(DOU de 04/09/2014)
Assunto. NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO.
REVISÃO E RETIFICAÇÃO DE OFÍCIO – DE LANÇAMENTO E DE DÉBITO CONFESSADO, RESPECTIVAMENTE – EM SENTIDO FAVORÁVEL AO CONTRIBUINTE. CABIMENTO. ESPECIFICIDADES.
A revisão de ofício de lançamento regularmente notificado, para reduzir o crédito tributário, pode ser efetuada pela autoridade administrativa local para crédito tributário não extinto e indevido, no caso de ocorrer uma das hipóteses previstas nos incisos I, VIII e IX do art. 149 do Código Tributário Nacional – CTN, quais sejam: quando a lei assim o determine, aqui incluídos o vício de legalidade e as ofensas em matéria de ordem pública; erro de fato; fraude ou falta funcional; e vício formal especial, desde que a matéria não esteja submetida aos órgãos de julgamento administrativo ou já tenha sido objeto de apreciação destes.
A retificação de ofício de débito confessado em declaração, para reduzir o saldo a pagar a ser encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN para inscrição na Dívida Ativa, pode ser efetuada pela autoridade administrativa local para crédito tributário não extinto e indevido, na hipótese da ocorrência de erro de fato no preenchimento da declaração.
REVISÃO DE DESPACHO DECISÓRIO QUE NÃO HOMOLOGOU COMPENSAÇÃO, EM SENTIDO FAVORÁVEL AO CONTRIBUINTE.
A revisão de ofício de despacho decisório que não homologou compensação pode ser efetuada pela autoridade administrativa local para crédito tributário não extinto e indevido, na hipótese de ocorrer erro de fato no preenchimento de declaração (na própria Declaração de Compensação – Dcomp ou em declarações que deram origem ao débito, como a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF e mesmo a Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ, quando o crédito utilizado na compensação se originar de saldo negativo de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ ou de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL), desde que este não esteja submetido aos órgãos de julgamento administrativo ou já tenha sido objeto de apreciação destes.
COMPETÊNCIA PARA EFETUAR A REVISÃO DE OFÍCIO.
Compete à autoridade administrativa da unidade da RFB na qual foi formalizada a exigência fiscal proceder à revisão de ofício do lançamento, inclusive para as hipóteses de tributação previdenciária.
REVISÃO DE OFÍCIO – ATO INSTRUMENTO DA REVISÃO.
O despacho decisório é o instrumento adequado para que a autoridade administrativa local efetue a revisão de ofício de lançamento regularmente notificado, a retificação de ofício de débito confessado em declaração, e a revisão de ofício de despacho decisório que decidiu sobre reconhecimento de direito creditório e compensação efetuada.
RECORRIBILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA EM REVISÃO DE OFÍCIO.
A revisão de ofício nas hipóteses aqui tratadas não se insere nas reclamações e recursos de que trata o art. 151, III, do CTN, regulados pelo Decreto nº 70.235, de 1972, tampouco se aplica a ela a possibilidade de qualquer outro recurso. Todavia, este posicionamento não deve ser aplicado para os casos de reconhecimento de direito creditório e de homologação de compensação alterados em virtude de revisão de ofício do despacho decisório que tenha implicado prejuízo ao contribuinte. Nesses casos, em atenção ao devido processo legal, deve ser concedido o prazo de trinta dias para o sujeito passivo apresentar manifestação de inconformidade e, sendo o caso, recurso voluntário, no rito processual do Decreto nº 70.235, de 1972, enquadrando-se o débito objeto da compensação no disposto no inciso III do art. 151 do CTN.
EXISTÊNCIA DE AÇÃO JUDICIAL COM O MESMO OBJETO DA REVISÃO DE OFÍCIO.
A revisão de ofício não é obstada pela existência de ação judicial com o mesmo objeto. Todavia, advindo decisão judicial transitada em julgado, somente esta persistirá, em face da prevalência da coisa julgada e da jurisdição única.
RECORRIBILIDADE EM SEDE DE EXECUÇÃO DE JULGADO ADMINISTRATIVO.
Na execução de decisão de órgão julgador administrativo, observam-se rigorosamente os limites materiais estabelecidos por este, inclusive quanto aos valores reivindicados pelo contribuinte, se sobre eles o órgão já houver se manifestado e declarado objetivamente no julgado; todavia, se no ato de execução do acórdão pela autoridade local houver discordância do contribuinte quanto aos valores apurados, e sobre os quais o órgão julgador não tenha se manifestado, devolvem-se os autos do processo às mesmas instâncias julgadoras, a fim de ser julgada a controvérsia quanto aos valores, sob o rito do Decreto nº 70.235, de 1972, não tendo que se falar em decurso do prazo de que trata o §5º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996;
Não ocorre preclusão administrativa para fins de aferir o valor correto do crédito pleiteado pelo contribuinte, em fase de execução de julgado favorável a este, o qual não contenha manifestação sobre o aspecto quantitativo, quer seja por ser esta fase o momento processual oportuno, quer seja pelo princípio da indisponibilidade do interesse público.
Dispositivos Legais. arts. 141, 145 e 149, incisos I, VIII e IX, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN); art. 37 da Constituição Federal; arts. 53, 63, §2º, 64-B, 65 e 69 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999; art. 77 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1966; arts. 4º e 39 a 43 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993; art. 19, § 7º da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; arts. 42 e 59 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; art. 11, § 5º do Decreto-Lei nº 5.844, de 1943; art. 302, inciso I, da Portaria MF nº 203, de 17 de maio de 2012; Portaria RFB nº 379, de 27 de março de 2013; IN RFB 1.396, de 16 de setembro de 2013; Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 1, de 12 de maio de 1999.
e-processo 10166.729961/2013-93
Relatório
Trata-se de analisar questões processuais específicas e frequentes no âmbito do processo administrativo tributário federal, divididas em três partes, quais sejam: a) revisão e retificação de ofício – de lançamento de ofício e de débito confessado em declaração, respectivamente –, em prol do contribuinte, e assim reduzir créditos tributários constituídos; b) revisão de ofício, em prol do contribuinte, de despacho decisório em sede de compensação tributária; e c) recorribilidade em sede de execução de julgado administrativo, no que toca à apuração de cálculos.
2. A primeira parte trata de revisão e retificação de ofício – de lançamento e débito confessado em declaração, respectivamente –, em prol do contribuinte, e subdivide-se em dois tópicos: o primeiro, sobre a possibilidade de se promover revisão de ofício de lançamento regularmente notificado; no segundo, sobre retificação de ofício de débito confessado em declaração apresentada pelo sujeito passivo.
3. A segunda parte, também subdividida em dois tópicos, aborda a revisão de ofício de despacho decisório. Primeiramente, do despacho decisório não homologatório de compensação declarada e, em seguida, tratar-se-á do direito recursal do contribuinte em caso de revisão de ofício – desta feita em seu prejuízo – de despacho decisório que a princípio lhe havia sido favorável. Em relação às duas primeiras partes, serão tratados seus limites, a autoridade competente e o instrumento adequado para a sua efetivação.
4. A terceira – e última – parte tratará da recorribilidade em face de decisão da autoridade local que conclua pela inexistência de direito creditório, total ou parcial, a ser restituído ao contribuinte, em fase de execução de julgado administrativo favorável ao contribuinte, mas dependente de apuração de cálculos.
5. Cumpre frisar que as posições aqui firmadas são fruto da reanálise de manifestações já exaradas pela Coordenação-Geral de Tributação – Cosit, quais sejam, a Solução de Consulta Interna Cosit nº 32, de 30 de novembro de 2010; Nota Cosit nº 2, de 4 de janeiro de 2011; a Solução de Consulta Interna Cosit nº 18, de 3 de agosto de 2012; e a Nota Técnica Cosit nº 9, de 10 de maio de 2013.
Fundamentos
REVISÃO DE OFÍCIO DE LANÇAMENTO E RETIFICAÇÃO DE OFÍCIO DE DÉBITO CONFESSADO EM DECLARAÇÃO
6. De início, é devido estabelecer uma diferenciação entre a revisão do lançamento efetuada pela autoridade administrativa prevista no art. 145 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN) e a retificação de ofício de débito confessado em declaração apresentada pelo sujeito passivo. A revisão de ofício de lançamento pressupõe que este tenha sido regularmente notificado, o que não é o caso das declarações em que o sujeito passivo confessa ser devedor de tributos, como ocorre nas várias declarações apresentadas ao Fisco, nas quais não há esta notificação por parte de autoridade competente.
