A sociedade limitada é a forma societária brasileira mais importante, apesar de ter muitos problemas. É muito comumente utilizada por empreendedores por limitar a responsabilidade dos sócios sem ser altamente burocrática.
A sociedade anônima, que tem estrutura de governança robusta, é muito burocrática e cara. A empresa individual de responsabilidade limitada (“EIRELI”), apesar de ser de fácil constituição, somente pode ter um “sócio” (chamado de “titular”) e tem capital social mínimo muito elevado, o que a torna pouco útil.
Não obstante o fato de ser muito popular, a sociedade limitada também possui grandes falhas. Por exemplo, é pouco flexível (um contrassenso, pois deveria ter a plasticidade que o empreendedor demanda).
Ademais, possui quóruns muito elevados para algumas aprovações. Suas regras de governança são pouco robustas. Apesar de não ser muito burocrática, poderia ser menos ainda. Atento a tais problemas, o legislador e o regulador brasileiros fazem, mesmo que de maneira tímida e sem muita pressa, reformas ao regime legal das limitadas.
Note-se que, como alertei em outro artigo publicado nesta mesma coluna, nossa maneira de regular tende a levar à insegurança jurídica. Em um primeiro momento, os órgãos reguladores olham para um texto legal entendem um a coisa. Após, olham para o mesmo texto legal e entendem outra coisa completamente diferente. Isso tudo gera muita insegurança jurídica.
Os esforços empreendidos pelo legislador e pelo regulador brasileiros, note-se, são louváveis, mas precisam ser revistos e alinhados. Vejamos.
Em 30 de abril de 2019 foi editada a Medida Provisória nº 881 (“MP 881”), que institui a chamada “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica” para estabelecer “normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”, conforme determinado na Constituição Federal.
Os objetivos da MP 881 podem ser atingidos por meio de (a) padrões de interpretação ou (b) de normas legais, ambos com vistas a fomentar a atividade econômica, a geração de riqueza e a criação de empregos.
Especificamente em relação à sociedade limitada, a MP 881 traz importante novidade para a flexibilizá-la e aumentar sua utilidade.
Com efeito, a MP 881 inclui o parágrafo único ao artigo 1.052 do Código Civil, que determina que “[a] sociedade limitada pode ser constituída por uma ou mais pessoas”, o que, em tese, faz desaparecer a raison d’être da EIRELI, a saber, a falta de uma sociedade limitada que possa, de maneira permanente, ter um único “sócio”.
Em decorrência disso, agentes econômicos atentos à nova regra correram para transformar EIRELIs em limitadas unipessoais. Outros aproveitaram a novidade para constituir novas sociedades limitadas unipessoais.
Não obstante o novo texto legal, Juntas Comerciais muito rapidamente apresentaram suas interpretações, que vão, em boa parte, no sentido de que mesmo que a limitada possa ser constituída por um único “sócio”, será necessário, dentro do prazo de 180 dias, que se traga ao menos mais um sócio para “compor” a pluralidade de sócios.
Isso decorre do fato de a MP 881 não ter revogado o item IV do artigo 1.033 do Código Civil, que assim determina: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: (…) a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias”. Está claro que o legislador não prestou atenção a este importantíssimo detalhe (o que é bastante comum no Brasil), criando enorme impasse.
Para tentar reverter a interpretação afobada das Juntas Comerciais, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) rapidamente editou a Instrução Normativa DREI nº 63, de 11 de junho de 2019 (“IN 63”), que altera o Manual de Registro de Sociedade Limitada, que determina como as Juntas Comerciais devem interpretar as regras pertinentes a tais sociedades.
Basicamente, tal normativo tenta criar nova forma de sociedade limitada, especificamente chamada de “sociedade limitada unipessoal”. A interpretação restritiva rapidamente feita pelas Juntas Comerciais, agora, deverá ser outra, nos termos da IN 63, que, por exemplo, determina que o item IV do artigo 1.033 do Código Civil não se aplica às sociedades limitadas unipessoais.
Os esforços do DREI são louváveis e tal órgão fez o que está dentro de seu alcance. Infelizmente, esta solução está longe de ser adequada.
De fato, as normas editadas pelo DREI devem ser seguidas à risca pelas Juntas Comerciais, mas não são capazes de alterar os termos da lei.
A IN 63 não serve para revogar o referido item IV do artigo 1.033 do Código Civil, pois tal poder é exclusivo do legislador.
Assim, tribunais brasileiros poderão facilmente entender que as novas regras do DREI não servem para evitar que a sociedade limitada unipessoal entre automaticamente em estado de dissolução caso novo sócio não seja trazido para o quadro societário dentro do prazo de 180 dias, o que, mais uma vez, gera enorme insegurança jurídica.
Necessitamos de reformas urgentes em nossa lei societária para fomentar o empreendedorismo. O legislador deveria comunicar-se diretamente com o DREI de antemão (afinal, ambos estão em Brasília), para evitar que este precise apagar incêndios e criar “puxadinhos” para tentar consertar os equívocos cometidos por aquele. Infelizmente, ainda não temos uma nova sociedade limitada.
Fonte: Diário do Comércio