O sistema tributário brasileiro está na contramão daqueles adotados por países onde há menos desigualdade social. Um dos pontos fora da curva está no excesso de tributação sobre o consumo em detrimento do patrimônio e da renda. O alerta é do professor da Unicamp Eduardo Fagnani, coordenador do projeto Reforma Tributária Solidária — Menos Desigualdade, Mais Brasil, que participou de audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) nesta terça-feira (12).
Elaborada pela Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal (Anfip) e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a proposta tem o objetivo de corrigir anomalias no sistema tributário nacional, entre elas a reduzida participação dos tributos diretos sobre a renda e o patrimônio.
— Na média dos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], a participação da tributação sobre a renda é de 34%. No Brasil, é de 21%. Há alguns países que chegam a até mais, como os Estados Unidos, com 49%, e Noruega, com 39%. Já sobre o consumo, a participação é 49,7% no Brasil, contra 32% na média da OCDE. Talvez essa seja a maior anomalia do sistema nacional — afirmou.
Segundo o professor, outras propostas de reforma tributária discutidas no país se concentram muito na questão da simplificação do sistema, o que também é importante na opinião dele, mas não enfrentam pontos cruciais, como a regressividade tributária, que penaliza a classe de baixa renda.
— Vendo a experiência internacional, percebemos que países menos desiguais combinaram a tributação progressiva ao estado de bem estar social — disse.
Erro
Para o o coordenador-geral do Consórcio Nacional de Secretarias de Fazenda (Consefaz), André Horta Melo, o país insiste no erro na forma de captar o dinheiro do contribuinte, concentrando na tributação indireta, o que gera uma carga regressiva e faz com com que quem ganha menos pague proporcionalmente mais.
— Isso é ruim não só para o trabalhador. Estamos prejudicando as empresas, porque reduzimos o mercado consumidor. Nossa demanda interna é uma oportunidade. Tem país que não tem onde crescer, mas nós temos. Quando se tem mercado interno robusto, consegue-se enfrentar com solidez as crises internacionais — opinou.
Com enfoque no setor produtivo, o representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, apontou os principais problemas que, para ele, atravancam o desenvolvimento econômico da produção nacional: a cumulatividade dos tributos, a dificuldade de ressarcimento dos créditos tributários pelas empresas, a oneração dos investimentos, a complexidade, a insegurança jurídica e a falta de coordenação entre as leis tributárias.
— Os setores produtivo e industrial defendem a simplicidade, a neutralidade, a transparência e a isonomia. Infelizmente, nosso sistema hoje não responde a nenhum desses princípios — lamentou.
Complexidade
O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, criticou as renúncias tributárias adotadas de forma crescente nos últimos anos, o que gera distorções no sistema, segundo ele. O representante do governo disse ainda que a existência de uma série de regimes tributários gasta a energia da administração, que tem de fiscalizar, e dos contribuintes, que precisam cumprir suas obrigações com o fisco.
— A legislação federal do Pis/Cofins, por exemplo, é altamente complexa e litigiosa. Precisamos de reforma para buscar a simplificação do modelo e a redução da litigiosidade. A reforma tributária não é um grande evento, é um processo e precisamos saber aonde queremos chegar. E muita coisa pode ser feita por lei ordinária ou complementar — afirmou
Premissas do projeto Reforma Tributária Solidária — Menos Desigualdade, Mais Brasil*
Promoção da progressividade tributária pela ampliação da tributação direta
– Tributação sobre a propriedade e a riqueza: Imposto Sobre Herança; Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR); Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU); Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); Imposto Sobre Propriedade de Veículos (IPVA); Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF);
– Tributação das transações financeiras;
– Tributação internacional para combater a evasão e os paraísos fiscais.
Adoção de ações que aumentem a arrecadação sem aumentar a carga tributária
– Revisão das renúncias fiscais;
– Combate à sonegação.
Aperfeiçoamento da tributação sobre o comércio internacional.
Redução da tributação indireta, notadamente sobre o consumo.
Fortalecimento do estado de bem-estar social em função do seu potencial como instrumento de redução das desigualdades sociais e promotor do desenvolvimento nacional.
Adoção da tributação ambiental, de modo que seja possível a arrecadação com origem em tributos relacionados ao meio ambiente.
Restabelecimento das bases do equilíbrio federativo.
Necessidade de uma reforma tributária pensada sob a perspectiva do desenvolvimento econômico e social do país.
Fonte: Anfip, Fenafisco e Sindifisco
Participação tribuária por setores*
País Renda Patrimônio Consumo
Alemanha 31,2% 2,9% 27,8%
Bélgica 35,7% 7,8% 23,8%
Coreia do Sul 30,3% 12,4% 28%
Dinamarca 63,1% 4,1% 31,6%
Espanha 28,3% 7,7% 29,7%
EUA 49,1% 10,3% 17%
Brasil 21% 4,4% 49,7%
Fonte: Anfip, Fenafisco
Distorções do sistema tributário nacional apontadas na audiência:
Caráter regressivo do sistema: taxa-se menos quem tem mais riqueza.
Falta de combate mais rigoroso e efetivo à sonegação fiscal.
Alta tributação sobre o consumo, o que penaliza as camadas mais pobres da população.
Inexistência de uma tabela de Imposto de Renda baseada na progressividade de forma a taxar os mais ricos. Quem ganha R$ 10 mil por mês, por exemplo, está sujeito aos mesmos 27,5% de quem ganha R$ 100 mil.
Ausência de taxação sobre lucros e dividendos. A legislação não submete a distribuição de lucros e dividendos dos acionistas e sócios de pessoas jurídicas à tabela do Imposto de Renda.
Fonte: Anfip, Fenafisco