A Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo Estado de Mato Grosso contra o mandado de segurança impetrado pelo Lar Espírita Seara da Luz e, em remessa necessária, ratificou a sentença proferida pela Vara Única da Comarca de Itiquira, que torna definitiva a liminar que determinou a emissão de nota fiscal avulsa, sem incidência de ICMS, ante a imunidade tributária conferida às entidades de assistência social.
O Lar Espírita, localizado no município de Itiquira, recebeu madeira serrada em doação do Poder Judiciário daquela Comarca, objeto de apreensões. Com isso, a instituição religiosa pretende efetuar a venda e a receita deverá ser revertida para finalidade social. Por sua vez, o Estado recusou expedir documento fiscal avulso com a justificativa de que o volume dos produtos a serem vendidos denotaria pretensão de comercialização. Com isso, o Lar Espírita impetrou Mandado de Segurança para ter assegurado o direito à realização de vendas das madeiras recebidas por doação, sem a exigência do ICMS nas operações.
“À evidência que a instituição em questão não tem por finalidade atos de comércio, mostra-se indevida a exigência do prévio recolhimento do ICMS para a emissão de Nota Fiscal Avulsa, observada a imunidade constitucionalmente assegurada, tanto para receber a doação, como para revender à terceiro, promovendo, assim, meios financeiros para a consecução da finalidade essencial da entidade”. Esse foi o entendimento da relatora, desembargadora Maria Aparecida Ribeiro.
No mandado de segurança o apelante defende a legalidade do indeferimento do pedido de emissão de Nota Fiscal Avulsa para a comercialização de madeiras, sob o fundamento de que esta operação não está relacionada às finalidades essenciais da entidade. Segundo o Estado, se a entidade não comprova a reversão do montante arrecadado às suas finalidades essenciais, não há espaço jurídico para franquear-lhe a imunidade sobre as materialidades inerentes aos fatos geradores que lhe sejam pertinentes.
Porém, a desembargadora sustentou em seu voto que a impetrante, por ser associação civil, religiosa e filantrópica, sem fins lucrativos, na forma como preceitua o art. 150, VI, ‘c’, da Constituição Federal, fica vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços dessas instituições, desde que atendidos os requisitos da lei.
Para dar embasamento e discorrer sobre a imunidade às instituições de educação e assistenciais, sem fins lucrativos, a desembargadora citou trecho do livro Direito Tributário Brasileiro, de Aliomar Baleeiro. “As Instituições […] de Assistência Social, como auxiliares de serviços públicos, não têm capacidade econômica para pagar impostos. Não visam lucros ou a remuneração dos indivíduos que as promovem ou mantêm. A imunidade […] deve abranger os impostos que por seus efeitos econômicos […] desfalcariam o patrimônio, ou diminuiriam a eficácia dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos daquelas entidades.”.
Ainda sob esta ótica, Maria Aparecida Ribeiro mencionou caso análogo de um julgamento de Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal, quando a ministra Carmem Lúcia constou em seu voto que: “não incide ICMS sobre a comercialização de mercadorias adquiridas pelas entidades de assistência social, em razão de estarem estas abrangidas pela imunidade tributária prevista no art. 150, inc. IV, alínea c, da Constituição Federal”.
Com relação à questão da não incidência, no caso do ICMS, a desembargadora-relatora ressaltou que “tal valor oriundo da venda deve repercutir integralmente em favor da entidade expropriante do bem, e, para isso, o poder público estadual deve adotar a instrumentalidade necessária ao procedimento de reconhecimento dessa não-incidência”.
Sobre a alegação do apelante referente à norma acerca da não tributação de que a imunidade somente pode abranger patrimônio, renda ou serviços, não estendendo-se à operações de circulação de mercadorias, ou seja, à negócios jurídicos de transferência de titularidade concernentes a bens objetos de comércio, base de cálculo do ICMS, a magistrada argumenta que “razão não lhe assiste, haja vista que o valor obtido com a venda dos produtos doados à entidade, neste caso, reverter-se-á em receita para o financiamento de suas atividades, implicando, assim, em consequente ampliação de seu patrimônio”.
Ainda conforme o voto da relatora, nos casos em que a doação não é feita em dinheiro, mas em outros ativos patrimoniais não destinados ao custeio da entidade, o bem doado, antes de ser colocado à venda, deve ser avaliado pelo seu valor justo de mercado, a fim de não prejudicar terceiros contribuintes do imposto, além de agregar maior patrimônio ao órgão educacional, este sim, o principal intuito da imunidade tributária.
Fonte: TJMT