ICMS. Prestação de serviço de transporte em exportação para o exterior do país. Transporte no território nacional até o porto de embarque. Hipótese não alcançada pela imunidade. Isenção heterônoma. Pró-cargas. Exclusão do benefício.
1. A isenção concedida à prestação de serviço de transporte, no território nacional, de mercadorias exportadas para o exterior, conforme art. 3°, II, da Lei Complementar 87/96 afasta o aproveitamento do crédito presumido previsto no art. 266 do Anexo 6 do RICMS-SC, por força da regra inserta no inciso II do parágrafo único do mesmo dispositivo;
2. Porém, considerando que constitui forma alternativa e simplificada de apuração do imposto a recolher, pode ser mantido o crédito presumido previsto no art. 25, XIII, do Anexo 2.
Disponibilizado na página da SEF em 10/05/2012
01 – DA CONSULTA
A consulente, empresa dedicada ao ramo de transporte rodoviário de cargas, informa que apura o ICMS na modalidade de utilização de crédito presumido, conforme arts. 264 a 269 do Anexo 6 do RICMS.
A consulta trata da utilização cumulativa do crédito presumido de 40% (Pró-Cargas) e do benefício previsto no art. 5°, XIII, do Anexo 2, nas operações de transporte de mercadorias para os portos com a finalidade de exportação, onde o ICMS é isento.
A autoridade fiscal, informação a fls. 35, verificou o cumprimento dos requisitos formais para formulação de consulta.
02 – LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal, art. 155, § 2°, I e II;
Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, arts. 3°, II, e 20, § 3°;
RICMS-SC, aprovado pelo Decreto 2.870, de 27 de agosto de 2001, Anexo 2, arts. 5°, XIII e 25, XIII; e Anexo 6, arts. 264 e 269.
03 – FUNDAMENTAÇÃO E RESPOSTA
O direito ao crédito do ICMS radica em sede constitucional, regendo-se pelo disposto nos incisos I e II do § 2° do art. 155 da Lei Maior: o imposto (i) será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; e (ii) a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, (a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; e (b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
O “crédito” do imposto nada mais é que o próprio ICMS que onerou as operações e prestações anteriores, vocacionado exclusivamente à compensação do imposto devido pelas operações ou prestações próprias do contribuinte. Assim, o “crédito” realiza o princípio da não-cumulatividade, como característica própria do imposto. Como corolário dessa “vocação”, a operação ou prestação subseqüente isenta ou não tributada impede a apropriação do crédito, salvo disposição em contrário da legislação.
A expressão “legislação tributária”, conforme comando contido no art. 96 do CTN, compreende, não só a lei, mas todos os atos normativos, inclusive decretos, regulamentos e portarias de secretário de Estado que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a ele pertinentes.
O art. 3°, II, da Lei Complementar 87/96, dispõe que “o imposto não incide sobre operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços”. Ao se referir a prestações que destinem ao exterior mercadorias ou serviços, o legislador complementar incluiu na isenção o transporte da mercadoria até o porto de embarque para exportação. Observe-se que a Constituição não incluiu o transporte na imunidade (CF, art. 155, § 2°, X, a). Portanto, trata-se da imunidade dita heterônoma (isenção instituída por pessoa diversa da que detém a competência para instituir o tributo).
A competência da União para, mediante lei complementar, instituir isenção heterônoma de tributos estaduais foi reconhecida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 212.637 MG: “III. – Deixou expresso a C.F., art. 155, § 2º, XII, ‘e’, que as prestações de serviços poderão ser excluídas, nas exportações para o exterior, mediante lei complementar”.
Com efeito, o tributo estadual passou a não incidir sobre o transporte da mercadoria estadual, a partir da edição da Lei Complementar 87/96, conforme mansa e pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, REsp 418.957 MT, da Primeira Turma, e REsp 613.785 RO, da Segunda Turma (RDDT 122: 149): “2. O art. 3°, II da LC 87/96 dispôs que não incide ICMS sobre operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, de modo que está acobertado pela isenção tributária o transporte interestadual dessas mercadorias”. Do voto da Relatora, Min. Eliana Calmon, destacamos a seguinte passagem:
“Para demonstrar que a interpretação literal pretendida é inaceitável, aliás, basta notar-se que seria inteiramente inútil a norma de isenção que tivesse apenas o efeito de excluir o imposto das prestações de serviços de transporte internacional, vale dizer, que iniciam no Brasil e terminam no exterior, em face da própria norma constitucional atributiva da competência tributária. Realmente, a Constituição atribui competência aos Estados para tributarem serviços de transportes intermunicipais e interestaduais. Não podem ser tributados, pois, os serviços de transporte internacionais”.
“….”
“É evidente, portanto, que não teria sentido uma norma expressamente excludente da tributação, para afastar o imposto somente daquelas operações que naturalmente, pela própria norma atributiva de competência, não podem ser por este alcançadas”.
A própria Lei Complementar 87/96, outrossim, encarregou-se de assegurar o direito à manutenção do crédito: dispõe o § 3° do art. 20 do referido pergaminho que é vedado o crédito relativo a prestação de serviços feita ao estabelecimento, para comercialização, quando a saída subseqüente não for tributada ou estiver isentas do imposto, exceto a destinada ao exterior. A contrario sensu, quando a mercadoria for destinada ao exterior (imune), fica assegurada a manutenção do crédito relativo à prestação de serviço (transporte).