7. Em vista disto, efetuar-se-á o estudo da revisão de ofício de lançamento regularmente notificado em separado do relativo à retificação de ofício de declarações apresentadas pelo sujeito passivo.
Revisão de ofício de lançamento regularmente notificado
8. O art. 145 do CTN estabelece de forma taxativa as hipóteses em que o lançamento pode ser alterado, quais sejam: i) impugnação; ii) recurso de ofício; e iii) iniciativa de ofício da autoridade administrativa nos casos previstos no art. 149 do mesmo código. Vê-se, assim, que há regulação específica para a matéria, razão pela qual já se afasta, de pronto, a aplicação do §2º do art. 63 e do art. 65 da Lei nº 9.784, de 1999, na linha do art. 69 da mesma Lei.
9. Percebe-se que a única previsão de alteração de lançamento por iniciativa do sujeito passivo contida no CTN é a decorrente de impugnação (insurgência regulada pelo Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972 – Processo Administrativo Fiscal – PAF). Para os demais casos, seja no recurso de ofício (previsão no inciso II do art. 25 do PAF), seja na revisão de ofício com base no art. 149 do CTN, a alteração do lançamento anteriormente efetuado independe de qualquer iniciativa ou providência do sujeito passivo. Este o significado da atuação de ofício.
10. Mas, cabe suscitar – na hipótese de o sujeito passivo não ter exercido o seu direito de impugnação (revel) previsto no inciso I do art. 145 do CTN, ou, no caso de tê-lo exercido, com consequente decisão definitiva na esfera administrativa, nos termos do art. 42 do PAF, total ou parcialmente desfavorável – a possibilidade de o interessado vir a apresentar petição com apontamento para questões outras que, a seu ver, são justificadoras da improcedência do lançamento efetuado, se é possível de esta ser apreciada pela autoridade administrativa, por meio de revisão de ofício do lançamento.
11. Certo que a petição formalizada não poderá ser recebida como impugnação, seja por ser intempestiva (cfr. Ato Declaratório Normativo Cosit nº 15, de 12 de julho de 1996), seja porque o direito ao contencioso administrativo já foi exercido pelo sujeito passivo. Contudo, tendo a autoridade administrativa diante de si possível inconsistência no lançamento, não pode se furtar à revisão deste se ocorrer alguma das hipóteses previstas no CTN, justificadoras de revisão de ofício.
12. Tal possibilidade de revisão pela autoridade administrativa, mesmo em caso de já ter havido decisão definitiva na esfera administrativa em função de contencioso administrativo instaurado pelo contribuinte (preclusão administrativa ou preclusão de efeitos internos), com base no inciso I do art. 145 do CTN, é apresentada por Marcos Vinícius Neder e Maria Teresa Martinez Lopes (Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado – 3ª Ed. 2010, pág. 360), que deixam evidente a restrição à revisão aos casos autorizados no CTN (art. 149):
Por ser a definitividade da decisão administrativa decorrente de mera preclusão processual, esse ato tem efeito inteiramente distinto do que se opera com o trânsito em julgado judicial. A sentença judicial cria norma individual e concreta com eficácia vinculativa plena para as partes envolvidas no litígio, sendo imutável mesmo fora do processo em que foi conferida. (…). A preclusão, por sua vez, é um instituto eminentemente processual e não atinge o direito material sob litígio, só produzindo efeitos extintivos no âmbito do processo em que é alegada, ou seja, o interessado continua titular do direito material, apenas perdeu a faculdade de exercê-lo no processo. A possibilidade de revisão do ato quando se fala em preclusão é muito mais ampla do que na coisa julgada, tanto que o contribuinte pode ingressar em Juízo pedindo anulação do lançamento fiscal já considerado procedente por decisão final no processo administrativo, como também, por força do princípio da legalidade, procede-se a auto-revisão – mas, com limites – do lançamento pela Administração (CTN, art. 149)
13. O atual Regimento Interno da Receita Federal do Brasil – RIRFB, aprovado pela Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012, em seu inciso I do art. 302, na linha dos regimentos anteriores, prevê a possibilidade de o contribuinte “pedir” a revisão de ofício e, ao distribuir competências, estabelece ser o Delegado ou Inspetor-Chefe da unidade local da RFB a autoridade administrativa competente para proceder à revisão de ofício do lançamento na ocorrência de alguma hipótese autorizadora dentre as estabelecidas no art. 149 do CTN:
Art. 302. Aos Delegados da Receita Federal do Brasil e Inspetores-Chefes da Receita Federal do Brasil incumbem, no âmbito da respectiva jurisdição, as atividades relacionadas com a gerência e a modernização da administração tributária e aduaneira e, especificamente:
I – decidir sobre a revisão de ofício, a pedido do contribuinte ou no interesse da administração, inclusive quanto aos créditos tributários lançados, inscritos ou não em Dívida Ativa da União;
14. Verificada a possibilidade de revisão de ofício de lançamento pela autoridade administrativa local, nas hipóteses taxativamente estabelecidas no art. 149 do CTN (conforme doutrina e jurisprudência predominantes), ainda que em decorrência de provocação por parte do sujeito passivo, cabe agora definir quais seriam estas hipóteses:
Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.
(…)
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
I – impugnação do sujeito passivo;
II – recurso de ofício;
III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.
(…)
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I – quando a lei assim o determine;
II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
15. Como salientado por Alberto Xavier (Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 241), tal dispositivo se refere simultaneamente a “duas situações jurídicas distintas: a definição dos casos em que o ato primário de lançamento pode ser praticado de ofício e a definição dos casos em que o ato primário de lançamento, uma vez praticado, pode ser revisto por um ato secundário da Administração, praticado no reexercício do poder administrativo de lançar”.
16. Este ato secundário não é restrito às hipóteses de majoração do tributo, mas também para as situações que favoreçam o sujeito passivo. Este posicionamento está em consonância com o entendimento do jurista Leandro Paulsen (Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 15. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, Esmafe, 2013. p. 1063), cujos comentários se transcrevem abaixo:
A regra do parágrafo único visa a proteger o contribuinte contra revisões do lançamento que venham a lhe onerar mediante elevação do montante do crédito tributário. Estabelece, assim, que o Fisco tem o prazo decadencial para constituir o seu crédito, seja originariamente, seja mediante revisão de lançamento anterior. O prazo corre contra o Fisco.
Não há que se entender, assim, que tal parágrafo impeça o fisco de revisar lançamento feito a maior, de modo a beneficiar o contribuinte mediante diminuição do crédito tributário para sua adequação à legislação válida aplicável. Isso pode decorrer tanto por força de lei como de decisão judicial, ou mesmo simples verificação administrativa à luz de documentos novos apresentados pelo contribuinte.
17. Frise-se, todavia, que, a revisão de ofício do lançamento não poderá adentrar em matéria que esteja submetida ou já tenha sido apreciada no contencioso administrativo (por Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento – DRJ ou pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF), uma vez que a competência regimental da autoridade administrativa da unidade local para decidir sobre revisão de ofício (art. 302, I, do RIRFB), além de não estar calcada em competência legal específica do PAF para rever decisão daqueles órgãos, tem sua atuação limitada pela própria definitividade da decisão administrativa de que trata o art. 42 do PAF. Essa restrição não se confunde com a possibilidade de o próprio órgão julgador proceder conforme o art. 32 do PAF.
18. Isso decorre de uma interpretação sistemática que leva em conta inexistir hierarquia normativa entre lei complementar (CTN) e lei ordinária (PAF), e que, a despeito de também não haver hierarquia administrativa entre autoridade lançadora (na DRF) e julgadora (nas DRJs e CARF), mas, sim, distinção de competências, não se pode negar que no campo do julgamento administrativo também há uma hierarquia jurisdicional (prevalência da eficácia das decisões dos órgãos ad quem). A possibilidade contida no art. 149 do CTN não é tão ampla a ponto de contrapor por completo o disposto no art. 42 do PAF. Ressalve-se a hipótese de direito superveniente vinculante para a Administração (tratados adiante) – como as súmulas vinculantes (observada eventual modulação de efeitos) e pareceres ministeriais, por exemplo – que tenha findado controvérsia jurídica, uma vez que a decisão definitiva na esfera administrativa não tem a força de uma decisão judicial transitada em julgado, e a manutenção de uma decisão administrativa em sentido contrário ao novo entendimento fixado não mais atenderia a estabilidade da relação jurídica que em princípio se buscava preservar (princípio da segurança jurídica), pois, ao contrário, levaria a desnecessário litígio judicial. Faz-se valer, assim, “o prestígio aos princípios da legalidade, da eficiência, da moralidade (art. 37, caput, da CR/88), da autotutela e da economicidade”, conforme se depreende do Parecer PGFN/CRJ/CDA/Nº 1.437/2008, que tratou de diversos aspectos jurídicos atinentes à repercussão da Súmula Vinculante nº 8 e da inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei nº 1.569, de 1977, e dos artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212, de 1991, sobre a atividade de cobrança administrativa e judicial dos créditos tributários por parte da União.
