóteses acima é ilegal e deve ser abolido. Algumas atividades que visam a preservação da cultura local, por exemplo, brincadeiras artísticas como o “bumba meu boi” no Norte e Nordeste, sem relação profissional ou fins lucrativos, não são, em geral, consideradas como trabalho.

Quando se trata de trabalho efetivo, em rádio, televisão, teatro ou outras atividades similares, desde que não haja prejuízo à saúde e a moralidade, deve seguir os limites constitucionais de idade mínima (dezesseis anos) e, ocorrendo a excepcional situação de trabalho com idade inferior, devem ser analisadas todas as circunstâncias específicas, para evitar a exploração e exposição das crianças, de modo que prevaleça sua proteção com prioridade absoluta.

Devo ressaltar que a possibilidade de permissão, mesmo que excepcional, do trabalho de crianças e adolescentes menores de 16 anos em atividades artísticas, não é unânime, embora prevista em Convenção Internacional, havendo ressalvas inclusive de minha parte. 

Quais as consequências do trabalho precoce na vida de crianças e adolescentes?

Kátia Arruda – O estresse permanente que envolve a atividade artística, aliado às obrigações contratuais com horários, regras, além da possibilidade de exposição a diversos fatores de risco podem causar prejuízos psicológicos irreversíveis. Além disso, é comum o abandono ou descontinuidade escolar com defasagem na aprendizagem.

A criança trabalhadora sofre todo tipo de pressão, semelhante a um adulto, sem ter, no entanto, a maturidade e a experiência necessária, causando vários transtornos, ambiguidades, além de percepções destorcidas da realidade, motivos que entendo como suficientes para restringir esse tipo de atividade. “Criança da IBOPE”. Já foi comprovado que a aparição de crianças em propagandas rende maior atenção ao produto que está sendo anunciado e em busca do lucro, muitas crianças são exploradas.

 

Por que as autorizações para o trabalho artístico infantil são expedidas pelas Varas da Infância e Juventude e não pela Justiça do Trabalho, como estabelece a EC 45? Como garantir , aos artistas mirins, o direito à proteção integral?

Kátia Arruda – Entendo que as autorizações de que trata o art. 8.1 da Convenção da OIT devem ser interpretadas com alguns parâmetros. A autoridade competente deve ser uma autoridade do judiciário trabalhista, em cumprimento ao art. 114, I da Constituição Federal de 1988; o trabalho deve limitar-se a atividades ou manifestações artísticas; devem ser estabelecidas as premissas de proteção física, psicológica e social, principalmente a garantia de não prejuízo à frequência escolar e ao desenvolvimento das atividades de lazer.

Penso que o juiz do trabalho, com a missão social que lhe é inerente e com todo o arcabouço de conhecimento que tem e com sua experiência profissional, é a melhor autoridade para analisar cada caso, com seus limites e repercussões. De qualquer modo, a proteção à criança deve ser prioritária, sob pena de retirar-lhe o tempo destinado ao lazer, à educação, ou simplesmente, ao desenvolvimento do “ser criança”.

(Lourdes Cortes)

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