Contudo, discute-se nessa consulta, crédito presumido, concedido em substituição do crédito efetivo do imposto, na prestação de serviço de transporte rodoviário de cargas. Pergunta-se: a manutenção do crédito relativo ao transporte de mercadoria exportada para o exterior do País compreende esse crédito presumido?
Na verdade, a legislação prevê dois créditos presumidos nessa hipótese. O primeiro está previsto no art. 25, XIII, do Anexo 2 do RICMS-SC e tem por supedâneo o Convênio ICMS 106/96: “os estabelecimentos prestadores de serviço de transporte, em substituição aos créditos efetivos do imposto, observado o disposto no art. 23, poderão optar por um crédito presumido de 20% (vinte por cento) do valor do ICMS devido na prestação”.
Contudo, o art. 266 do Anexo 6 do RICMS-SC, com fundamento na Lei 13.790/2006 (Pró-Cargas), veio a conceder um crédito presumido, em substituição aos créditos efetivos do imposto, substancialmente maior, de 40% (quarenta por cento) do imposto devido na prestação de serviço de transporte exclusivamente de cargas. O inciso I do parágrafo único desse artigo, porém, dispõe que o referido benefício “não se aplica cumulativamente com qualquer outro” previsto no Regulamento.
Ora, o Supremo Tribunal Federal (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 481.314 RS; RDDT 183: 148) já decidiu que por tratar-se de regime alternativo e opcional para apuração do imposto, constituiria exceção admitida ao direito de crédito:
“2. Situação peculiar. Regime alternativo e opcional para apuração do tributo. Concessão de benefício condicionada ao não-registro de crédito. Pretensão voltada à permanência do benefício, cumulado ao direito de registro de créditos proporcionais ao valor cobrado. Impossibilidade. Tratando-se de regime alternativo e facultativo de apuração do valor devido, não é possível manter o benefício sem a contrapartida esperada pelas autoridades fiscais, sob pena de extensão indevida do incentivo”.
Por conseguinte, depreende-se que o crédito presumido substitui, para todos os efeitos, o crédito efetivo (i.e. o imposto que onerou a entrada dos insumos utilizados no transporte), considerando-se a dificuldade de determinar quais insumos dão direito ao crédito e quais podem ser apropriados, já que o sujeito ativo tributário depende do local em que tenha início a prestação.
Em síntese, como o direito ao crédito correspondente ao imposto que onerou as entradas de mercadorias ou insumos – como já salientado – tem assento constitucional, então a vedação a esse crédito somente poderá ser considerada legítima se o crédito presumido (ou a redução da base de cálculo) caracterizar modalidade alternativa de apuração do imposto a recolher e se sua adoção for facultativa para o sujeito passivo.
Se o tratamento tributário previsto no art. 25, XIII, do Anexo 2 pode ser entendido como forma alternativa e simplificada de apuração do imposto, o mesmo não pode ser dito do disposto no art. 266 do Anexo 6, que constitui declaradamente incentivo fiscal para o setor de transporte de cargas. Com efeito, o art. 264 desse Anexo dispõe textualmente que o tratamento tributário previsto para o setor de transporte de cargas (Pró-Cargas) “tem por objetivo fomentar o desenvolvimento da atividade, mediante tratamento tributário especial no campo do imposto”.
Por outro lado, podemos afirmar que o tratamento previsto no art. 25, XIII, do Anexo 2 está contido no tratamento previsto no art. 266 do Anexo 6. Somente por essa razão pode-se admitir que o tratamento referido exclua o aproveitamento dos créditos efetivos do imposto, a despeito da regra do art. 155, § 2°, I, da Constituição Federal.
Por conseguinte, como o crédito não é cumulativo com qualquer outro benefício – no caso, com a isenção prevista no 3°, II, da Lei Complementar 87/96 -, fica vedado o aproveitamento do crédito presumido previsto no art. 266 do Anexo 6, no que exceder o crédito presumido a que se refere o art. 25, XIII, do Anexo 2. A manutenção do crédito presumido deve-se ao seu caráter substitutivo dos crédito efetivos, sobre cuja manutenção não paira dúvida.
Posto isto, responda-se à consulente:
a) a isenção concedida à prestação de serviço de transporte, no território nacional, de mercadorias exportadas para o exterior, conforme art. 3°, II, da Lei Complementar 87/96 afasta o aproveitamento do crédito presumido previsto no art. 266 do Anexo 6 do RICMS-SC, por força da regra inserta no inciso I do parágrafo único do mesmo dispositivo;
b) porém, considerando que constitui forma alternativa e simplificada de apuração do imposto a recolher, pode ser mantido o crédito presumido previsto no art. 25, XIII, do Anexo 2.
À superior consideração da Comissão.
Copat, em Florianópolis, 4 de abril de 2012.
VELOCINO PACHECO FILHO
AFRE – matr. 184244-7
De acordo. Responda-se à consulta nos termos do parecer acima, aprovado pela Copat na Sessão do dia 19 de abril de 2012.
A resposta à presente consulta poderá, nos termos do art. 11 da Portaria SEF 226/2001, ser modificada a qualquer tempo, por deliberação desta Comissão, mediante comunicação formal à consulente, em decorrência de legislação superveniente ou pela publicação de Resolução Normativa que adote diverso entendimento.
MARISE BEATRIZ KEMPA
Secretária Executiva
CARLOS ROBERTO MOLIM
Presidente da COPAT