Os negócios da economia digital e novas formas de negócios antes impensáveis vieram para alterar as relações jurídico-econômicas, causando a necessidade de adaptação do direito e dos mecanismos para solução de conflitos em matéria tributária à disposição do Estado e dos contribuintes.
Num cenário em que as fronteiras deixam de ser entraves à realização de negócios, cujas modalidades evoluem cada vez mais para plataformas digitais, o Estado deixa de ser voltado apenas a seus próprios interesses e passa a ser convidado à preservação do seu relacionamento com os administrados, colocando-se diante da necessidade de modernizar as regras que regem as relações jurídicas e as formas de solução de conflitos, de modo a alcançar novos fatos geradores de incidência tributária, a assegurar a efetividade e agilidade na cobrança de tributos pelo Fisco e a garantir, ao mesmo tempo, menor burocracia e mais segurança jurídica aos contribuintes.
É preciso abandonar preconceitos e se conscientizar que a arbitragem em matéria tributária pode ser vantajosa.
No Brasil, a constante necessidade de criação de programas de parcelamento de débitos para recuperar tributos não pagos demonstra que os atuais mecanismos disponíveis para a cobrança e discussão administrativa/judicial do crédito tributário não são suficientes.
De acordo com dados divulgados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no ano de 2018, a recuperação de créditos da dívida ativa por meio da execução forçada (execução fiscal) representou apenas 25%, enquanto a recuperação por meio da concessão de benefícios fiscais (que inclui os programas de parcelamento e anistia de débitos) chegou a 47%. Além disso, as execuções fiscais se acumulam no Judiciário. De acordo com pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizada em 2016, representam 75% das execuções em trâmite e 39% de todos os casos pendentes de julgamento no país.
Em uma economia globalizada, digital e altamente competitiva, não há espaço para que empresas aguardem anos por uma decisão judicial e que, quando proferidas, essas não reflitam o conhecimento específico necessário à compreensão e desate da matéria tributária envolvida, comprometendo operações industriais/comerciais e, não raras vezes, a continuidade da atividade empresarial.
Por outro lado, não há como se exigir que magistrados se capacitem para atender às particularidades das demandas tributárias, em especial àquelas mais atuais, que versam sobre relações inerentes à informatização e à diversidade de novas relações negociais.
É nesse contexto de significativa modernização das relações econômicas e de pouca eficiência do Poder Judiciário, que se faz necessário o debate sobre a arbitragem em matéria tributária no Brasil, como já fizeram outros países, a exemplo de Portugal.
Para além dos desafios e os entraves existentes na atual legislação para concretização da arbitragem em matéria tributária no Brasil, é preciso abandonar preconceitos e se conscientizar que a arbitragem em matéria tributária pode ser vantajosa para os contribuintes e para o Estado, fomentando o interesse e o engajamento na busca por medidas viáveis à sua concretização. Casos de classificação fiscal, por exemplo, que dependem da identificação de um bem na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e do regramento legal a ele aplicável demandam o conhecimento de detalhes técnicos do produto e sempre geram divergências entre Fisco e contribuintes sobre aplicação de alíquotas, regimes de substituição tributária, tributação na importação, dentre outras questões.
Além disso, em matéria tributária, frequentemente a solução da controvérsia depende da contribuição de um profissional especialista ou de outras áreas do conhecimento, alheias ao direto. São casos, por exemplo, de definição do conceito de insumos para fins de aproveitamento de créditos de PIS e Cofins, que dependem do exame da participação do produto no processo produtivo da empresa ou de operações no âmbito da economia digital, em que se faz necessário o domínio de conceitos técnicos presentes em operações de computação na nuvem para compreender a extensão da incidência tributária.
A solução para casos como esses seria mais bem construída por uma composição mista, com julgadores técnicos (técnico em informática ou engenheiro, por exemplo) e julgadores com formação jurídica, como se dá na arbitragem, e não demandaria a disponibilidade de receita tributária ou a desconsideração do poder de tributar do Estado.
Ao contrário, a utilização da arbitragem viabilizaria um termo justo de incidência, assegurando um mecanismo auxiliar para a arrecadação tributária do Estado, sem abrir mão da segurança jurídica e da efetiva prestação jurisdicional aos contribuintes.
Fonte: IBET/Valor Econômico – Por Mariana Santos de Abreu Lima