19. Passa-se agora à apreciação das situações listadas no art. 149 do CTN com o objetivo de identificar quais, dentre elas, autorizam a revisão de ofício de lançamento anteriormente efetuado. Conforme dito, tal dispositivo trata tanto de hipóteses que ensejam lançamento de ofício, quanto de hipóteses que autorizam a revisão de ofício.
20. As hipóteses de revisão previstas no art. 149 do CTN são as presentes nos incisos I, VIII e IX, sendo que para os dois últimos dispositivos, nos quais há referência expressa a lançamento anteriormente notificado, assim se posiciona Alberto Xavier, na obra já citada, que considera serem três as hipóteses de revisão do lançamento: i) fraude ou falta funcional; ii) omissão de ato ou formalidade essencial (vício de forma); e iii) existência de fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior (erro de fato). Segundo ele, estas hipóteses correspondem a vícios do lançamento autorizadores da sua anulação ou reforma mediante revisão de ofício por parte da autoridade administrativa, conforme se anota a seguir:
São três os fundamentos da revisão do lançamento: (i) a fraude ou falta funcional da autoridade que o praticou; (ii) a omissão de ato ou formalidade essencial; (iii) a existência de fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior. Pode, assim, dizer-se que os vícios que suscitam a anulação ou reforma do ato administrativo de lançamento são a fraude, o vício de forma e o erro.
(…)
Tem feito, entre nós, correr rios de tinta a questão de saber se apenas o “erro de fato” é fundamento da revisão do lançamento ou se também é invocável o “erro de direito”.
(…)
O verdadeiro fundamento da limitação da revisão do lançamento à hipótese de erro de fato resulta do caráter taxativo dos motivos da revisão do lançamento enumerados no artigo 149 do Código Tributário Nacional e que, como vimos, são, além da fraude e do vício de forma, dever apreciar-se “fato não conhecido ou não provado por ocasião de lançamento anterior” (inciso VIII).
Significa isto que, se só pode haver revisão pela invocação de novos fatos e novos meios de prova referentes à matéria que foi objeto de lançamento anterior, essa revisão é proibida no que concerne a fatos completamente conhecidos e provados.
O erro de fato é fundamento legítimo da revisão com base no inciso VIII do artigo 149, pois a descoberta de “novos fatos” e “novos meios de prova” revelou a falsa representação ou ignorância da realidade no que concerne ao objeto do lançamento anterior.
21. Sinteticamente, tem-se como erro de fato aquele relacionado ao “conhecimento da existência de determinada situação”, que “reclama o desconhecimento de sua existência ou a impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito tributário”; enquanto o erro de direito é “consistente naquele que decorre do conhecimento e da aplicação incorreta da norma”, um “equívoco na valoração jurídica dos fatos” (STJ: AgRg no Recurso Especial nº 1.347.324 – RS, DJe: 14/08/2013; Recurso Especial nº 1.130.545 – RJ, DJe: 22/02/2011).
22. Ao tratar do erro de fato, a lei não fez nenhuma distinção quanto à sua causa, se motivada por falha do Fisco ou se por ação ou omissão do contribuinte, de modo que, neste inciso, inexiste o requisito de imputação de culpa a balizar a revisão de ofício. Note-se que em sede judicial este aspecto se presta para definir a imputação do ônus pelo pagamento de honorários advocatícios, sem que influa, todavia, no direito material, uma vez que se imporá a extinção da execução fiscal em virtude de cancelamento do débito por erro de fato, conforme se extrai do contido no Parecer PGFN/CAT/Nº 591/2014, de 17 de abril de 2014, que concluiu que “a melhor interpretação quanto à correção do erro no lançamento previsto no art. 149, inciso VIII do CTN, em função de fato não conhecido ou não provado na ocasião do lançamento, é de que esse erro deve ser entendido em sua concepção mais ampla, relativa ao fato como um todo que ensejou a incidência, incluindo aquele decorrente da não apresentação tempestiva de documentos legítimos que alterem o montante devido, devendo a administração promover a correção do erro, ainda que tenha sido ocasionado pelo administrado.”
23. A revisão de ofício, entretanto, também deve se operar quando se estiver diante de um vício de legalidade e em matéria de ordem pública.
24. A Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal (STF) assentou que a Administração pode anular seu atos quando contenham vícios que o tornam ilegais:
A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
25. Tal orientação restou positivada, agora como dever, na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, no seguinte artigo:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
26. Esta disposição está calcada nos princípios da legalidade, moralidade e eficiência administrativa. Ocorre que aí está a se tratar de vício de legalidade, assim entendido como aquele que torna o ato nulo.
27. Na linha clássica de Hely Lopes Meirelles são requisitos do ato administrativo: competência, objeto, motivo, finalidade e forma. Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, afirma que os requisitos são condições necessárias à existência e validade de um ato administrativo. Para este, “nulos são os atos que não podem ser convalidados, entrando nessa categoria: os atos que a lei assim o declare; os atos em que é materialmente impossível a convalidação, pois se o mesmo conteúdo fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior (é o que ocorre com os vícios relativos ao objeto, à finalidade, ao motivo, à causa); seriam anuláveis os que a lei assim declare; os que podem ser praticados sem vício (é o caso dos praticados por sujeito incompetente, com vício de vontade, com defeito de formalidade)”.
28. Todavia, na seara tributária federal, o descumprimento do requisito de competência também implica nulidade (art. 59 do Decreto nº 70.235, de 1972, que também trata da preterição do direito de defesa) e, portanto, enseja revisão de ofício. Já para o requisito da formalidade, o inciso IX do art. 149 do CTN já impõe a revisão de ofício, mas somente a omissão de formalidade especial.
29. Este vício de legalidade se identifica ainda nas ofensas em matéria de ordem pública não suscitada no contencioso administrativo, fato que impõe à Administração o “dever de dar solução” (REsp 1.389.892-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/8/2013). Não se trata, porém, de qualquer questão dita de ordem pública, cujo conceito jurídico, além de indeterminado, é polêmico e tem diversas abordagens, mas tão somente aquelas relacionadas ao descumprimento de normas cogentes nulificantes, ou seja, que impliquem nulidade absoluta.
30. É possível traçar um paralelo com o contido no Parecer PGFN/COCAT/Nº 5, de 2 de janeiro de 2013, que ao tratar da possibilidade de controle hierárquico do Ministro da Fazenda em decisões proferidas pela Carf, não o admite, em regra, para uma [suposta] “correção de ‘injustiças’ ou ‘divergências’ ocorridas na interpretação da legislação tributária”, visto ser essa uma competência do CARF, em última instância do contencioso administrativo, admitindo-se o controle (hierárquico) de legalidade das decisões do Conselho pelo Ministro da Fazenda para as hipóteses de “vício de ‘inequívoca ilegalidade'”, ali tomado para os casos de desrespeito à competência ou inobservância do devido processo legal. Do mesmo modo, não cabe falar em revisão de ofício quando haja distinção de interpretação jurídica, por se tratar de questão cuja análise é de competência privativa dos órgão julgadores do processo administrativo fiscal.
