A Receita Federal vai divulgar, em seu site na internet, o nome e o CPF de pessoas citadas em representações fiscais para fins penais, espécie de denúncia que o órgão envia ao Ministério Público para posterior investigação de supostos crimes. Além disso, a Receita passará a apresentar esse tipo de representação ao MP quando, na fiscalização de irregularidades tributárias, identificar indícios de improbidade administrativa por parte de ocupantes de cargos públicos.
As novidades estão previstas na portaria nº 1.750/2018, publicada na manhã desta quarta-feira (14/11) no Diário Oficial da União. A Receita envia ao MP uma representação fiscal para fins penais contra pessoas físicas quando o auditor fiscal identifica indícios de contrabando, descaminho ou crimes contra a ordem tributária, como ocultação de valores, sonegação de tributos, lavagem de dinheiro, fraude, simulação, conluio e outros atos considerados dolosos.
Na sequência, o Ministério Público avalia a fiscalização da Receita para decidir se abre inquérito, solicita investigações à Polícia Federal ou oferece uma denúncia ao Judiciário, que decidirá se o contribuinte praticou algum crime. O MP também pode considerar os indícios insuficientes e não apresentar denúncia.
Por exemplo, a lei nº 8.137/1990, que define crimes contra a ordem tributária, considera que o contribuinte comete crime quando suprime tributos ao falsificar notas fiscais, distribuir documentos sabidamente fraudulentos ou omitir informações à Receita. Nestes casos a pena é de reclusão de dois a cinco anos, com multa.
A portaria determina que a Receita Federal publique na internet o nome e o CPF da pessoa que considerou responsável pelos supostos crimes, o número do processo referente à representação, o CNPJ das pessoas jurídicas relacionadas à operação, qual ilícito a pessoa teria cometido e a data de envio das informações ao MP. Os dados serão excluídos do site se a dívida tributária for quitada integralmente, se a pessoa deixar de ser considerada responsável pelo ilícito ou por determinação judicial.
Caso o contribuinte questione a cobrança fiscal por meio de um processo administrativo, que passa pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a representação fiscal para fins penais é apresentada ao final do processo. Após isso, os nomes serão divulgados ainda que a empresa discuta a dívida tributária no Judiciário apresentando garantia em juízo.
Quando o auditor fiscal avalia que houve indícios de crimes ao investigar uma empresa, ele deve informar o MP e identificar os sócios ou administradores que considerou responsáveis pela prática do ilícito, mesmo que por intermédio da pessoa jurídica. Nestes casos a dívida tributária pode ser cobrada tanto da empresa quanto do gestor.
Constrangimento
O advogado Alessandro Mendes Cardoso, do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos, considerou que a divulgação dos dados na internet é ilegal e abusiva, por ferir o direito à honra e constranger os contribuintes a pagarem as dívidas em vez de discuti-las judicialmente. Para o tributarista, estão mais sujeitos ao risco gestores de empresas maiores, que realizam operações tributárias complexas e questionam dívidas mais volumosas na Justiça.
O MP ainda vai analisar se os indícios são motivo para denúncia. Se denunciar, é o Judiciário que analisa se houve crime. Antes de qualquer apuração ou decisão em relação à responsabilidade criminal, a Receita já expõe a intimidade do cidadão
Advogado Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim, Viotti & Leite Campos
Por outro lado, a Receita Federal afirmou que o objetivo da medida é promover a transparência fiscal. Por meio de nota enviada à imprensa e publicada no site, o órgão defendeu que a maior publicidade dos nomes e demais dados respeita a legislação.
De acordo com a Receita, a nova norma se ampara tanto no Código Tributário Nacional (CTN) quanto na Lei de Acesso à Informação, que determina a publicidade como regra e o sigilo como exceção. Segundo a Receita, o CTN não proíbe a divulgação de informações relativas à representação fiscal para fins penais.
A advogada Talita Ritz, do escritório Freitas Martinho Advogados, argumentou que a norma é inconstitucional por expor os contribuintes sem que o Judiciário tenha analisado provas do suposto crime, a exemplo de perícias e depoimentos de testemunhas. “A reputação é manchada publicamente antes do julgamento, sendo que ao final pode ser anulado o auto de infração”, ressaltou.
Nesse sentido, o advogado Marcelo Rocha Santos, do escritório Demarest, afirmou que nos últimos anos a Receita passou a aplicar multa qualificada, de 150%, em um número significativamente maior de autos de infração. Em tese, a multa qualificada é devida em casos de dolo, fraude ou simulação, que justificariam a representação fiscal para fins penais.
Para Santos, a portaria deveria determinar que o afastamento da multa qualificada, no julgamento administrativo, automaticamente extingue a representação fiscal para fins penais. “Ainda que esse seja o caminho lógico, a norma não estabelece isso de forma clara, o que pode gerar dúvidas por parte das autoridades competentes”, disse.
Além disso, como a norma não estabelece um procedimento para o contribuinte apresentarem um pedido de exclusão da lista, Santos considera provável que os contribuintes levem a solicitação ao Judiciário.
Improbidade administrativa
De acordo com os advogados consultados pelo JOTA, é a primeira vez que uma norma da Receita Federal determina expressamente que o órgão encaminhará ao MP a representação fiscal para fins penais em casos de suposta improbidade administrativa.
Normas anteriores obrigavam que a Receita informasse o MP sobre indícios de “crimes praticados contra a administração pública”. “Antes não havia norma tão específica”, disse o advogado Marcelo Rocha Santos, do escritório Demarest.
O advogado Alessandro Mendes Cardoso, do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos, avaliou que neste ponto a portaria é legal. “Acho que é até dever de ofício da autoridade informar o MP quando se depara com algum ato que configure crime. Mas vai gerar um risco maior de exposição do administrador público, porque a Receita vai incluir os dados na internet”, avaliou.
Como exemplo de ato que pode gerar a representação em relação à improbidade administrativa, Cardoso projetou uma situação de enriquecimento ilícito, em que um gestor público ganha dinheiro em função do cargo ou por celebrar contratos fraudulentos. O advogado avalia que a portaria é inspirada por situações observadas na operação Lava Jato.
De acordo com a Receita Federal, nestes casos a representação fiscal para fins penais será encaminhada ao MP se o auditor fiscal verificar, durante as atividades de fiscalização, indícios de atos de improbidade administrativa. A representação será encaminhada ao Ministério Público Federal, ao MP estadual ou a um tribunal de contas.
Fonte: Associação Paulista de Estudos Tributários