31. Tratando-se de questão relacionada à interpretação jurídica, a revisão de ofício somente deve operar-se para os casos em que o lançamento tenha se dado em afronta a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, cuja relevância de seu cumprimento está estampada no art. 64-B da Lei nº 9.784, de 1999; em desacordo com as decisões da mesma Suprema Corte em controle concentrado, ou com base em lei com execução suspensa pelo Senado Federal, conforme art. 77 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de 1997; e nas hipóteses em que o procedimento tenha divergido da interpretação fixada pela Administração sobre determinado tema, com efeito vinculante, quais sejam: os atos de que tratam o inciso X do art. 4º e artigos 39 a 43 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 (como, p.ex., pareceres da PGFN aprovados pelo Ministro da Fazenda); as súmulas vinculantes do CARF (art. 75 da Portaria MF nº 256, de 22 de junho de 2009); e determinados atos da RFB, como a Solução de Consulta e a Solução de Divergência (Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013), a Solução de Consulta Interna Cosit e o Parecer Normativo (Portaria RFB nº 379, de 27 de março de 2013); e, por fim, para as hipóteses de decadência e prescrição, matérias de ordem pública, em atenção ao princípio da segurança jurídica. Note-se que se trata de situações que, por ordem legal ou constitucional, fixou-se um entendimento jurídico que passou a ser vinculante e, somente por isso, ensejam a revisão de ofício. Caso se trate de crédito tributário já extinto, não há falar em revisão de ofício, mas da possibilidade de pedido de restituição, como se verá adiante.
32. Do exposto, conclui-se que as hipóteses de revisão de ofício do lançamento são aquelas fixadas nos incisos I, VIII e IX do art. 149 do CTN, quais sejam, quando a lei assim o determine (como no caso do §7º do art. 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; e o art. 53 da Lei nº 9.784, de 1999, neste incluídos o vício de legalidade e ofensa a matéria de ordem pública); erro de fato no lançamento; fraude ou falta funcional; e vício formal especial. São estes, portanto, os limites materiais em que é possível a revisão de ofício do lançamento, desde que estas questões não estejam (ou tenham sido) submetidas aos órgãos de julgamento administrativo.
33. Passa-se, então, à delimitação temporal, isto é, a fixação do termo final para alteração do lançamento em favor do contribuinte por iniciativa da autoridade administrativa. Podem-se extrair dois entendimentos úteis para o estudo do limite temporal: (i) o prazo fixado no parágrafo único do art. 149 do CTN se aplica apenas à revisão da qual decorra novo lançamento mais gravoso ao sujeito passivo; e (ii) é possível ser efetuada revisão do lançamento após decisão definitiva na esfera administrativa – quando instaurado contencioso –, ou após o prazo da impugnação – na hipótese de o sujeito passivo ser revel –, havendo apenas impedimento material no caso de ter havido o contencioso, uma vez que o vício apontado ou verificado não pode estar submetido ou já ter sido objeto de apreciação pelos órgãos julgadores.
34. Cumpre registrar, nesse contexto, a disposição contida na Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 1, de 12 de maio de 1999, que prevê a possibilidade de revisão de débitos inscritos na Dívida Ativa da União pela autoridade administrativa da RFB, mesmo após iniciada a execução fiscal, seguidos os procedimentos estabelecidos na referida norma:
Art. 1º A remessa dos créditos tributários vencidos e não pagos, para a inscrição em Dívida Ativa da União, será precedida da confirmação, pela Secretaria da Receita Federal, do endereço atualizado e dos demais dados identificadores do devedor principal e dos responsáveis, inclusive, quando se tratar de pessoa jurídica, da composição societária, na forma da legislação em vigor, se disponível.
Art. 2º Efetuada a inscrição do débito, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional expedirá comunicação dando conhecimento do fato ao devedor, intimando-o para efetuar o pagamento.
Art. 3º Da comunicação de que trata o artigo anterior constará:
I – informações sobre as condições para pagamento parcelado.
II – orientação para o devedor comparecer à unidade da SRF de seu domicílio fiscal, em caso de extinção do crédito tributário ou de suspensão de sua exigibilidade anteriormente à data da inscrição do mesmo em Dívida Ativa da União.
§ 1º Na hipótese prevista no inciso II, deste artigo, a unidade da SRF acolherá, para análise, os comprovantes apresentados pelo devedor e, em sendo o caso, solicitará à unidade da PGFN, no prazo de quinze dias, a baixa da inscrição e a devolução do processo.
§ 2º O procedimento previsto no parágrafo anterior será aplicado, igualmente, nas hipóteses de retificação de valores, por erro de fato.
Art. 4º As solicitações de baixa da inscrição em Dívida Ativa e de devolução do processo respectivo serão atendidas pelas unidades da PGFN, no prazo de quinze dias.
Parágrafo único. Tratando-se de débito com execução fiscal em curso, o Procurador da Fazenda Nacional que oficiar nos autos solicitará a suspensão do andamento da ação, não sendo efetuada, nesse caso, a baixa, quer da inscrição, quer do registro no CADIN.
Art. 5º Terão tratamento preferencial, nas unidades da SRF, as reclamações relacionadas aos processos devolvidos, para exame, pelas unidades da PGFN, sendo prioritários os relativos a débitos com execução fiscal suspensa, sobrestando-se a apreciação dos correspondentes a inscrições não ajuizadas.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, os processos relativos a débitos com execução já ajuizadas, ao serem devolvidos à SRF, serão identificados com a indicação dessa situação, de forma facilmente visível.
§ 2º O resultado do exame de que trata o caput deverá ser comunicado à unidade da PGFN, devendo ser arquivados na SRF os processos cujos débitos tenham sido considerados improcedentes integralmente.
§ 3º Verificada a procedência total ou parcial do débito, o processo a ele relativo será reencaminhado à unidade da PGFN, por intermédio dos sistemas informatizados da SRF, com novo demonstrativo do débito, se for o caso, e os documentos comprobatórios da alteração, para nova inscrição e ajuizamento da execução fiscal, ou para o prosseguimento desta.
§ 4º Constatada a não autenticidade dos documentos apresentados pelo devedor, a unidade da SRF, a par das providências normais para a apuração de responsabilidade, dará conhecimento do fato à unidade da PGFN, para fins de prova na execução fiscal.
35. Na linha do Parecer Cosit nº 38, de 12 de setembro de 2003, calcado nos “princípios da legalidade, da moralidade e da eficiência administrativa que regem a Administração Pública, evitando dar continuidade à cobrança de crédito tributário sabidamente indevido”, deve-se considerar que não há limite temporal para que o lançamento regularmente notificado seja revisado de ofício para eximir o sujeito passivo total ou parcialmente do crédito tributário não extinto e indevido. Para os casos em que o crédito tributário já se encontre extinto, “deve ser observado, nesse caso, o art. 168 do CTN, que condiciona a correção do erro praticado e a devolução do valor recolhido indevidamente aos cofres públicos à apresentação pelo contribuinte de pedido de restituição antes de transcorrido o prazo fixado no referido dispositivo legal.”. Frise-se que o vocábulo “protesto” contido no art. 165 do CTN não tem o significado leigo de “reclamação” ou “solicitação”, mas de protesto judicial (STJ. Resp 1.329.901, DJe DATA: 29/04/2013).
36. No caso específico de “pedido” de revisão de ofício (art. 302, I, do RIRFB) que envolva débito compensado de ofício (arts. 61 a 66 da IN RFB nº 1.300, de 2012), aquele deve ser tomado como pleito de restituição de que trata o art. 165 do CTN, de modo a viabilizar a revisão de ofício do débito, que, necessariamente, também deve observar as hipóteses do art. 149 do CTN (tanto assim que o parágrafo único do art. 156 do CTN traz este artigo como de observância obrigatória para a lei que vier a ser editada para dispor quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito tributário constituído irregularmente). No caso de utilização do saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) para fins de compensação de ofício, há que se registrar já ter sido deferido o pedido de restituição contido na DIRPF, sendo este valor o utilizado para compensação de ofício, após aquiescência (expressa ou tácita) do contribuinte. Assim, caso o débito compensado não seja devido, terá ocorrido, no momento da compensação de ofício, o equivalente a um pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior. Atente-se que a falta da aquiescência retrocitada torna nula a compensação, cujo procedimento deve ser desfeito a fim de que possa ser realizado novamente com obediência ao devido processo legal.
37. Cumpre destacar, por estar positivada no §2º do art. 73 do Decreto nº 3.000, 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/1999, a peculiar situação em que o contribuinte apresenta pedido de revisão de lançamento de ofício – efetuado em virtude da verificação de dedução indevida de despesa não comprovada – após decisão definitiva no contencioso administrativo, e somente quando da protocolização daquela petição é carreada prova documental da despesa:
Art. 73. (…)
(…)
§ 2º As deduções glosadas por falta de comprovação ou justificação não poderão ser restabelecidas depois que o ato se tornar irrecorrível na esfera administrativa (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 11, § 5º).
38. Destaque-se que a despeito de referido dispositivo estar afixado nas ‘Disposições Gerais’ do Título V do regulamento, que abarca todas as ‘deduções’, cumpre explicitar que a norma legal que lhe dá sustentação – Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 11, § 5º – faz referência àquelas despesas “necessárias à percepção dos rendimentos”, de modo que seria mais apropriado que se limitasse à Seção II do Capítulo I (art. 75 do RIR, de 1999, “livro caixa”).
39. Certo que foi a própria lei a estabelecer um termo final para restabelecimento das deduções, qual seja, o fim do processo administrativo, mas é preciso observar que a base legal em comento data de 1943, antes, portanto, da Reforma do Sistema Tributário de 1965, e da Lei nº 5.172, de 1966 (CTN), esta última a regular o sistema tributário nacional, a unificar e sistematizar a disciplina básica da tributação nacional, aí incluída a possibilidade de revisão de ofício. Note-se que aquela vetusta norma precede, inclusive, a positivação constitucional do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, explicitado pela primeira vez na Constituição Federal de 1946 (art. 141, § 4º).
40. Desse modo, em que pese não ser a revisão de ofício um recurso, há que admitir que a interpretação do citado dispositivo (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 11, § 5º) mais consentânea com o ordenamento jurídico vigente, mormente diante dos princípios constitucionais da eficiência administrativa, boa-fé administrativa, legalidade e da verdade material, é a de que o vocábulo “irrecorrível” há que ser entendido como o exaurimento das possibilidades legais de alteração na órbita administrativa. Portanto, eventual revisão de ofício inclui-se dentre essas possibilidades legais de alteração no âmbito administrativo, e se coaduna com o já citado Parecer PGFN/CAT/Nº 591/2014, sem olvidar que a revisão de ofício do lançamento não poderá adentrar em matéria que esteja submetida ou já tenha sido apreciada no contencioso administrativo. Exemplificando-se: (i) se o documento foi apresentado posteriormente ao final do julgamento administrativo, mesmo que a argumentação tenha constado da impugnação, deve ser feita a revisão; (ii) se o documento foi apresentado no julgamento administrativo e mesmo assim o órgão julgador manteve o auto de infração, tal decisão faz coisa julgada administrativa, tornando impossível a revisão de ofício.
Retificação de ofício de débito confessado em declaração
41. As declarações entregues para comunicar a existência de crédito tributário, representando confissão de dívida nos termos do §1º do art. 5º do Decreto-Lei nº 2.124, de 13 de junho de 1984, tais como DCTF, DIRPF, DITR e GFIP, podem ser retificadas espontaneamente pelo sujeito passivo, com espeque no art. 18 da Medida Provisória nº 2.189-49, de 23 de agosto de 2001, atendidos os limites temporais estabelecidos em normas específicas (§ 2º do art. 9º da IN RFB nº 1.110, de 24 de dezembro de 2010 – DCTF, art. 5º da IN RFB nº 958, de 15 de julho de 2009 – DIRPF e DITR; art. 463 da IN RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009 – GFIP), respeitado o prazo de cinco anos para retificação (conforme Parecer Cosit nº 48, de 07 de julho de 1999).
42. Não mais sendo possível retificação por iniciativa do sujeito passivo, esta poderá ser realizada de ofício pela autoridade administrativa da unidade local de jurisdição para reduzir os débitos a serem encaminhados ao órgão da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa, haja vista orientação contida na Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 1, de 1999, antes referida. Nos termos desta portaria, mesmo após a inscrição do débito em dívida ativa, e ainda que iniciada a execução fiscal, a retificação de ofício poderá ser efetuada se comprovado o erro de fato no preenchimento da declaração.
43. No caso específico da DCTF, desde 2004 (IN SRF nº 482, de 21 de dezembro de 2004) há previsão específica para revisão de ofício por erro de fato no preenchimento desta declaração, a fim de alterar débito que tenha sido enviado para a PGFN ou que tenha sido objeto de procedimento fiscal. Tal disposição, hoje, consta da norma disciplinadora da DCTF, qual seja, a IN RFB nº 1.110, de 2010, especificamente no § 3º do art. 9º:
Art. 9º. (omissis)
(…)
§ 3º A retificação de valores informados na DCTF, que resulte em alteração do montante do débito já enviado à PGFN para inscrição em DAU ou de débito que tenha sido objeto de exame em procedimento de fiscalização, somente poderá ser efetuada pela RFB nos casos em que houver prova inequívoca da ocorrência de erro de fato no preenchimento da declaração e enquanto não extinto o crédito tributário. (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 1.177, de 25 de julho de 2011).
44. Frise-se que o saldo a pagar a ser inscrito na dívida ativa originado de procedimento de auditoria interna da DCTF também pode ser objeto de retificação de ofício, consoante se depreende da referida portaria e do § 3º do art. 9º da IN RFB nº 1.110, de 2010. Novamente, esta retificação dependerá da comprovação do cometimento pelo contribuinte de inequívoco erro de fato no preenchimento da declaração.
45. Da mesma forma que a revisão de ofício, a retificação de ofício pode ser feita a qualquer tempo, para crédito tributário não extinto e indevido. Para os casos em que o crédito tributário já se encontre extinto, “deve ser observado, nesse caso, o art. 168 do CTN, que condiciona a correção do erro praticado e a devolução do valor recolhido indevidamente aos cofres públicos à apresentação pelo contribuinte de pedido de restituição antes de transcorrido o prazo fixado no referido dispositivo legal” (Parecer Cosit nº 38, de 2003).
REVISÃO DE OFÍCIO DO DESPACHO DECISÓRIO
Revisão de ofício do despacho decisório que não homologou a declaração de compensação – Dcomp.
46. Trata-se, neste ponto, de analisar a possibilidade de rever de ofício despacho decisório anteriormente proferido que não homologou compensação efetuada via Dcomp quando, ultrapassada a possibilidade de discussão administrativa via manifestação de inconformidade, o sujeito passivo apresenta petição para apontar ocorrência de erro de fato.
47. Para que o débito em cobrança amigável, ou enviado para inscrição, possa ser revisto, torna-se necessário que o despacho decisório anteriormente proferido seja revisto. Aplicável, aqui, por analogia (uma vez que inexiste, no caso, ato de lançamento da autoridade fiscal) o inciso VIII do art. 149 do CTN, limitada à hipótese de comprovação pelo contribuinte de erro de fato no preenchimento da declaração, haja vista o disposto na Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 1, de 12 de maio de 1999.
48. Consoante a citada portaria, qualquer débito encaminhado para inscrição em dívida ativa pode ser revisto de ofício pela autoridade administrativa da RFB quando o sujeito passivo apresentar provas inequívocas de cometimento de erro de fato.
49. No caso da Dcomp, o encaminhamento de débito para inscrição em dívida ativa dá-se quando a compensação efetuada não é homologada por despacho decisório da autoridade administrativa (em função de análise manual ou eletrônica), e, cumulativamente, tal decisão não é reformada em função de contencioso administrativo, seja pelo fato de não se ter instaurado o litígio, seja em virtude de decisão administrativa definitiva, total ou parcialmente, desfavorável a ele.
50. A declaração de compensação extingue o crédito tributário sob condição resolutória de sua ulterior homologação, e tem caráter de confissão de dívida (§§2º e 6º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996). Ocorre, porém, que o débito ali declarado, em regra, teve sua constituição operada por outro meio (lançamento de ofício ou declaração do contribuinte, como a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, p. ex.). Dessa forma, na hipótese de regular alteração no meio originário que constituiu o crédito tributário – como, p.ex., uma retificação da DCTF –, a redução do valor do débito implicará a necessidade de correção deste valor na Dcomp (já extinto pela própria declaração), que pode se dar tanto por meio de retificação da Dcomp por parte do contribuinte, quando cabível, como por revisão de ofício, caso a matéria já não esteja sob a alçada da DRJ, em virtude de manifestação de inconformidade interposta.
51. Extrai-se do exposto que, se o contribuinte apresentar petição com alegação de erro de fato no preenchimento da Dcomp após o prazo de trinta dias estabelecido no §7º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, ou após a conclusão de contencioso administrativo porventura instaurado, ainda que o débito já se encontre inscrito na dívida ativa e em execução fiscal, a autoridade administrativa deve analisar o pleito e, se pertinente, proferir nova decisão, de ofício, para revisar o despacho decisório anterior que não homologou a compensação e retificar a Dcomp. Contudo, deverão ser observados os trâmites da referida portaria conjunta se o débito já tiver sido encaminhado para inscrição na dívida ativa.
52. Esta revisão de ofício do despacho decisório também pode ser realizada no caso de o erro de fato ter ocorrido no preenchimento da DIPJ, especificamente na apuração do saldo negativo de IRPJ ou de CSLL, utilizado como crédito na Dcomp apreciada, bem como para os casos de erro em preenchimento de Documento de Arrecadação de Recursos Federais – Darf. Embora o erro de fato não tenha ocorrido na Dcomp, a não homologação da compensação decorreu de erro no preenchimento de declaração, o que conduz à conclusão de que o débito é cobrado em função de erro de fato, cuja revisão é autorizada pela Portaria Conjunta SRF/PGFN nº 1, de 1999. Nesta hipótese, será proferida decisão de ofício para revisar o despacho decisório anterior e retificar a DIPJ ou o Darf.
53. Ressalte-se que somente poderá haver revisão de ofício do despacho decisório que não homologou a compensação se o erro de fato no preenchimento de declaração (na própria Dcomp ou em declarações que deram origem ao débito, como a DCTF e mesmo a DIPJ, quando o crédito utilizado na compensação se originar de saldo negativo de IRPJ ou de CSLL) não tiver sido objeto de apreciação dos órgãos de julgamento administrativo instaurado em função de apresentação anterior de manifestação de inconformidade, conforme já abordado.
Competência para efetuar a revisão de ofício
54. Em atenção ao disposto no art. 302, I, do RIRFB, compete à autoridade administrativa da unidade da RFB na qual foi formalizada a exigência fiscal proceder à revisão de ofício do lançamento, com espeque no art. 149 do CTN e, por integração analógica, no § 3º do art. 9º do PAF. Este posicionamento é válido inclusive para as revisões relativas à tributação previdenciária.
Instrumento para formalizar a revisão de ofício do lançamento e a retificação de ofício de débito confessado em declaração
55. A Portaria SRF nº 1, de 02 de janeiro de 2001, revogada em 2013, trazia, em seu § 1º do art. 10, o tratamento de que o despacho decisório seria o instrumento adequado para efetuar revisão de ofício de lançamento, e assim seriam denominadas as decisões terminativas em processos de compensação e retificação. Este entendimento permanece hígido, uma vez que a redação da nova portaria de atos administrativos da RFB, a Portaria RFB nº 1.098, de 8 de agosto de 2013, em seu Anexo I, dispõe que o despacho decisório tem por finalidade “decidir sobre demandas em matéria de sua [auditor-fiscal, delegados, inspetores, coordenadores, superintendentes, subsecretários e secretário da RFB] competência”. Também se aplica à revisão de despacho decisório que decidiu sobre reconhecimento de direito creditório e compensação efetuada. O novo ato da Administração será responsável pela homologação total ou parcial da compensação.
Recorribilidade da decisão proferida em revisão de ofício
56. A revisão de ofício nas hipóteses aqui tratadas não se insere nas reclamações e recursos de que trata o art. 151, III, do CTN, regulados pelo Decreto nº 70.235, de 1972, a “Lei do PAF”, tampouco se aplica a ela a possibilidade de qualquer recurso, uma vez que, ainda que decorra de uma provocação do contribuinte, é procedimento unilateral da Administração, e não um processo para solução de litígios. Não se trata de “reabertura do contencioso administrativo”(nesse sentido, cfr. o REsp 1.389.892-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 26/09/2013). Na mesma linha, não há falar de recurso para a hipótese de decisão que nega retificação de ofício de débito confessado em declaração.
57. Este posicionamento, todavia, não deve ser aplicado para os casos de reconhecimento de direito creditório e de homologação de compensação alterados em virtude de revisão de ofício do despacho decisório que, mais do que simplesmente afastar a possibilidade de alterar ato primeiro já emitido, tenha implicado prejuízo ao contribuinte. Aí, em atenção ao princípio constitucional do devido processo legal e seus corolários – do contraditório e da ampla defesa –, deve ser concedido o prazo de trinta dias para o sujeito passivo apresentar manifestação de inconformidade e, sendo o caso, recurso voluntário, no rito processual do Decreto nº 70.235, de 1972, enquadrando-se o débito objeto da compensação no disposto no inciso III do art. 151 do CTN.
58. O prejuízo aqui tratado abarca, inclusive, a inovação ou alteração dos fundamentos que embasaram a decisão anterior, devolvendo-se ao sujeito passivo, com a ciência da decisão revisora, o prazo para interpor manifestação de inconformidade no concernente à matéria modificada.
Existência de ação judicial com o mesmo objeto da revisão de ofício
59. A existência de ação judicial com o mesmo objeto, a despeito de obstar o curso de contencioso administrativo, na linha da Súmula nº 1 do CARF e Parecer Normativo Cosit/RFB Nº 7, de 22 de agosto de 2014, não tem o mesmo efeito no que toca à revisão de ofício, haja vista que esta, como já apontado, não é processo para solução de litígios, mas o exercício do dever-poder unilateral da Administração de anular seus atos viciados (nesse sentido, cfr. o citado REsp 1.389.892-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 26/09/2013), e deve ser efetuada independentemente de estar em curso ação judicial sobre o mesmo objeto. Feita a revisão de ofício pela autoridade fiscal, esta deve comunicar prontamente tal fato ao órgão de representação judicial competente (unidade da Procuradoria da Fazenda Nacional). Nessa linha, também deverá ser comunicado o órgão do Ministério Público que porventura tenha recebido a representação fiscal para fins penais de que trata o art. 83 da Lei nº 9.430, de 1996, nas hipóteses em que a revisão implicar a perda de objeto da representação.
60. A resolução da via administrativa pode, em tese, levar à extinção do processo judicial sem resolução do mérito (caso, p.ex. o autor – o contribuinte – desista da ação). Todavia, caso a ação judicial siga seu curso com resolução do mérito, será a decisão judicial transitada em julgado a prevalecer, mesmo na hipótese de a decisão administrativa da revisão de ofício ter sido mais favorável ao contribuinte. Impõe-se, assim, a força da coisa julgada e da jurisdição única.
RECORRIBILIDADE EM FACE DE DECISÃO DA AUTORIDADE LOCAL QUE CONCLUA PELA INEXISTÊNCIA (TOTAL OU PARCIAL) DE DIREITO CREDITÓRIO A SER RESTITUÍDO AO CONTRIBUINTE, EM FASE DE EXECUÇÃO DE JULGADO ADMINISTRATIVO FAVORÁVEL AO CONTRIBUINTE, MAS DEPENDENTE DE APURAÇÃO DE CÁLCULOS
61. O Pedido de Restituição ou de Ressarcimento (PER) e a Declaração de Compensação (Dcomp) são processados pelo programa PER/Dcomp. A primeira fase (de formulação e apreciação do pleito) tem início com a provocação do contribuinte e a análise da DRF, da qual pode resultar o reconhecimento do direito creditório ou sua negação e, quanto à Dcomp, pode ser (conforme a situação) “homologada” ou “não homologada” (total ou parcial), ou ser considerada “não declarada”.
62. Da decisão da DRF que indeferiu o pedido de restituição (PER) ou que não homologou a declaração de compensação (Dcomp), é cabível manifestação de inconformidade à delegacia de julgamento competente, se for o caso, subsequente recurso ao CARF, conforme §§ 9º a 11 do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, e arts. 77 a 80 da Instrução Normativa RFB nº 1.300, de 20 de novembro de 2012, sob o rito processual do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, dotados de efeito suspensivo, pois, caso não interposta, o crédito tributário compensado torna-se novamente constituído e exigível (STJ: AgRg na MC 20.634-PE, DJe 28/05/2013).
63. Por vezes, sobretudo diante de controvérsia relativa a questões prejudiciais ou preliminares de mérito (decadência, prescrição), e ainda que o alegado direito creditório já conste na peça inicial, não há uma decisão explícita quanto ao valor pleiteado. Não se analisam valores se a razão de decidir já trata de questão precedente de direito material, suficiente, por si só, para fundar a decisão, em atenção ao princípio da eficiência em sede processual. Seria um contrassenso exigir que a Fazenda Pública, quando não homologasse a compensação, com fundamento em direito material suficiente para tanto, tivesse de proferir despacho adicional, com a aferição de um determinado valor, para uma situação hipotética em que restasse superada a questão de direito contrária ao contribuinte. O pedido certo e determinado (líquido) do contribuinte teve como resposta a não homologação que, em casos tais, dá-se contra o valor total pleiteado. Ulterior discussão do quantum será possível, em momento oportuno, caso revertida a decisão primeira, no que toca ao direito material.
64. Não há falar em decurso do prazo de cinco anos para não homologar a Dcomp (§5º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996), ainda que seja necessária a prolação de nova decisão pela autoridade local, visto que o primeiro despacho decisório já apreciou e não homologou a compensação feita, de modo a afastar o fundamento de homologação tácita por inação do Fisco. O prazo decadencial para não homologar a compensação visa a proteger o contribuinte em face da inércia da Administração e para dar segurança jurídica mediante a sua imutabilidade contra a desídia da Fazenda Pública.
65. De igual modo para os casos em que decisão da Delegacia da Receita Federal, no sentido de considerar como “não declarada” a compensação apresentada, venha a ser reformada pela Superintendência Regional da Receita Federal em sede de recurso hierárquico (art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999) para desenquadrar o caso do §12 do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, com determinação de nova apreciação pela unidade local, uma vez que ao proferir uma decisão no lustro legal – quer seja para denegá-la, quer seja para considerá-la como “não declarada” – a Delegacia cumpre o desiderato da legislação, que é impingir a atuação da Administração. Em ambas as situações, as decisões foram em sentido contrário à homologação.
66. Desse modo, se o despacho decisório inicialmente não homologa a compensação feita e, após trâmite do PAF, decide-se a controvérsia pelo afastamento do óbice apontado pela autoridade fiscal, não há obrigatoriedade de homologar a compensação exatamente no valor apresentado pelo contribuinte quando se verifique que houve erro de cálculo ou da interpretação por parte do declarante.
67. Cumpre à autoridade da unidade local emitir novo despacho para homologar a compensação, ou parte dela (na hipótese de o valor do crédito do contribuinte com a Fazenda Pública ser inferior ao pleiteado), ou nada homologar (caso a apuração dos cálculos evidencie inexistirem valores disponíveis em prol do postulante). Nos julgados em que os órgãos julgadores não se pronunciarem sobre o quantum, será exatamente num segundo momento – o do cumprimento da decisão – que se fará o apuratório, de modo que não há falar em preclusão do direito de a Fazenda Pública analisar a compensação, pois é este o momento processual oportuno. O novo despacho, ao contrário, decorre exatamente do cumprimento de uma decisão de órgão julgador (favorável ao contribuinte) e do apuratório aritmético.
68. O regime jurídico-administrativo se assenta em dois princípios fundamentais: a indisponibilidade do interesse público e supremacia deste sobre o privado, e pode sobrepor-se a institutos formais, como a preclusão processual. Mais especificamente sobre a indisponibilidade do interesse público, Celso Antônio Bandeira de Mello assim a explica:
A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público -, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 76).
69. Esse raciocínio não significa vulnerar as decisões provenientes do PAF. Na execução de decisão de órgão julgador administrativo, observam-se, rigorosamente, os limites materiais estabelecidos por este, inclusive quanto aos valores reivindicados pelo contribuinte, se sobre eles o órgão já houver se manifestado e declarado objetivamente no julgado. É certo que aquela controvérsia jurídica decidida pelos órgãos julgadores não pode ser modificada quando do apuratório dos valores apresentados. Contudo, a indisponibilidade do interesse público não admite o reconhecimento de uma dívida pública em um valor incorreto, que, frise-se, não foi objeto de decisão específica (quantum) dos órgãos julgadores. Quando o órgão julgador, seja a DRJ, seja o CARF, decide favoravelmente ao impugnante, ele não está a homologar a compensação efetuada, por lhe faltar competência para tanto.
70. Há que se notar algumas distinções entre, primeiro, o litígio que envolva o lançamento de crédito tributário e, segundo, a lide que verse sobre o reconhecimento creditório em face da Fazenda Pública. Tem-se, no primeiro caso, que os órgãos julgadores decidem acerca da impugnação ao lançamento. Ao decidir sobre a controvérsia, o lançamento em si, ou parte dele, é tornado definitivo ou é retirado do mundo jurídico. O efeito do acórdão é constitutivo negativo (ou melhor, desconstitutivo). No segundo caso, os órgãos julgadores decidem acerca da manifestação de inconformidade sobre aquela matéria de que decorreu a não homologação. O efeito do acórdão é vinculante, mas somente declaratório.
71. A competência para analisar os processos envolvendo restituição, ressarcimento ou reembolso e compensação encontra-se prevista no art. 302, VI, do Regimento Interno da RFB, bem como na Instrução Normativa nº 1.300, de 2012:
Portaria MF nº 203, de 14 de maio de 2012 – Regimento Interno da RFB
(…)
Art. 302. Aos Delegados da Receita Federal do Brasil e Inspetores-Chefes da Receita Federal do Brasil incumbem, no âmbito da respectiva jurisdição, as atividades relacionadas com a gerência e a modernização da administração tributária e aduaneira e, especificamente:
(…)
VI – decidir sobre a concessão de regimes aduaneiros especiais e pedidos de parcelamento, sobre restituição, compensação, ressarcimento, reembolso, suspensão e redução de tributos;
Instrução Normativa RFB nº 1.300, de 20 de novembro de 2012
(…)
Art. 69. A decisão sobre o pedido de restituição de crédito relativo a tributo administrado pela RFB, o pedido de ressarcimento de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep, da Cofins, relativo ao Reintegra e o pedido de reembolso, caberá ao titular da Delegacia da Receita Federal do Brasil (DRF), da Delegacia Especial da Receita Federal do Brasil de Administração Tributária (Derat), da Delegacia Especial da Receita Federal do Brasil de Maiores Contribuintes no Rio de Janeiro (Demac/RJ) ou da Delegacia Especial da Receita Federal do Brasil de Instituições Financeiras (Deinf) que, à data do reconhecimento do direito creditório, tenha jurisdição sobre o domicílio tributário do sujeito passivo, ressalvado o disposto nos arts. 70 e 72.
Parágrafo único. A restituição, o reembolso ou o ressarcimento dos créditos a que se refere o caput, bem como a compensação de ofício desses créditos com os débitos do sujeito passivo para com a Fazenda Nacional, caberão à DRF, à Derat, à Demac/RJ ou à Deinf que, à data da restituição, do reembolso, do ressarcimento ou da compensação, tenha jurisdição sobre o domicílio tributário do sujeito passivo.
(…)
Art. 75 . A autoridade da RFB competente para decidir sobre a compensação é o titular da DRF, da Derat, da Demac/RJ ou da Deinf que, à data do despacho decisório, tenha jurisdição sobre o domicílio tributário do sujeito passivo.
72. Apenas as autoridades fiscais das DRFs e congêneres podem proceder à homologação de compensação. Por mais que os órgãos julgadores decidam a controvérsia objeto do PAF envolvendo a não homologação de maneira contrária ao entendimento da DRF, estes não homologam a compensação, mas simplesmente declaram que aquele motivo que ensejou a não homologação não procede. A decisão do órgão julgador é de cunho declaratório, sem possibilidade de per si desconstituir a não homologação da compensação, mesmo porque esta restará dependente de um apuratório quanto à disponibilidade de valores que os órgãos julgadores até então desconhecem e, portanto, não se pronunciaram a respeito. Com o retorno do processo à DRF é que será feita, se for o caso, a homologação da compensação. Cumprirá à autoridade local, caso inexista outro óbice de direito material, apenas neste segundo momento, verificar se os cálculos apresentados estão corretos, em face da impossibilidade lógica de tê-lo feito no primeiro momento.
73. A essa conclusão se chega mediante a análise do instituto da compensação como um procedimento administrativo. Existem, assim, duas fases: (i) a análise jurídica da dívida da Fazenda Pública para com o contribuinte e (ii) a verificação se o valor apresentado pelo contribuinte está correto.
74. Desse despacho relativo aos cálculos também é cabível a manifestação de inconformidade e o rito a ser seguido é o do PAF. As normas que regem o tema (Lei nº 9.430, de 1996; Decreto nº 70.235, de 1972; Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011; e IN RFB nº 1.300, de 2012) não delimitam a matéria a ser tratada no PAF. Seja por uma questão preliminar, de direito, fática ou de cálculos, cabe o recurso da manifestação de inconformidade à DRJ.
75. Diante do dever-poder de a Administração analisar também o valor do crédito do contribuinte, qualquer motivo que enseje a não homologação do valor total apresentado por ele é passível de recurso via manifestação de inconformidade e rito do PAF, com tramitação pela DRJ e, se for o caso, recurso ao CARF, sem que se fale em hipotética aplicação subsidiária do art. 515, § 3º do Código de Processo Civil, visto que não se trata de lacuna no PAF.
76. Descabe falar em análise dos cálculos pelo rito da Lei nº 9.784, de 1999, ou seja, via recurso hierárquico. A despeito de não haver dispositivo legal expresso tratando da situação ora analisada, o que poderia suscitar a aplicação subsidiária da lei citada, que versa sobre normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal, isso não significa que haja uma lacuna.
77. Tendo-se em vista que não há restrição legal ao espectro de incidência do PAF, é desinfluente o fato de um segundo despacho tratar somente do valor dos créditos do contribuinte. Como procedimento único, nada obstante poder ser subdividido em mais de um despacho, qualquer despacho prevendo a não homologação (mesmo que parcial) pode gerar uma controvérsia a seguir o rito específico fiscal. A discussão sobre o crédito tributário se dá pelo PAF, de modo que não há previsão legal – tampouco atende à interpretação lógico-sistemática – para transferir para outra autoridade administrativa, fora do rito do PAF, o litígio em comento.
78. A lei poderia dispor que em casos tais afastar-se-ia a aplicação do PAF, mas seria por força de um dispositivo mais específico que ele a implicar a aplicação da regra mais geral, como se dá, por exemplo, com o §13 do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, no caso da compensação considerada não declarada.
79. O posicionamento aqui definido não é inédito na Receita Federal, tendo em vista o que já fora decidido no Parecer Cosit nº 37, de 15 de junho de 1999, que entendeu pela competência genérica das delegacias de julgamento, com fulcro na sua lei criadora, a Lei nº 8.748, de 9 de dezembro de1993.
80. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça – STJ colhe-se decisão com o entendimento pela aplicação do Decreto nº 70.235, de 1972. Esta exata situação foi objeto de julgamento no AgRg no Recurso Especial Nº 1.310.909 – RS, DJe:18/09/2012, no qual a referida Corte, em resposta à alegação da União de que “a insurgência limita-se à apuração dos valores, configurando simples ‘pedido de revisão de ato de liquidação’, cabendo, consequentemente, a incidência o disposto na Lei n. 9.784/99, em especial no seu art. 61, que assegura efeito ‘não suspensivo’ ao recurso administrativo”, concluiu em sentido oposto, ou seja, pela aplicação do PAF e consequente efeito suspensivo do recurso.
Conclusão
81. Em face do exposto, conclui-se que:
a) a revisão de ofício de lançamento regularmente notificado, para reduzir o crédito tributário, pode ser efetuada pela autoridade administrativa local para crédito tributário não extinto e indevido, no caso de ocorrer uma das hipóteses previstas nos incisos I, VIII e IX do art. 149 do CTN, quais sejam: quando a lei assim o determine, aqui incluídos o vício de legalidade e as ofensas em matéria de ordem pública; erro de fato; fraude ou falta funcional; e vício formal especial, desde que a matéria não esteja submetida aos órgãos de julgamento administrativo ou já tenha sido objeto de apreciação destes;
b) a retificação de ofício de débito confessado em declaração, para reduzir o saldo a pagar a ser encaminhado à PGFN para inscrição na Dívida Ativa, pode ser efetuada pela autoridade administrativa local para crédito tributário não extinto e indevido, na hipótese da ocorrência de erro de fato no preenchimento da declaração;
c) a revisão de ofício de despacho decisório que não homologou compensação pode ser efetuada pela autoridade administrativa local para crédito tributário não extinto e indevido, na hipótese de ocorrer erro de fato no preenchimento de declaração (na própria Dcomp ou em declarações que deram origem ao débito, como a DCTF e mesmo a DIPJ, quando o crédito utilizado na compensação se originar de saldo negativo de IRPJ ou de CSLL), desde que este não esteja submetido aos órgãos de julgamento administrativo ou já tenha sido objeto de apreciação destes;
d) compete à autoridade administrativa da unidade da RFB na qual foi formalizada a exigência fiscal proceder à revisão de ofício do lançamento, inclusive para as revisões relativas à tributação previdenciária;
e) o despacho decisório é o instrumento adequado para que a autoridade administrativa local efetue a revisão de ofício de lançamento regularmente notificado, a retificação de ofício de débito confessado em declaração, e a revisão de ofício de despacho decisório que decidiu sobre reconhecimento de direito creditório e compensação efetuada;
f) a revisão de ofício nas hipóteses aqui tratadas não se insere nas reclamações e recursos de que trata o art. 151, III, do CTN, regulados pelo Decreto nº 70.235, de 1972, tampouco a ela se aplica a possibilidade de qualquer recurso, uma vez que, ainda que possa ser originada de uma provocação do contribuinte, é procedimento unilateral da Administração, e não um processo para solução de litígios;
g) todavia, para os casos de reconhecimento de direito creditório e de homologação de compensação alterados em virtude de revisão de ofício do despacho decisório que tenha implicado prejuízo ao contribuinte, em atenção ao devido processo legal, deve ser concedido o prazo de trinta dias para o sujeito passivo apresentar manifestação de inconformidade e, sendo o caso, recurso voluntário, no rito processual do Decreto nº 70.235, de 1972, enquadrando-se o débito objeto da compensação no disposto no inciso III do art. 151 do CTN.
h) a revisão de ofício não é obstada pela existência de ação judicial com o mesmo objeto. Todavia, advindo, decisão judicial transitada em julgado, somente esta persistirá, em face da prevalência da coisa julgada e da jurisdição única;
i) na execução de decisão de órgão julgador administrativo, observam-se rigorosamente os limites materiais estabelecidos por este, inclusive quanto aos valores reivindicados pelo contribuinte, se sobre eles o órgão já houver se manifestado e declarado objetivamente no julgado; todavia, se no ato de execução do acórdão pela autoridade local houver discordância do contribuinte quanto aos valores apurados, e sobre os quais o órgão julgador não tenha se manifestado, devolvem-se os autos do processo às mesmas instâncias julgadoras, a fim de ser julgada a controvérsia quanto aos valores, sob o rito do Decreto nº 70.235, de 1972, não tendo que se falar em decurso do prazo de que trata o §5º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996;
j) não ocorre preclusão administrativa para fins de aferir o valor correto do crédito pleiteado pelo contribuinte, em fase de execução de julgado favorável a este, o qual não contenha manifestação sobre o aspecto quantitativo, quer seja por ser esta fase o momento processual oportuno, quer seja pelo princípio da indisponibilidade do interesse público; e
k) devem ser canceladas a Solução de Consulta Interna Cosit nº 40, de 4 de dezembro de 2007, e a Solução de Consulta Interna Cosit nº 32, de 30 de novembro de 2010.
À consideração superior.
SÉRGIO AUGUSTO TAUFICK
Auditor-Fiscal da RFB
De acordo. À consideração da Coordenadora da Copen.
EDUARDO GABRIEL DE GÓES VIEIRA FERREIRA FOGAÇA
Auditor-Fiscal da RFB
Chefe da Divisão de Normas Gerais
De acordo. À consideração do Coordenador-Geral da Cosit.
MIRZA MENDES REIS
Auditor-Fiscal da RFB
Coordenadora de Contribuições Previdenciárias, Normas Gerais, Sistematização e Disseminação
De acordo. À consideração do Subsecretário de Tributação e Contencioso.
FERNANDO MOMBELLI
Auditor-Fiscal da RFB
Coordenador-Geral de Tributação
De acordo. Encaminhe-se ao Secretário da Receita Federal do Brasil, para aprovação.
PAULO RICARDO DE SOUZA CARDOSO
Auditor-Fiscal da RFB
Subsecretário de Tributação e Contencioso
DESPACHO DO SECRETÁRIO
Aprovo o presente Parecer Normativo COSIT/RFB nº 8, de 3 de setembro de 2014, conforme anexo.
CARLOS ALBERTO FREITAS BARRETO